Desvendamos a maior concessão da história avaliada em R$ 4,8 bilhões e a conta salgada do lixo 

O governo tem de apresentar o estudo da PPP do lixo. Nele estão os custos por tipo de serviço do contrato bilionário. Veja por que criar tarifa vinculada a conta de água torna o concessão ainda mais salgada

Suéllen Rosim, Renato Purini, Cilene Boderzan, Leodir Ribeiro e Gislaine Magrini no anúncio do plano de R$ 4,8 bilhões para limpeza pública (divulgação)

Bauru discute o maior contrato público de sua história, com projeto de lei (PL) da prefeita Suéllen Rosim enviado à Câmara Municipal com pedido de autorização para conceder a uma concessionária os serviços da limpeza pública, por 30 anos. O custo da tarifa de lixo e serviços de limpeza apresentado pela secretária do Meio Ambiente e da Causa Animal, Cilene Chabuh Bordezan, é de R$ 119 milhões mensais. Mas a conta supera esta cifra. Revelamos aqui pra você como vai pesar bem mais para o bolso do consumidor. E, com isso, a concessão vai facilmente ultrapassar a cifra de R$ 4,8 bilhões.

O projeto apresentado pelo governo após atualização contratada junto a Fundação do Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) não está encartado no PL. Assim,  para entender a dimensão da proposta é preciso apontar as obrigações que o governo Suéllen quer transferir para a iniciativa privada em aquisições de equipamentos e instalações, chamado de Capex em uma concessão, e os custos de operação (Opex).
Em entrevista, Cilene Bordezan conta que a estrutura de serviços em Bauru tem como parâmetro Curitiba (PR). “No início do ano conheci a prefeita em Curitiba (PR), onde fomos conhecer a forma como realizam os serviços de limpeza pública. Eu trabalhava com o secretário de Habitação e Urbanismo de São Paulo, Marcelo Branco. Ela conversou com o secretário sobre a implementação da concessão em Bauru. Eu atuava no programa Integraliza SP. E o objetivo era inserir o programa em outras cidades do Estado… Disso surgiu o convite para que eu viesse para cá para implementar o projeto. Ai eu aceitei. Só que eu já tinha feito os cadernos”, conta. A secretária conta que a Fipe foi contratada para a validação do projeto. “Levantei os dados de Bauru e encaminhei com os cadernos jurídico, operacional e da estrutura que eu fiz no Estado. A Fipe atualizou e fez a validação”, conclui.

Conforme a secretária, a Parceria Público Privada (PPP) de Bauru traz R$ 500 milhões de Capex em etapas do contrato. “No primeiro ano, o concessionário tem de operar com a frota de caminhões zero quilômetro, realizar as instalações dos primeiros containers de lixo, modernizar o sistema de triagem dos recicláveis e equipamentos do transbordo em área do atual Aterro desativado e investir em compostagem (massa verde) e em serviços mecanizados de varrição, cata-galho e limpeza de bueiros por sucção. Isso representa R$ 80 milhões”, revela.
Entre o segundo e o quarto ano do contrato, deve ser iniciado e concluído o estudo da usina de lixo, com a tecnologia aprovada na concessão. “O cronograma exige que a usina de tratamento final do lixo esteja operando até o segundo semestre do quarto ano de contrato. “A concessionária tem de entregar as licenças de instalação e operação dessas obrigações e as Cooperativas de Recicláveis passam a operar na área de Transbordo, nas suas sedes e nos Ecopontos, que de 9 serão 16. No estudo, prevemos investimento de R$ 100 milhões para uma usina com capacidade de 450 toneladas/dia. Bauru terá 50% da cidade com containers em até 25 anos e o contrato exige tratar ao menos 40% do lixo coletado na usina”, amplia Bordezan.

