Centro de Bauru: requalificação, regeneração e não revitalização

Por Adalberto da Silva Retto Jr

Quantas e quantas vezes usamos ou ouvimos alguns termos inadequados ou ambíguos para denominar transformações urbanas. É sempre útil conhecer um pouco mais de cada um deles. Neste momento eleitoral, por exemplo, o debate em torno da Estação Ferroviária de Bauru, por parte dos candidatos a prefeito da cidade, requer mais precisão, inclusive terminológica, pois existem os objetivos intermediários (do projeto) e os programáticos (entrelaçados em um plano estratégico de ação). Esses dois tipos de objetivos não devem ser confundidos ou sobrepostos.
É claro que entendemos o desejo da imprensa não especializada de usar sempre palavras mais fáceis e palatáveis ao público em geral; ou, ainda, brincar com termos que parecem simples sinônimos. No entanto, o uso impróprio desses termos achata e mascara a complexidade dessas questões sob um único denominador comum mais banal.
Algumas considerações terminológicas são necessárias, pois dar nome e sobrenome precisos a esses horizontes futuros, talvez, ajude a esclarecer o papel e o peso relativo deste ou de outro aspecto instrumental que envolve um plano efetivo para uma área central colapsada. Envolve muito mais que o restauro de um único objeto arquitetônico e sua mudança de uso; por isso, o termo “revitalização” é impróprio, pois no Centro há vida, mesmo que alguns prefiram expulsá-las por jatos de águas e outras formas perversas de práticas entendidas como sanitárias, as quais, em certa medida, embasaram legislações hoje reprováveis.
O uso do prefixo re-, significa que anteriormente havia certo equilíbrio que, hoje, se perdeu, seja devido a uma crise interna no microssistema ou a um impulso externo mais importante que se limita a efeitos locais particulares, embora devastadores. Por conseguinte, em primeiro lugar, é importante avaliar quais são os fatores externos da crise de equilíbrio da área em questão. Seriam fatores mais  socioeconômicos, mais ambientais? Não esqueçamos que a área onde o edifício em questão está implantado, a estação, é área inundável, com registros anteriores de cerca de um metro de água. Não esqueçamos também que o referido edifício faz parte de uma extensa área tombada pelo  Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico  – Condephaat.
No caso da relação espaço-sociedade-ambiente, sobre a qual se constroem as formas urbanas a serem repensadas e preenchidas de conteúdos (reprogramadas), este é o primeiro aspecto geral a ser esclarecido: o que perturbou o equilíbrio outrora existente, quais fatores e sujeitos o impediram ou subvalorizaram e, finalmente, quais forças atuaram e como para a perda desse equilíbrio.
Enquanto na relativa complexidade urbana, existir, em última análise, uma espécie de “Mão Invisível” casual para corrigir certos desequilíbrios, no caso da baixa densidade de uma região central é melhor refletir, antes de confundir requalificação, regeneração, revitalização, apenas com reconstrução de edifícios e técnicas variadas de planejamento urbano que introduzam novas funções.

