Por Nélson Itaberá
A definição do acordo para o início do pagamento, definitivo, da dívida da Cohab Bauru com o FGTS é a ação de governo mais importante das últimas décadas. Não só porque trata da maior dívida do Município, mas porque envolve o fim da bola de neve que asfixia silenciosamente o Município e já acrescentou ao passivo de Bauru centenas de Milhões de Reais pela omissão, desídia e inércia de todos os governos locais até aqui. Mas, há um ponto na curva que precisa, urgente, ser posto à mesa, e que pode, quiçá, chamar a Caixa Federal a reduzir o valor final a ser pago: a forma de correção do FCVS. (veja abaixo).
O bauruense precisa compreender que adiar o tema (dívida com o FGTS) significa, a cada mês, Milhões de Reais a mais contra a cidade. Portanto, o governo municipal está correto em sentar com a Caixa, em Brasília, para em até 40 dias trazer definição a respeito. O monstro dessa dívida é tão gigante que já supera a arrecadação de um ano inteiro. Sim! O Orçamento de Bauru neste ano vai bater na casa de R$ 1,4 bilhão. E a dívida cobrada pela Caixa para devolver ao FGTS o que foi emprestado, nos anos 70, 80 e 90, soma R$ 1,7 bilhão. Em apenas 1 ano de governo Suéllen Rosim, a cobrança apresentada pela Caixa saltou de R$ 1,4 bilhão para R$ 1,7 bilhão! Em parcelas, com descontos, o acordo saiu de R$ 353 milhões para R$ 449 milhões em apenas 13 meses.
E é, para nós, crime de responsabilidade o que foi feito pelos governos anteriores neste assunto. Fingir que tudo estava certo nas suspensões de execução pela Caixa na Justiça Federal foi descalabro. Agora não dá mais para fingir. A Justiça Federal comunicou, em 2021, o Banco Central da insolvência da Cohab (o CONTRAPONTO levantou o alerta com exclusividade). E o juízo tem baixado sentenças, já de execução de pagamento, com seis bloqueios diretos que retiram todo mês R$ 240 mil na conta da companhia. Outros estão na mesa dos juízes federais.
E há outro dilema: a possível renegociação aplica juros de 3,08% pela Resolução 809 do Conselho do FGTS (que define a regra desse jogo) para parcelas até dezembro de 2026. A partir dai, o juros é de 6%. Assim, quanto mais tempo demora a assinatura da renegociação com a Caixa, mais cara fica a dívida a pagar. E para quem ainda não entendeu: esta conta já está sendo paga no Judiciário. Mas, pior, pelo valor cheio (sem desconto de 46% e com 5% de honorários). Veja, aqui, quantos milhões de Reais os últimos governos de Bauru acresceram à dívida somente a partir do adiamento da renegociação?!
Pior! A ideia de que Bauru só responderá por cerca de 73% da dívida (total de ações do Município na Cohab) não prospera. Está claro, também nas decisões judiciais, que a Cohab vai continuar a responder pelo total. Depois, um dia, terá de cobrar (ação de regresso) os demais acionistas, como Marília, Dracena, Piratininga e pessoas físicas que têm cotas na companhia.
Outro ponto: da necessária rodada de revisões na dívida da Cohab com o FGTS, realizada nesta semana em Brasília, restou claro até onde a Caixa pode atuar.
1) o banco federal recebeu do antigo banco BNH as contas (contratos) anteriores a 1991. A partir da Constituição de 1988, o BNH sai de cena, em seguida, e a Caixa assume tudo a respeito do FGTS no País. Assim, não haverá “quebra de contrato”. A Caixa só vai revisar evolução de dívida a partir de sua história com o FGTS: a partir de 1991.
2) a Caixa, conforme os técnicos do governo e da Cohab Bauru, mostra disposição em revisar a evolução da dívida a partir de 1991. Isso é bom! Mas qualquer apontamento para traz, portanto, não só “caducou” como qualquer erro, define a Caixa, ela não tem competência para mexer. Veio do BNH, contratos antigos, e anteriores à Constituição, inclusive.
