A asfixia das Unidades Básicas de Saúde

Médicos Rafael Arruda, Marcos Cabelo e Pedro Pereira fizeram apontamentos estruturais dos serviços de saúde na cidade: se não resolver assistência primária as UPAs seguirão sufocadas
A discussão sobre a chegada do grupo de São Carlos para gerir plantões em 2 UPAs de Bauru expõe disputa de mercado, estoque de omissões na fiscalização pelo Conselho de Saúde nos últimos anos e “erro do alvo”: a deficiência continua sendo a cobertura e resolutividade ruins na Atenção Básica de Saúde, obrigação do Município
A necessária reunião pública que discutiu desajustes no valor dos plantões médicos, nas escalas, na sobrecarga de pacientes nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e na demanda reprimida por consultas, cirurgias e exames especializados em Bauru trouxe como eixo principal a parte crucial não resolvida deste complexo sistema de serviços públicos de saúde há anos: a assistência, cobertura e resolutividade na Atenção Básica continua muito deficitária.
A latência dessa situação – antiga – sangrou também na reunião pública desta terça-feira, realizada no plenário da Câmara Municipal, como velha ferida na necessidade de reestruturação dos serviços públicos municipais de Saúde. Desassistido na origem para seus problemas de saúde mais simples, o usuário abarrota as UPAs, onde a distorção ganha proporções nos plantões – fatia em disputa entre a Organização Social OMESC, de São Carlos, e a Fundação de Saúde (FERSB).
O próprio secretário de Saúde de Bauru, Orlando Costa Dias, definiu que “a tendências das pessoas é irem às UPAs, mesmo com a maioria dos casos não sendo de urgência ou emergência. Tem de mudar a oferta e solução de serviços na Rede Básica para reduzir a pressão sobre as UPAs e começar a reverter esta situação”, resumiu.
Segundo dados apresentados oficialmente pela pasta, na Série Diagnóstico Saúde, publicado pelo CONTRAPONTO como documento-reportagem ainda no início deste ano (https://contraponto.digital/serie-diagnostico-saude-um-raio-x-dos-gastos-da-estrutura-e-dos-servicos/), as Unidades de Pronto Atendimento responderam por 67% dos atendimento até o início da pandemia, contra apenas 28% nas Unidades Básicas e 5% de serviços de Referência.
DADOS
A rede municipal contou, no mesmo período (até início da Covid), com 16 médicos (+ Médicos), 278 técnicos de enfermagem, 57 dentistas, 144 enfermeiros e 218 médicos para cobrir todas as frentes de serviços. Os programas de saúde da Família não avançaram na cobertura, há anos, e os efeitos duros da Covid “anestesiaram”, de vez, os movimentos quase imperceptíveis de inversão desta lógica (que concentra na UPA o que deveria estar nas UBS).
E veio, na reunião pública, do médico (e ex-diretor no serviço de urgência), o apontamento lógico: “o caminho desenhado desde o governo anterior era de enfrentar a oferta na Rede Básica. Se a dificuldade de oferta de profissionais é realidade, a terceirização tem de ser na Atenção Básica, nas UBS, e não nas UPAs”.
Marcos Cabelo, presidente da Associação Paulista de Medicina (APM), foi “na veia”: a quarteirização através da pejotização (contratação de médicos como empresas) é uma tragédia para a profissão. E para o usuário este quadro replica a distorção existente, porque a carência crônica está nas UBS e o que se ataca neste momento são os plantões para UPAs”.
Representando o Conselho Regional de Medicina (CRM) no Conselho Municipal de Saúde, o médico Pedro Pereira, pontuou que “para uma escala de 05 médicos para os plantões por UPA é preciso uma retaguarda de 50, 60, cadastrados. Senão o sistema de escalas não se sustenta”.
MAIS DADOS
O número de atendimento nas 3 UPAs nas últimas 14 horas dá a dimensão do sufocamento do sistema. Na UPA Bela Vista foram registrados 792 pacientes em 24 h, na unidade do Geisel 600 pacientes e na Popular Ipiranga 211.
Para a Bela Vista, a maior unidade, isso significa 1 paciente a cada 1 minuto e 8 segundos  para apenas 4 médicos nas sem escalas durante o dia e 2 à noite, nos dias úteis. É pouca mão de obra para a demanda. E das 18h às 23 horas a sobrecarga é bem pesada, com concentração.
A ‘lógica” do usuário é simples: sem garantia de ser atendido no “Posto de Saúde” ele vai direto para a UPA – local que deveria atender URGÊNCIA e EMERGÊNCIA. O Pronto Socorro, no atual governo, só atende a casos encaminhados, graves, sobretudo de trauma (com porta fechada para o público externo).
OUTRAS SUTURAS
De outro lado, sobrecarregados nos plantões, os médicos que já atuam nas escalas da FERSB reclamam da oferta com valor menor pela agora concorrente nesta fatia de mercado em Bauru: a OMESC. Na reunião pública, o diretor da organização, de São Carlos, João Luiz Queiroz, disse que os plantões por 12 horas para as escalas das UPAs Ipiranga e Bela Vista serão pagos a R$ 1.260,00, “um valor 16% menor do que se remunera em Bauru hoje por este serviço”.
A OMESC ajustou o valor para R$ 1.300,00 para escalas em dias úteis, e R$ 1.350,00 nos finais de semana. A Saúde estuda incluir nas exigências de editais futuros a fixação de valor mínimo para pagamento de plantões aos médicos.
Questionado sobre qualificação e demais exigências para cumprir o contrato, Queiroz apontou: “quem define a ação de saúde, a estratégia e as condições é a Prefeitura de Bauru. Nossa ação é para não deixar haver fila, como gerenciamos em São Carlos.
O edital em Bauru também não exigiu qualificação prévia de cursos de urgência dos médicos, mas as UPAs não terão 100% de escalas compostas por médicos formados”. O secretário Municipal de Saúde cessante, Orlando Costa Dias ponderou que o atual edital foi para garantir a continuidade dos plantões nas duas UPAs (Bela Vista e Ipiranga). “O valor mínimo para pagamento de plantões poderia ter sido fixado no Termo de Referência, assim como outros itens. Vamos discutir para os próximos editais. Já a exigência de médico com qualificação para atuar em emergência inviabilizaria o fechamento dos plantões”, abordou.
O advogado do Sinserm, José Francisco Martins, se mostrou cético quanto ao funcionamento correto das atividades. Francisco mostrou indignação quanto à escala incompleta apresentada pela empresa e criticou a quarteirização no setor. A Secretaria Municipal de Saúde informou que notificou a OMESC para corrigir as inconsistências na planilha das escalas apresentadas para os turnos até o dia 8 de janeiro próximo.

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