OPERAÇÃO
As obrigações em instalações e equipamentos da PPP, assim, somam R$ 500 milhões. O projeto montado por Bordezan projeta custo de operação de R$ 119 milhões por ano. Isso implica em R$ 3,6 bilhões em 30 anos de contrato. O edital, segundo a secretária, permite que o termo seja prorrogado. “Para pagar a concessionária nós temos R$ 90 milhões vindos da tarifa do lixo e R$ 29 milhões do orçamento municipal anual, para os serviços que são indivisíveis (varrição, limpeza de bueiro, cata-galho). Eu levantei todos os custos atuais nos cadernos do projeto e projetei os valores com atualização. O preço prevê correção pelo IPCA. A despesa com diesel (combustível) é o que mais pesa”, cita Cilene.
Ou seja, a PPP do lixo e serviços de limpeza pública proposta pela gestão Suéllen tem R$ 500 milhões em investimentos e R$ 3,6 bilhões de custos dos serviços a serem pagos a um concessionário. O restante compõe taxa de retorno do investidor (TIR) e despesas acessórias. Aqui, destacamos, também é essencial discutir regras contratuais de divisão de novas receitas. A concessionária poderá vender serviços para outros municípios e também subprodutos do resíduo (gás).

Ainda sobre custos, o programa requer o pagamento pela contratação de uma Agência Reguladora. A secretária aposta na Agência com sede em Araraquara. A contratada é quem vai atestar se o concessionário cumpre o contrato, todo mês. O Departamento de Água e Esgoto (DAE) também vai cobrar pelo serviço de inclusão e recebimento da receita do lixo, cuja tarifa será inserida na conta mensal.
Para lembrar, com isso o governo Suéllen transforma o DAE no arrecadador das concessões. O edital da concessão de esgoto e drenagem também vincula a cobrança na conta do DAE (embora sobre outro formato – leia abaixo).
A Fipe também tem de ser paga pela “validação do estudo do lixo”, conforme a secretária. “A Prefeitura está pagando em parcelas o total de R$ 240 mil. E a concessionária que vencer o edital terá de pagar R$ 430 mil. É cláusula de êxito na concessão”, conta.

A secretária Cilene Bordezan fez o estudo da concessão do lixo de Bauru

Concessão do esgoto deixa tarifa do lixo ainda mais cara

Além de entregar o estudo completo da concessão do lixo e de serviços de limpeza pública, o governo Suéllen Rosim tem a obrigação de explicar a composição dos custos de cada serviço distribuído no programa. Entre os obstáculos principais, revelamos que a vinculação da cobrança da tarifa de lixo ao consumo de água torna a conta final mais salgada para o bauruense.
Para entender essa dinâmica – não explicada pelo governo municipal na apresentação inicial da proposta de PPP aos vereadores e imprensa – é preciso resgatar o formato da outra concessão em andamento, a do esgoto e drenagem. Neste projeto, suspenso pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) em sua terceira edição de edital, o governo municipal não vincula o custo dos serviços ao consumo medido pelo DAE.
E aqui está o ‘pulo do gato’ do aumento de custo da concessão do lixo. E um de seus maiores desafios. Na concessão do esgoto, o Município estabelece no edital que a concessionária será remunerada em até 90% como tarifa de esgoto. Hoje cada bauruense, comércio ou indústria, já paga 65% dessa tarifa, sendo 5% para o Fundo de Esgoto. Pela proposta da concessão de esgoto, não há vinculação com a água. O concessionário que vencer o edital receberá pelo valor em Reais. Isso, ao menos, é o que foi apresentado pelo governo.
Já na PPP do lixo, o projeto defendido pela secretária está atrelado ao metro cúbico de água consumido todo mês. Quem consome mais, paga mais. O governo também tem de explicar como ficam imóveis fechados na cobrança, entre outras dúvidas. Quem tem piscina, jardinagem ou usa àgua como matéria prima principal (fazer gelo, em irrigação), pagará como o lixo?

Observação: Grandes Geradores vão continuar a pagar pelo serviço em separado, conforme lei municipal.
Veja a seguir como ficaria a conta. Na reunião da Comissão de Justiça, desta semana, na Câmara Municipal, isso também não foi discutido, ou perguntado pelos vereadores.

TARIFA
Segundo Cilene Bordezan, o estudo de viabilidade técnica e econômica da PPP do lixo e limpeza pública (chamado de EVTE) estabelece que a cobertura dos serviços de coleta e destino final dos resíduos, com tratamento em usina, exige a criação de tarifa com valor ‘equivalente’ a 40% do consumo mensal dos consumidores residenciais em Bauru. “Este é o valor de referência do estudo. Algumas faixas pagam um pouco mais ou menos, de acordo com o estudo. Para uma conta do DAE com valor atual total de R$ 100,00, entre água (R$ 60,00) e esgoto (R$ 40,00), o custo de referência para a tarifa do lixo é de 40% do valor pago na água. Cada consumidor paga de acordo com seu consumo mensal de água, em metros cúbicos“, explica.
Ou seja, o bauruense seria chamado a pagar como tarifa de lixo o equivalente a R$ 24,00 para o exemplo citado pela secretária. Mas na verdade essa referência vale para o valor total da conta. Cobrar por metro cúbico torna a nova despesa muito maior.