3) O acordo de 2003, firmado pelo então presidente da Cohab no governo Nilson Costa, Constante Mogioni, antecipou a troca de contratos com juros maiores, nas condições da época, para derrubar o valor das parcelas e confessou junto à Caixa, mais uma vez na história, R$ 643 milhões relativos a 19 núcleos. Vários deles, das construções do Mary Dota, Índica Vanuíre, Bauru XVI e outros, iriam vencer anos depois. Mas pergunta-se: a Cohab pagou este compromisso nos anos seguintes?
4) Pra quem não entendeu, neste acordo de 2003 a Cohab aceitou antecipar contas futuras “queimando” seu fundo de garantia pela equivalência salarial cobrada dos mutuários e que desconta o valor a ser pago ao final dos contratos – o FCVS. Mas aqui há um ponto relevante posto ao Judiciário Federal, pronto para ser julgado: torcer para que o juízo se sensibilize de que, em 2014, no governo Rodrigo Agostinho, consta a operação de liberação de hipoteca desses casos.
Para a Caixa, a operação envolve apenas a troca de garantias. Hipotecas liberadas em razão da entrega de saldo do FCVS de contratos futuros (como apontado acima, que ainda iam vencer). Mas a Cohab “trucou” nesta ação, cobrando que a Caixa apresente o documento assinado do que alega!
5) Mas, veja bem, é muito imbróglio para descrever, então, miremos no ponto final, entre vários itens essenciais ao desfecho da maior dívida de Bauru: deixar de fora a resolução do acordo de 2003 pode custar milhões a mais para Bauru. Mas se a Cohab tiver a certeza, firme, de que a tal medida de 2014 não tem amparo em documentos, pela Caixa, pode (e deve) por à mesa, com clareza, que a Caixa Federal reveja esta situação porque isso representa R$ 643 milhões sobre a dívida total de R$ 1,7 bilhão que ela cobra de Bauru.
6) Ah! a tal Resolução 809 é quem define o que a Caixa pode ceder na negociação. É regra nacional. E a Caixa não vai (e nem pode) mover um milímetro fora disso. Porque seria ilegal e a faria ser chamada a fazer o mesmo para todo o País! Portanto, o acordo corre contra o tempo (pela mudança de juros explicada acima) e, enquanto a Resolução 809 estiver valendo, Bauru terá direito à redução de 46% na dívida (exclusão da taxa de impontualidade), restando começar a passar a pagar a dívida estancando sua evolução milionária, em 240 meses.
Pulo do gato: com todas as amarras da legislação nacional, a confissão da Cohab nos governos anteriores perante a dívida, a lei municipal de 1993 (governo Tidei de Lima) que confessa o Município como devedor junto à Caixa, a execução seguida de bloqueios de receitas da Cohab que asfixiam sua existência, mês a mês, o Município terá de ser habilidoso em negociar com o banco federal, em Brasília, o caso do acordo de 2003 (2014) e, necessária e urgentemente, revisar a forma de correção do FCVS.
Como assim? O Fundo de Compensação da Variação Salarial (FCVS) é um valor embutido nas parcelas dos mutuários da Cohab para quase todos os 96 contratos. Até o Plano Real, em 1994, ele fez sentido para a situação da época para que em inflação galopante o mutuário não tivesse sua parcela reajustada acima de 30% do ganho mensal.
Bauru tem centenas de Milhões do FCVS acumulados. É preciso revisar junto a Caixa a forma de correção do acumulado do FCVS. A rigor, não seria justo imaginar que a Caixa possa aplicar índices de correção do que devemos para o FGTS diferente da atualização do que a Cohab tem neste fundo…
Ou seja, tão importante quanto aproveitar a mesa aberta pela Caixa para revisar a evolução da dívida, a partir de 1991, é colocar em questão se a correção do FCVS é justa, equânime. Algumas cidades discutiram este ponto no Judiciário. Se é para clarear tudo, para a maior dívida da história de Bauru, faz sentido pensar que a boa vontade à negociação pela Caixa inclua revisar a correção do FCVS. Certo? E isso terá de ser feito contra o tempo… Detalhe: o mesmo raciocínio vale para a dívida com o seguro habitação, que passa de R$ 125 milhões mas sobre o qual temos uns R$ 90 milhões de abatimento (revisar a correção).
Desejamos sorte e luz aos interlocutores de Bauru em Brasília! Não há como fugir da necessidade do acordo.
Ah! Este tema é complexo, técnico-jurídico-econômico. Esperamos contribuir com nossa missão de fazer reflexão responsável sobre nossa maior e crescente dívida.