Por Adalberto da Silva Retto Jr
O Conselho Nacional de Arquitetura e Urbanismo divulgou em sua página web que, em nome daONU, Norman Foster lançará o “Juramento de Hipócrates” dos arquitetos” e que, a Declaração de San Marino, escrita pelo Bureau do Comitê de Desenvolvimento Urbano, Habitação e Gestão do Território, pedirá aos arquitetos, geógrafos, engenheiros, topógrafos, sociólogos, antropólogos e outros profissionais do ambiente construído que apoiem e defendam uma série de “princípios para o design e arquitetura urbanos sustentáveis e inclusivos em apoio ao desenvolvimento sustentável, casas seguras, saudáveis, socialmente inclusivas, climaticamente neutras e circulares, infraestrutura urbana e cidades”.
O documento reforça que o Congresso Mundial de Arquitetos da UIA, a ser realizado em Copenhagen em 2023, tem igualmente o objetivo de promover, discutir, criar e mostrar a arquitetura como ferramenta vital para alcançar os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU até 2030, compartilhando soluções sustentáveis e devendo ser um marco na história do que a arquitetura pode fazer para ajudar a salvar o planeta. O CAU Brasil participará ativamente do Congresso levando propostas para as cidades da Amazônia.
Planejar o futuro de um território e das comunidades é um processo extremamente complexo. Trata-se de uma alquimia de fatores, necessidades e planos analíticos que deveriam encontrar seu ponto de síntese na ação política: na administração pública em prol do coletivo; na relação entre interesse público e privado; nos modos de traduzir necessidades e ideias em um projeto de longo prazo; e nas formas de organizar o espaço público.
O Planejamento Urbano e Territorial, portanto, é uma chave eficaz para interpretar muitos processos que afetam a organização do espaço público. De fato, a ausência do controle e fiscalização do Estado nas cidades, ou seja, de instrumentos urbanísticos atualizados representa o principal escudo atrás do qual acabam se escondendo as piores práticas predatórias, destinadas a afetar, de forma mais ou menos marcante e duradoura, a vida das comunidades.
Especialmente em um momento em que os processos de urbanização atingiram tal intensidade que erodiram profundamente os territórios e seus recursos, é que amplas reflexões surgiram compossíveis soluções para os desafios colocados pelo desenho da cidade do amanhã: um processo local com fôlego global que exige sensibilidade e visãopara que essas soluções sejam adequadamente abordadas em sua complexidade.
Em algumas cidades do Brasil, são explícitos os conluios na política e na administração pública, o que leva a uma conveniente síntese sobre o controle da terra, facilitada pela ausência de ferramentas de planejamento urbano. De maneira geral, é evidente a sobreposição entre os processos de planejamento das intervenções urbano-arquitetônicas em determinado território e o desenvolvimento sociocultural e econômico-político da comunidade.
A relação entre Arquitetura, Política, Democracia e Poder torna-se, então, o nó em torno do qual se pode raciocinar sobre muitas coisas declinadas em todos os tempos: no passado, no presente e, sobretudo, no futuro. Através desse filtro é possível ler, em retrospectiva, os processos que moldaram a cidade do presente e delinear hipóteses em perspectiva para sua evolução futura. Também é possível raciocinar sobre a administração do bem público e sobre sua maior ou menor corruptibilidade, sobre representação e visão política, sobre relação entre público e privado, esobre o bem comum e sua responsabilidade. Todos os elementos compartilham uma única dimensão – a do desenho. Partimos de uma ideia surgida de necessidades e exigências mais ou menos partilhadas e procedemos ao desenvolvimento de um projeto para a sua concretização. É o que acontece com um programa político-administrativo; é a própria essência de um Plano Urbanístico e/ou de uma obra de arquitetura.
Mas se no passado era a política que mediava e veiculava esses processos, na fase atual de crise e transformações, quem está encarregado desse papel? Quem faz a mediação entre necessidade, planejamento e desenho das cidades? Quais os elementos essenciais em um processo de desenho e de planejamento? E mais uma vez: a arquitetura pode ser democrática? A arquitetura é livre para se expressar? Se assim for, em que medida?
O novo papel que arquitetos e urbanistas estão sendo convidados a assumir é o de uma visão humana da economia, a ser observada através da complexidade dos fenômenos sociais dos quais ela própria é parte integrante; uma visãoconsubstanciada na participação dos cidadãos como um dos caminhos possíveis para chegar à definição dos objetivos que devem, outra vez, voltar às mãos dos arquitetos e urbanistas para ser cumprida.
O período histórico que vivemos é único por vários motivos. A questão da sustentabilidade, por exemplo, nunca foi tão debatida e, nos últimos anos, importantes instrumentos políticos adotados globalmente finalmente chegaram a se delinear com força. São importantes diretrizes, não apenas para lidar com as mudanças climáticas, mas também para imaginar as cidades em uma escala mais humana.
Os 17 objetivos definidos pela Organização das Nações Unidas na Agenda 2030, um importante programa de ação para “alcançar um futuro melhor e mais sustentável para todos”, reconhecem a estreita ligação entre o bem-estar humano, a saúde dos sistemas naturais e os antropizados, e a presença de desafios comuns para todos os países.
