O servidor público envolvido em falcatrua a qualquer tempo será processado e punido, certo? Errado! Além da nova lei de improbidade administrativa dificultar a condenação, com prazos apertados e prescrição, além da exigência de comprovação de dolo (intenção) para a punição, a aposentadoria vem sendo utilizada para ‘proteger’, beneficiar quem cometeu irregularidades. O Diário Oficial de Bauru desta semana traz mais um desses casos.
A aposentadoria foi homologada pela administração em favor de Wagner Bertolucci. Ex-servidor da Seplan (Secretaria de Planejamento) por 3 décadas, ele correu pedir seu desligamento ao ser “pego” em flagrante por um síndico solicitando propina para “canetar” na regularização do prédio de moradores.
O CONTRAPONTO apurou, com exclusividade, o singular episódio. Levantamos que Bertolucci não só cobrava para “regularizar” construções que davam entrada na Prefeitura para liberar alvarás, ou habite-se (documento necessário para que o cidadão possa utilizar o imóvel), como tinha uma espécie de “tabela” para os serviços irregulares que praticava. Dependendo do “grau de trabalho” para desembaraçar a encrenca pedida pelo morador o preço do ilícito exigido era maior.
Veja, logo abaixo, mais detalhes do caso Bertolucci. Ah. As legislações federal e estadual e federal têm previsão de cassar aposentadoria quando houver condenação posterior. A lei municipal não tem esta previsão (falha)!
Outro problema a resolver: na lei municipal a contagem de prescrição punitiva é do fato e não da descoberta da infração. Outra vantagem ao mau servidor… Veja dois casos que pesquisamos. Continuamos atentos a outros…
FORA DE CENA
O acesso à aposentadoria de envolvido ou denunciado por corrupção ou outra prática irregular no exercício da função pública pode servir à proteção ou como “benefício”?
O tema é controverso no meio jurídico. A própria Corregedoria da Prefeitura, em diversos processos de apuração de irregularidades contra servidores, aponta em decisões pela extinção da punição em razão da aposentadoria.
A Funprev, órgão que cuida das aposentadorias dos servidores em Bauru, também já conviveu com vários episódios a respeito. A fundação foi além. Já indeferiu homologação de aposentadorias em razão de servidores estarem sob denúncia por prática de atos, em tese, de improbidade administrativa. Mas viu o Judiciário determinar o acesso a aposentadoria.
Ou seja, nesta linha, uma corrente do Judiciário entende que o direito à aposentadoria e o de receber pelo seu sustento após cumprido os requisitos de idade e/ou tempo de serviço é “líquido e certo”. Prevalece o direito de subsistência do malfeitor, na condição de idoso, segundo esta tese. Mesmo que seja comprovado que este servidor tenha se metido em falcatruas.
Mas há também decisões em sentido contrário. Encontramos inúmeras decisões (acórdãos), onde o entendimento foi de que comprovada a irregularidade, com efeito de improbidade, durante o exercício da função, o servidor pode sofrer sanções.
Contudo, ainda assim, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) também tem decisão recente em outra linha. Na primeira seção dos ministros, em fevereiro de 2021, foi tomada decisão com efeito de súmula onde está estabelecido que a interrupção da aposentadoria é ato que tem de ser realizado pelo Executivo, por sua competência em relação ao funcionalismo.
E aqui reside um problemaço. Muitos, mas muitos, casos envolvendo corrupção nem chegam ao conhecimento da Corregedoria. E os processos demoram muito. Há sindicâncias que ficam anos em andamento. Por várias razões. E, nestas condições, a ineficiência na apuração e julgamento administrativo pelos Municípios favorece a impunidade, livrando o servidor corrupto.
OUTRA AÇÃO
A controvérsia sobre a eficácia de ações de improbidade administrativa contra servidores que “correram” para a aposentadoria para se livrarem de punição é antiga e, ao mesmo tempo, novíssima em Bauru.