E tem mais.

Isso será cobrado em duas etapas. No início, sem usina de tratar o lixo, será cobrado 50% da tarifa por cada mil litro de àgua consumida. Mas com 100% do programa instalado, no quarto ano do contrato, a tarifa é cheia (100%).

Porém, o projeto tem outro cálculo que tem de ser realizado. E a fórmula por m3 torna muito mais pesada a conta. No início, o valor (teto) apresentado é de R$ 1,34 por metro cúbico de água consumida no mês. Mas esse custo passa a R$ 2,68 por metro cúbico na conta do DAE. O valor dobra!

Indagada sobre o fato da cobrança vincular consumo de água com produção de lixo, a secretária defende que “este é o modelo consolidado nos estudos implementados”. Pela fórmula, quem consome mais água vai pagar mais, mesmo que adquira educação ambiental e reduza a produção do lixo que ainda terá de ir para aterro, realizando a correta separação dos materiais.

Veja na tabela divulgada por Bordezan, em reunião na Câmara, que a tarifa de lixo ficaria em R$ 44,60 para quem consome 20 mil litros de àgua/mês.

Tarifa por faixa de consumo de àgua gera tarifa de lixo bem maior do que os 40% ditos pela secretária Bordezan

CONTA SALGADA
Mas não é só isso.
Conforme os dados do cadastro do DAE, mais de 60% dos consumidores residenciais em Bauru consomem na faixa de tarifa entre 15 e 25 metros cúbicos mensais de água. Ocorre que a vinculação da PPP do lixo com a água traz despesa ainda maior para o bolso do consumidor.

Isso porque é preciso destacar que a concessão do esgoto exige a troca de todos os hidrômetros logo no início do contrato. O edital do esgoto exige trocar mais de 100 mil novos equipamentos, logo de cara. E, de novo, a cada 5 anos. E o próprio DAE já atestou, nos bairros onde realizou a substituição dos equipamentos, que o volume de água faturado aumenta em pelo menos 30% com os novos equipamentos com mais de 10 anos de uso (a maioria absoluta em Bauru). Em bairros como Jd. Bela Vista e Mary Dota, a substituição do hidrômetro gerou aumento de faturamento no volume de água medido em até 36%, conforme revelado pela própria autarquia em audiência pública.
Assim, atrelar o custo de serviço de lixo com consumo de água vai pesar bem mais para o bauruense e, nessa fórmula, ampliar a rentabilidade do concessionário.

Assim, por fim: se a tarifa do lixo é por m3 de àgua consumida o aumento é exponencial! Seja pela tabela por faixas de consumo do DAE, seja pelo aumento de medição com a troca obrigatória de hidrômetros. 

Sem o estudo completo e minuta do edital e contratos não dá! Como o estudo chegou a tarifa de teto de R$ 2,68 por m3?

A alternativa para reduzir esta paulada é não atrelar o valor da tarifa de esgoto ao consumo de água. Ou seja, teria de ser pesado o lixo produzido por cada um! Mas isso complicaria a engenharia da PPP para o concessionário. Contudo, seria justo cada um pagar pela quantidade de lixo que consome e não pela quantidade de água que utiliza.

LEIA aqui outras reportagens da Série sobre Concessões:

O plano de concessões de R$ 9 bilhões de Suéllen

Prefeitura esconde dados. Tarifa do lixo dobra e preocupa vereadores

PPP inclui coleta de lixo e cria Emurb como empresa de trânsito em nova concessão

3 comentários em “Desvendamos a maior concessão da história avaliada em R$ 4,8 bilhões e a conta salgada do lixo ”

  1. Tudo isso é uma vergonha,em relação as residências,comércios,e prédios fechados que não produzem lixo,vai ser cobrado sem produzir lixo

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