É uma proposta de debate e reflexão que avança sintomaticamente no seio de um território atormentado por persistente má gestão de seus recursos e possibilidades, prova de fogo de um país inteiro que nunca deu a devida atenção ao papel de um desenho global, um desenho que considere as necessidades da cidade e de suas gentes hoje e, sobretudo, amanhã.
No entanto, é impossível falar de sustentabilidade e inovação sem lidar com a pandemia e a forma como ela mudou radicalmente nosso estilo de vida e nossas necessidades. Mas então, qual é o futuro que queremos para nossas cidades? Como o Brasilpode hoje enfrentar o desafio de cidades mais sustentáveis?
Estamos diante de uma nova abordagem, uma nova forma de ver e conceber as cidades e, principalmente, diante de uma possibilidade dereabilitação do papel do arquiteto no centro desta “revolução”. Mas não se trata apenas de um projeto ambiental ou econômico: deve ser um novo projeto cultural brasileiro.
Acredito que, neste momento, os arquitetos do nosso país não podem subestimar a importância de sua ação para deixar uma marca do presente na história, uma marca que vai muito além de um precioso legado de beleza. É necessário pensar numa ideia de renovação profunda das cidades, de verdadeira transformação, que parte da requalificação do patrimônio existente, mas imagina novos cenários e novos habitats que vão além da proteção, para comunicar a visão e o significado da nossa contemporaneidade.
Falar de limitações na ocupação do solo é importante, mas por si só não é suficiente para imaginar a cidade do futuro. As periferias das grandes cidades exigem um repensar urgente, além de investimentos estruturais para serem efetivamente regeneradas. Além disso, o Brasil é um país que, além de grandes metrópoles, tem também um tecido de cidades médias e pequenas espalhadas com grande variedade cultural e paisagística que devem ser valorizadas e auxiliadas em seu crescimento. Se pensarmos nas muitas cidades pequenas e distritos que desempenham um papel fundamental na nossa identidade, o passado e o futuro podem/devem dialogar, e não eliminarem-se mutuamente.
As cidades, portanto, deixam de ser meros locais de vivência ou sobrevivência para serem agentes capazes de movimentar os mecanismos necessários para sair da crise, não só tapando as feridas resultantes de uma modernidade inacabada, mas também construindo as condições para uma melhoria de vida, em geral.
É necessário almejar uma nova forma de planejamento não-diretivo, capaz de mobilizarinstituições, como as universidades, a trabalharem em conjunto com as organizações da sociedade civil, com uma forma de planejamento capaz de explorar novos modelos de governança, unindo e integrando essas forças em uma estrutura mais geral e com objetivos comuns.
Logo, vale a pergunta: “Que tipo de arquiteto sou eu?” , ou ainda: “Que tipo de arquiteto e urbanista gostaria de ser para contribuir para construção desse futuro?”
Nesse momento, a magia do jogo entre passado e futuro (suspenso no momento presente) e que define a palavra projeto – como algo a ser lançado no futuro – parece ter anulado até mesmo a ambição de pensarmos um futuro da cidade contemporânea.
Portanto, nós arquitetos e urbanistas, devemos doar nosso espírito, nossa juventude e conhecimento à construção dessas cidades futuras, fazê-las pulsar, senti-las como nossas, colocando em ação seu senso cívico e de cidadania. É preciso ter consciência de que uma das maiores alegrias da vida é saber que ninguém no mundo está só, que somos parte de um todo, um todo dentro dos limites do Brasil e do mundo. Somente a partir desse tipo de entendimento é que podemos começar a responder como as áreas urbanas poderão ser transformadas na era pós-pandemia, fazendo das cidades verdadeiros laboratórios de democracia em prol de todos os cidadãos, sem exceção. Nosso futuro, assim como o de nossas cidades, depende de nós e do quanto acreditamos nas oportunidades de mudança.
O autor é
professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), doutor pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e pelo Departamento de História da Arquitetura e Urbanismo do Instituto Universitário de Arquitetura de Veneza (2003) e professor-pesquisador visitante no Master Erasmus Mundus TPTI (Techiniques, Patrimoine, Territoire de l’Industrie: Histoire, Valorisation, Didactique) da UniversitèPanthéon Sorbonne Paris I (2011-2013).
Esplêndido trabalho! Parabéns!
Obrigado.
Eu que te agradeço pela sua luta constante!
Obrigado pelo retorno! Gde ab
Adalberto.
Excelente artigo.
PARABÉNS!
Obrigado pelo Retorno! Gde ab
Excelente reflexão! Parabéns, mais uma vez!
Excelente artigo é deverdade que nosso futuro, assim como o de nossas cidades, depende de nós e do quanto acreditamos nas oportunidades de mudança.
Muito bom seu artigo. Instigante na direção da reflexão do Papel da Arquitetura em uma perspectiva civilizatória. Vimos a barbárie q aconteceu dia 8 de janeiro. Lá a arquitetura desempenhou papel importante, juntamente com a arte. De qualquer forma acho q suas provocações são muito ricas para reflexão dos arquitetos que se perdem muitas vezes na política e simultaneamente na vontade de ccolaboração para construção de um futuro mais justo e mais humano. Parabéns pelas reflexões!!