Caixa do Município fecha 2024 com superávit de R$ 148 milhões. Mas arrecadação em janeiro é ruim. É o final do ciclo de “bonança no cofre”?

 

A soma de todas as receitas da Prefeitura de Bauru fechou 2024 com arrecadação R$ 148 milhões acima de todo o ano anterior. Com isso, o governo Suéllen Rosim concluiu os quatro anos de mandato com resultados sucessivos de crescimento na receita, um registro inédito na história financeira de Bauru, como vem apontando o CONTRAPONTO em suas reportagens sobre finanças públicas. Na segunda parte da Série CONTAS, trazemos pra você a avaliação dos resultados, item a item de 2024 e a projeção sobre 2025. Janeiro teve resultado ruim para quase todas as prefeituras. Fim do “ciclo de bonança” na arrecadação?

Na primeira Grande Reportagem da Série CONTAS desbravamos a apuração de dados sobre o percentual (real) de investimentos, nos últimos quatro anos, do Município (apesar da dificuldade na disponibilização de dados pelos sites oficiais das cidades, mesmo com o País sob a regra da Transparência Pública). No material cruzamos os dados com o crescimento do desfalque na previdência pública municipal e vários itens novos de despesas correntes (fixas), que colocam o equilíbrio financeiro em alerta e o risco da Prefeitura não conseguir cumprir a ordem constitucional em relação ao mínimo anual exigido, em específico, em investimentos. Veja tudo isso no material que abriu a Série, no link a seguir: https://contraponto.digital/contas-do-municipio-exigem-ajuste-na-despesa-para-nao-descumprir-regra-constitucional/

2024 MUITO BOM

Bom. Primeiro vamos “mergulhar” sobre os números de 2024. No quadro acima mostramos que o ano de 2024 fechou com superávit de R$ 148 milhões sobre 2023. Isso é valor nominal de arrecadação. Ou seja, sem descontar inflação no comparativo. Também anotamos que aqui, para linguagem compreensível de todos, usamos superávit como o que entrou a mais de recurso no caixa sobre o ano anterior.

Antes, ainda, lembramos que comparar períodos iguais é essencial, lembram os economistas. Vamos aos itens que mais chamam a atenção neste resultado positivo para o caixa do Município (aqui não entram as empresas da administração indireta: DAE, Emdurb, Cohab).

Os repasses vindos da repartição entre os municípios da compra e venda de mercadorias e serviços (o chamado ICMS) alcançaram ganho um pouco acima de 10% no comparativo (sempre 2024 x 2023, lembre-se). O total de receitas fruto de notas fiscais emitidas somou R$ 303,8 milhões em 2024, contra R$ 271,5 milhões no ano anterior. Isso é mais do dobro da inflação do ano passado (que ficou na casa dos 4,7%, segundo o índice oficial da União).

O então secretário Municipal de Finanças, Éverton Basílio, reconhece que, de novo, “o ano foi bem no resultado das arrecadações repassadas pelo Estado (ICMS) e, também, da União (FPM)”. Mas, como já vinha citando em análises dos resultados mensais, aqui no site, Basílio acrescenta: “esse ciclo de superávits não tende a se repetir daqui pra frente. E desde o início nosso planejamento junto com a prefeita foi no sentido de aplicar em investimentos e não em despesas continuadas. Para não gerar dificuldade de cumprir o orçamento depois, na sequência”, pontua.

Aliás, os dados oficialmente enviados pela Secretaria de Finanças identificam que o caixa “também foi muito bem” na repartição do bolo da arrecadação concentrada em Brasília (que depois é reenviada aos Municípios e Estados conforme os indicadores oficiais). O FPM é composto, sobretudo, pela população e arrecadação de Imposto de Renda (IR), entre outros. O Fundo de Participação de Bauru rendeu R$ 131,7 milhões no ano passado. 2023 fechou com R$ 123,6 milhões.

Do resultado da cobrança de impostos de atividades inteiras locais (como o Imposto sobre Serviços – ISS – e IPTU – de proprietários de construções e terrenos), o ISS teve crescimento ainda melhor do que outros indicadores. O aumento na produção de atividades como as mais de 40 mil pequenas empresas e o ‘boom’ de empregos no setor de cobrança (call center) geraram uma arrecadação de R$ 226,8 milhões em 2024, contra R$ 195,6 milhões em 2023 (que já tinha sido um bom resultado).

