Por José Paulo Nardone
Do Homo Sapiens ao Homo Urbes, o ser humano evoluiu a partir das relações sociais mantidas em aglomerações urbanas denominadas cidades. Eis o lócus onde a vida acontece e onde as relações sociais se realizam, o cenário de construção social da vida humana.
No Brasil, segundo dados recentemente divulgados pelo IBGE a partir do Censo 2022, cerca de 124 milhões de pessoas ou 61% da nossa população, reside em áreas urbanas. São 90 milhões de domicílios no nosso país, em média abrigando 2,8 pessoas cada um.
Se o sistema jurídico vigente entre nós define como finalidade da existência do Estado, assegurar vida digna aos seus cidadãos e estes se encontram em sua maioria vivendo nas cidades, não é difícil entender que o Direito à Cidade acaba por se consubstanciar num direito coletivo dos seus residentes a usufruir de um espaço de coexistência e integração que seja facilitador do exercício de outros direitos, como o direito à moradia, à facilidade de deslocamento, à acessibilidade aos serviços públicos, entre outros.
Em que pese tal propósito, a realidade nos indica um caminho bastante diferente, pois as pessoas são maltratadas nas cidades, as quais se colocam como palco de disputa por espaços cada vez mais limitados, pela falta de moradias dignas, por obstáculos à mobilidade, pela poluição, ruídos, insuficiência de opções de recreação e lazer, enfim, um conjunto amplo e diversificado de barreiras a uma vivência e convivência com mínima condição de dignidade humana. Enfim, a negação de direitos é o que predomina.
Este quadro aflige especialmente os mais vulneráveis, justamente aqueles mais dependentes dos serviços públicos e da atuação do estado. Dentre eles, segundo dados do último censo do IBGE, nada menos do que 24% da população brasileira é acometida de alguma modalidade de deficiência, seja auditiva, visual, motora, mental ou intelectual. Isso representa quase cinquenta milhões de pessoas.
Nossas cidades não oferecem suficientes facilidades aos seus moradores de forma geral, quanto mais no que se refere à inclusão, pois o que dizer do que se disponibiliza àqueles mais pobres ou com dificuldades e carências específicas?
A necessidade de uma urgente reorganização do espaço público nas cidades é gritante e para que isto se concretize na velocidade e profundidade necessárias, a tecnologia se apresenta como indispensável aliada.
Não nos esqueçamos que estamos vivenciando o auge da quarta revolução industrial, caracterizada pela inovação tecnológica, que traz consigo novos conceitos e entendimentos, como o “Capitalismo Informacional”, no qual a flexibilidade e a inovação são características fundamentais e a inteligência se apresenta como o principal componente. Neste recorte da história, não nos enganemos, exclusão digital representa a exclusão social de forma concreta.
Temos aqui uma janela de oportunidades para nos apropriarmos da tecnologia como mediadora de avanços na oferta de serviços públicos aos moradores das cidades, configurando uma cidade do futuro que proporcione serviços eficientes, maior qualidade de vida, sustentabilidade, uma governança participativa envolvendo especialmente as políticas urbanas, enfim, que a tecnologia lance mão de instrumentos que possibilitem essa evolução.
A inclusão do adjetivo “inteligente”, implica que nossas cidades invistam na geração e captação de uma plataforma de dados, seu processamento e análises preditivas, gerando informações que permitam a criação de soluções que reflitam em desenvolvimento, de forma integrada e sustentável.
Tudo devidamente regulamentado, alinhando avanço tecnológico e desenvolvimento econômico, social e ambiental, ressignificando uma visão anterior e passando a adotar as pessoas como componente central, sem perder de vista o objetivo de atendimento de suas necessidades materiais e existenciais, com igualdade na distribuição de benefícios, contribuindo para o atingimento da justiça social.
Ter o ser humano como elemento central significa, por exemplo, traçar como prioridade na mobilidade urbana, em primeiro lugar o pedestre, a seguir o ciclista, o usuário do transporte coletivo com a fixação de faixas exclusivas de ônibus e integração com trens e metrô, para somente no final da linha, chegarmos aos veículos particulares, talvez de maior interesse sob um ponto de vista exclusivamente econômico, enfoque que deve ser superado e ampliado.
Bons exemplos desta nova visão é o que não nos faltam. Na capital paulista, a Companhia de Engenharia de Tráfego-CET, firmou parceria com o aplicativo “Waze” para que, por meio do sistema de georreferenciamento dos smartphones dos seus usuários, agilizasse o acionamento dos agentes para reparar semáforos, desbloquear o trânsito e facilitar o escoamento de veículos, fazendo uso da “inteligência coletiva”, aliada a recursos tecnológicos.
Em São Paulo também se destacam as iniciativas do “Wifi Livre SP”, sistema “SP156” e o bilhete único pago por pix, entre outros.
Em Curitiba, evidencia-se o investimento em frota de ônibus híbridos; no desenvolvimento de aplicativo da saúde facilitador do agendamento clínico e odontológico “on line”, bem como no app “Curitiba 156” para solicitações de coleta de entulho, manutenção de ruas e calçadas; além da consulta de itinerários, horários e localização de ônibus em tempo real.
Outras iniciativas que se espalham por diferentes localidades, especialmente a partir da conexão de dispositivos e sensores em postes de iluminação pública para ajustar automaticamente a intensidade da luz com base na presença de pessoas e nas condições climáticas.
Sensores em vagas de estacionamento para informar a sua disponibilidade em tempo real, bem como em contêineres para informação aos serviços de coleta quando estão cheios, otimizando rotas de coleta e reduzindo tempo de espera.
Investimentos em inteligência artificial, a IA, com utilização de algoritmos para analisar grandes quantidades de dados e melhorar a tomada de decisão dos gestores, de forma mais rápida e precisa.
A priorização em adotar fontes de energia limpa, como a solar ou a eólica, reduzindo custos e a emissão de gases de efeito estufa.
Na mobilidade urbana a adoção de soluções de transportes mais sustentáveis, as “bikes compartilhadas”, carros elétricos e transporte público inteligente e integrado, menos poluente e custoso, além de mais eficiente.
Essa cidade digital, conectada e sustentável é o que deverá ser o objetivo dos futuros governantes municipais, inclusive aqueles a serem eleitos no próximo processo eleitoral, iniciando ou dando continuidade a este processo de construção permanente de espaços adequados ao desenvolvimento humano.
Basta das “cidades excludentes”, onde os direitos dos cidadãos não são atendidos.
Caminhemos para as “smart cities”, as cidades inteligentes, onde a tecnologia seja colocada a serviço das pessoas, facilitando e melhorando indistintamente a vida de todos, entregando os meios necessários à concretização dos projetos de vida dos seus moradores, sob um contexto de coesão social e cidadania, numa concepção não apenas de democracia representativa, mas substancialmente participativa, proporcionada por instrumentos tecnológicos facilitadores, de maneira efetiva e inteligente
*José Paulo Nardone é Diretor-Técnico da Unidade Regional do TCESP em Bauru (UR-2), Mestre em Direito do Estado e Professor Universitário.
Excelentes considerações e informações fundamentais para não só refletirmos nas eleições municipais que se aproximam.
Triste constatação Bauru importante referência do estado, perdendo sua identidade, não manter a concessão das vias férreas para um viável e econômico transporte urbano e/ou de atração turística fomentando toda a cadeia produtiva de bens e serviços da região, trazendo de volta mais empresas e investidores e, a fim de promover também o nosso Índice de Desenvolvimento Humano.
Excelente matéria!!