Ocupação Centro mapa
Ocupação do Centro: recorte

Diante das muitas pesquisas sobre a área em questão, a terminologia mais adequada é, sem dúvida, regeneração. Talvez não seja coincidência que, por exemplo, entre o final da década de 1970 e o início da década de 1980, os “Manuais de Regeneração Urbana” publicados pelas agências governamentais britânicas quando os primeiros programas foram lançados, se debruçassem tanto sobre as diversas cadeias de abastecimento e de interação ao longo das quais essa regeneração deveria operar e se desenvolver, a saber: econômica, a social, produtiva, serviços e, claro, investimento em infraestruturas, transformações e restauro de edifícios. Este último, vale ressaltar, poderia certamente ter um peso preponderante nos investimentos financeiros, por razões óbvias, mas não por isso qualificava de per se os objetivos.
Muitas vezes, acredita-se que a famosa “densificação” de um manual de engenharia possa representar a varinha mágica da solução. Talvez até o fosse para as contas bancárias daqueles que criam esse valor imobiliário fictício; certamente não para a comunidade que deveria dar-lhe sentido. Porque não era a baixa densidade em si que estava em crise, e talvez nem mesmo o sistema de fluxo, mas apenas alguns aspectos claramente identificáveis como a paulatina saída da habitação da região central. Por exemplo, a segregação e/ou impermeabilidade dos tecidos da área central —intervenção que, por sua vez, afeta as formas de locomoção—, enrijece essa área a um modelo pouco adequado para algumas atividades. Por vezes, este tipo de raciocínio consegue, idealmente, desviar o investimento e as expectativas para outros aspectos que não apenas novos edifícios (ou infraestruturas muito caras), talvez mantendo intactos muitos potenciais sociais, permitindo-lhes expressar-se de forma diferente, know-how – individual e coletivo que, normalmente, seria disperso no caso de reconstrução ou remodelação radical, como a normalmente procurada pelo mercado, que tem o hábito de ser quase sempre apenas um mercado imobiliário.
Dessa consciência pode derivar pelo menos um objetivo geral e algumas ferramentas para um plano preliminar. Hoje, as áreas de baixa densidade, como por exemplo o Centro de Bauru em questão, e o de algumas cidades médias, para não falar das metrópoles, são frequentemente objeto desse repensar requalificante, regenerador e revitalizante, a partir de métodos adequados  para delinear possíveis novos equilíbrios.  Isto é, não se pode criar uma confusão entre meios e fins (transformação espacial sem atenção especial ao conteúdo socioeconômico-ambiental), deixando todo o resto ao acaso.
Do ponto de vista do patrimônio, o “abandonado” é emblema de uma desertificação produtiva que teve, como resultado, profundas lacerações no tecido social e no econômico quando se analisa o pátio ferroviário de Bauru. Basta pensar no impacto do encerramento do sistema ferroviário sobre emprego e renda de determinadas famílias. Esse processo, ao mesmo tempo, de degradação urbana e territorial, deixando sinais de uma paisagem que a identidade do território se deteriora e se “consome”.

Sobretudo, e quase paradoxalmente, isso se verifica quando a área em abandono coloca-se no projeto da cidade contemporânea, como recurso para o sistema econômico regional e pode, de fato, tornar-se um espaço redesenhado para novas atividades produtivas, em torno das quais o território pode apostar em um futuro diferente. Vista a partir dessa perspectiva proativa, a área em desuso é, em certo sentido, símbolo de transformação e regeneração do espaço urbano incentivando o enxerto de outras atividades, com maior conteúdo de inovação e qualidade de produção. Essa perspectiva pressupõe que, em torno do trabalho de recuperação da área desocupada, o território repense seu próprio modelo de desenvolvimento, identificando potencialidades e vocações para sustentar o crescimento com um adequado plano de ação”. (RETTO JR., 2016)
Então, a chave do problema reside na qualidade do desenho da “cidade pública”, que passa pela valorização do existente, mas também por um projeto de um novo conceito de cidade a perseguir: uma cidade integrada, relacional, inclusiva e acessível; uma cidade respeitadora da história, atenta à sua qualidade intrínseca.

Adalberto da Silva Retto Jr é professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), doutor pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e pelo Departamento de História da Arquitetura e Urbanismo do Instituto Universitário de Arquitetura de Veneza (2003) e professor-pesquisador visitante no Master Erasmus Mundus TPTI (Techiniques, Patrimoine, Territoire de l’Industrie: Histoire, Valorisation, Didactique) da Universitè Panthéon Sorbonne Paris I (2011-2013). Representante da Unesp no Condephaat Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de SP (2015 e 2016). Coordenador do Curso de especialização lato sensu em Planejamento Urbano e Políticas Públicas: Urbanismo, Paisagem, Território – PlanUPP.

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