O ano de 2023 iniciou com o Jurídico ingressando com ação civil pública contra mais um servidor da Seplan denunciado por corrupção – cobrança de propina. O novo caso levado ao Fórum envolve o desenhista, projetista, Gilson Alberto Lopes. Conforme o processo, ele transformou em seu cliente particular cidadão que buscou a administração para regularizar documentação de moradia.
O caso só veio à tona porque, conforme a ação, Gilson foi abusado. Em 2012 ele pediu propina, “vendeu” a liberação de um projeto pendente na Seplan. Mas houveram pendências. Em 2019, o mesmo proprietário voltou a procurar o projetista, conforme a ação, para readequar o projeto. E o desenhista-servidor exigiu propina e ainda teria reclamado que havia ficado pendente valor por fora lá de 2012…
Ai o cidadão, enfim, “perdeu a paciência” e decidiu denuncia-lo. E quantos pagaram e se calaram? Quantos alvarás, habite-se, ajuste e liberações em projetos, desenhos feitos “por fora”, certidões falsas ou emitidas com dado irregular, fizeram parte do arsenal do conhecido balcão de negócios da Seplan, por anos… ? Quantos aceitaram o jeitinho e modus operandi de casos com Telma, Erasmo, Bertolucci e Gilson…?
No caso de Gilson, a ação também pede perda dos direitos políticos e de contratar com o serviço público. Ufa! Imagina que um desses ainda se candidata e se elege….
CASO BERTOLUCCI
Apuramos no caso Wagner Bertolucci que um síndico (com quem falamos), de um prédio de apenas 4 andares na periferia, recebeu pedido de pagamento irregular para regularizar a cobertura da garagem do condomínio. Preservamos a identidade do autor da denúncia e o endereço do imóvel para garantias individuais.
A exigência de propina para regularização do projeto (construção) está clara nas gravações realizadas pelo denunciante. Desde 2015 há discussão com a construtora do condomínio instalado na periferia sobre a pendência no imóvel. Conforme o relato, o projeto original contempla garagem em um dos pavimentos (subsolo). Mas esta parte da obra foi realizada no entorno do prédio.
Na ocasião, segundo o morador, a Seplan emitiu uma espécie de liberação provisória (também com propina). O prédio passou a pagar, depois, IPTU também sobre a área de garagem. Vocês se recordam que a Prefeitura contratou fotos aéreas (aerofotogrametria) e, com isso, incluiu nas cobranças do imposto as áreas de construção adicionais?
Então imaginem a quantidade de proprietários que tiveram de aprovar regularizações na Seplan? ….
AS GRAVAÇÕES
Nas conversas, o síndico reclama que ainda não conseguiu regularizar a situação do prédio onde mora. O construtor Élcio Castro, conforme as gravações já entregues à Justiça, diz na conversa que já havia cooptado o servidor Wagner Bertolucci em relação ao mesmo prédio. Ele diz que pagou para obter a liberação provisória da obra sob sua responsabilidade.
Portanto, a apuração recai sobre mais de um pedido de propina, conforme as degravações dos trechos realizadas pelo CONTRAPONTO com exclusividade.
Contudo, o síndico reclama que, diante da necessidade de regularização, sofreu novo pedido de propina, segundo ele intermediado pelo mesmo construtor (Élcio Castro), junto ao mesmo servidor, Wagner Bertolucci.
Orientado pelo Ministério Público a respeito da obtenção de provas, o síndico conseguiu gravar conversas tanto com Élcio Luis Castro quanto com Wanger Bertolucci. Nelas, o denunciante obtém “conselho” do empresário de que é mais barato se corromper e pagar R$ 5 mil exigidos por Bertolucci do que ter de se submeter a outras exigências para a situação pendente em seu prédio.
O síndico aciona, então, Bertolucci, e este aceita reduzir a exigência para R$ 4 mil. Todas as informações estão em apuração pelo Gaeco.