A Prefeitura não corrigiu a tabela de valores de venda de imóveis em 2024 (a chamada tabela de valor venal – de venda). E o Município também deixou para este ano a cobrança (e aplicação de multa) de mais de 23 mil endereços com construções irregulares (uma edícula ali, um “puxadinho” aqui, uma casa erguida sem projeto acolá). Com aumento tímido no cadastro real (número de moradias regularizadas), o Imposto sobre Propriedade, o IPTU, arrecadou R$ 170,7 milhões ano passado. No outro ano, no comparativo, o resultado foi R$ 162,2 milhões. Na “conta de padaria”, o acréscimo na marra cobre a inflação do período.

Outro dado que mostra, em parte, que o efeito do ano de eleição pesou na hora da administração municipal exercer sua obrigação de cobras devedores. A dívida ativa (registro de quem não paga IPTU, ISS, taxas, multas) gerou receita total em 2024 de R$ 49,5 milhões, contra R$ 58 milhões em 2023.

Outro apontamento (técnico / financeiro) relevante. O rendimento de aplicações financeiras gerou R$ 53,8 milhões ano passado para o cofre do Município. Menos do que os R$ 63,11 milhões em 2023. Por quê? – Se o caixa teve superávits sucessivos em todo o governo Suéllen (conforme dados no rodapé da ilustração acima)? O então secretário Éverton Basílio já vinha apontando, no fechamento mensal das contas em 2024, que a reserva de caixa (fruto dos superávits) estava sendo aplicada com maior vigor no ano passado (sobretudo no trimestre que antecedeu a eleição – como mostramos em matéria específica aqui). Foram mais de R$ 50 milhões somente em contratos de pavimentação liberados entre julho e setembro.

Ou seja, com menor reserva de aplicações em caixa, o resultado bruto dos rendimentos, claro cai. Mesmo com os bancos pagando bem, no ambiente de alta taxa de juros no País (Selic acima de dois dígitos).

CICLO DE BONANÇA

Veja no quadro acima, em destaque, que o governo Suéllen teve sucessivos aumentos de arrecadação, desde 2021, em todo seu primeiro ciclo (mandato). Iniciou 2021 fechando com receita R$ 114 milhões a mais do que o último ano do então prefeito Clodoaldo Gazzetta (2020).

Depois, destacamos aqui nas matérias mensais sobre o acompanhamento de caixa da Prefeitura, salientamos que “crescer sobre resultado muito bom no ano anterior era ainda mais expressivo”. Foi assim em 2022: superávit extraordinário de R$ 252 milhões. Também anotamos que, naquele ano, além da retomada de atividades no pós pandemia Covid-19, o governo Suéllen foi beneficiado com a liberação de R$ 78 milhões de depósitos judiciais na Justiça Federal – fruto da devolução de valor represado como garantia na ação de erro do cálculo da dívida do Viaduto – hoje Viaduto Nicola Avallone, no Centro).

E, mesmo com a “bolada” de 2022, o caixa foi novamente bem em 2023: as entradas na conta da Prefeitura ficaram R$ 45 milhões acima do extraordinário 2022. Da mesma forma, Suéllen fecha os quatro anos iniciais de mandato reeleita e, em 2024, com superávit de R$ 148 milhões, como detalhado acima. No montante deste último ano estão também receitas “extras” (ocasionais) que precisam ser citadas: a venda da operação da folha de pagamento por R$ 25 milhões ao Bradesco e a liberação pela Justiça Federal da segunda parte dos depósitos judiciais – ainda da ação do erro no cálculo do Viaduto, citado acima) – em pouco mais de R$ 21 milhões.

Lembramos que Basílio foi sucedido, em janeiro de 2025, por Éverson Demarchi (que “trocou de lugar” com o colega por opção da prefeita Suéllen Rosim – deixando a Cohab e indo para a Finanças da Prefeitura). O novo secretário pontua que “concluir a expectativa de arrecadação prevista no Orçamento é de fato para comemorar. Mas é preciso lembrar que as despesas fixas também crescem. Os serviços e materiais contratados também são reajustados. Acompanhar isso é permanente, abastecendo a prefeita de informações para ela tomar suas decisões”.

Bom. Isso significa que, nos quatro anos, a soma dos superávits de arrecadação no governo Suéllen Rosim chega a históricos R$ 559 milhões.

Éverton Basílio (esq.) e Éverson Demarchi trocaram de lugar: Basílio foi para Cohab e Demarchi voltou à Finanças em janeiro de 2025
ALERTA DE JANEIRO

O ciclo de crescimento repetido na arrecadação acabou? Tudo indica que sim, conforme secretários municipais que discutem resultados e perspectivas entre eles e junto a organismos como a Confederação Nacional de Municípios (CNM). Governos estaduais também estão preocupados, conforme o “clima” ruim na rodada de negociações de governadores com o Ministério da Fazenda, no final de 2024, sobre “renegociação de dívidas” com a União.

Servidores de carreira (e secretários com passagem pela mesma pasta), Demarchi e Basílio reforçam que os “prefeitos estão preocupados com as estimativas para este ano (2025)”. E não é somente eles. Na semana passada, em discurso para centenas de prefeitos, na Capital, o governador Tarcísio Freitas salientou que “o aperto na arrecadação vem agora, em razão das dificuldades enfrentadas pelo País, com juros altos´, dólar nas alturas, etc. Quem não reduziu despesas, ajustou a máquina, vai ter dificuldades daqui pra frente”.

O que dizem os principais dados de arrecadação referente ao primeiro mês deste ano?

O repasse de ICMS (pelo Estado) indica “tempo ruim”. Bauru recebeu como retorno de sua atividade produtiva R$ 19,472 milhões em janeiro de 2025, contra R$ 20,969 milhões no mesmo mês em 2024, conforme o site oficial da Secretaria da Fazenda de SP.

Todos os municípios médios perderam repasse. Franca e Piracicaba (do mesmo porte populacional de Bauru) também. A primeira recebeu R$ 14,447 milhões no último mês, contra R$ 15,947 milhões de janeiro de 2024. Piracicaba tem atividade industrial muito mais “forte”. Mas também perdeu arrecadação no item ICMS: R$ 45,268 milhões em janeiro de 2025 contra R$ 47,761 milhões no mesmo mês de 2024.

A mesma preocupação vem da arrecadação de IPVA no confronto entre “os janeiros” (2025 x 2024) nessas três cidades. Bauru: R$ 73,161 milhões neste ao contra R$ 72,730 milhões antes. Franca: receita de R$ 59,604 milhões x R$ 58,435 milhões em janeiro de 2024. E Piracicaba: R$ 113,557 milhões em janeiro deste ano contra R$ 114,443 milhões em janeiro de 2024.

Os preços dos veículos tiveram reajuste. O mercado de carros usados também ajustou as tabelas. Mas os resultados da arrecadação de IPVA no confronto entre “os janeiros” não cobrem nem a inflação dos últimos 12 meses…

REDUÇÃO DE 76% 

A Confederação Nacional dos Município (CNM) reforça o alerta de preocupação fiscal dos municípios em seu último boletim sobre contas, com ênfase para os números do imposto de renda – principal fonte para as remessas do Fundo Municipal (FPM).

“Mais de 76% da base de cálculo do FPM estão concentrados nas arrecadações do IRPJ (Imposto de Renda de Pessoa Jurídica) e do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), nas modalidades de rendimento do trabalho e do capital. Essa última teve retração de 56,5%, reduzindo de R$ 23,49 bilhões para R$ 10,22 bilhões”, cita a CNM.

Diante dos desafios do primeiro ano de mandato do poder municipal, das incertezas fiscais do Brasil e da alta do dólar, traz a Confederação em sua avaliação, o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, “recomenda planejamento na aplicação dos recursos. Os decêndios do FPM podem apresentar sazonalidades ao longo do mês e, uma vez que os planos orçamentários foram definidos com base nos resultados anteriores, espera-se que o bom desempenho deste Fundo, conferido nos últimos anos, se mantenha. A orientação é de cautela na expansão dos gastos e/ou investimentos e o pleno controle das finanças”.

REGRA FEDERAL

Pra saber mais:

A regra para distribuição da arrecadação federal aos Municípios é estabelecida pela Constituição.

Os repasses aos municípios são liberados de acordo com os respectivos Índices de Participação dos Municípios, conforme determina a Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988. Em seu artigo 158, inciso IV está estabelecido que 25% do produto da arrecadação de ICMS pertence aos municípios, e 25% do montante transferido pela União ao Estado, referente ao Fundo de Exportação (artigo 159, inciso II e § 3º).

Os índices de participação dos municípios são apurados anualmente (artigo 3°, da LC 63/1990), para aplicação no exercício seguinte, observando os critérios estabelecidos pela Lei Estadual nº 3.201, de 23/12/81, com alterações introduzidas pela Lei Estadual nº 8.510, de 29/12/93.

1 comentário em “Caixa do Município fecha 2024 com superávit de R$ 148 milhões. Mas arrecadação em janeiro é ruim. É o final do ciclo de “bonança no cofre”?”

  1. Coaracy Antonio Domingues

    Na MINHA OPINIÃO:
    1. Comprovada a tese do Mestre Anésio Imperador (Ex-Secretario de Finanças e Ex-Presidente do DAE-BAURU), de que o ORÇAMENTO da Prefeitura Municipal de Bauru é uma peça de FICÇÃO;
    2. A época das “vacas gordas”, acabou.

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