Esta reportagem é repleta de detalhes sobre um contrato de 1999 que hoje está em mais de R$ 482 milhões! Convidamos você a conhecer cada um deles…
Bauru recebeu posição favorável de Brasília, via Banco do Brasil e Tesouro Nacional, para equacionar uma dívida de 30 anos cujo valor original, hoje, é mais de 12 vezes o valor inicial. Isso mesmo o município já tendo pago, em 21 anos do contrato de refinanciamento, mais de duas vezes a cifra. Próximo de completar 3 meses de gestão, a prefeita Suéllen Rosim (Patriota) pode escrever uma das principais ações políticas de seu mandato.
A negociação foi realizada pela prefeita em Brasília, para que a demanda fosse levada à Secretaria do Tesouro Nacional (STN), em sua segunda viagem recente. Detalhe: a agenda não foi divulgada. O governo local optou pela discrição na tentativa de buscar convencer a STN sobre a recomposição do refinanciamento das dívidas de Bauru com a União, a chamada dívida federalizada.
Registro – detalhe: logo após sua posse, em 4 de janeiro, o CONTRAPONTO disse a Suéllen Rosim e ao secretário dos Negócios Jurídicos, Gustavo Bugalho, que Bauru tinha de buscar o cumprimento (ainda que precário) de sentença do erro de cálculo da dívida do Viaduto. Uma pauta que representa mais de R$ 100 milhões em depósitos judiciais, cuja maior soma é incontroversa (em decisão já consolidada) em favor da Prefeitura. Publicamos a primeira parte da história nesta matéria de fevereiro passado, em: https://contraponto.digital/r-110-milhoes/
Suéllen foi a Brasília, discutir este processo. Mas levou junto a recomposição da dívida… cujo enredo precisa ser contado em partes:
Atualmente, conforme a Secretaria de Finanças, o contrato de confissão de dívida com a União representa absurdos R$ 482.725.799,65. O valor renegociado, em 30 anos, no final de 1999 durante a gestão Nilson Costa, foi de R$ 41.381.738,76. Até aqui, o Município já pagou mais de duas vezes este valor, se aproximando de R$ 100 milhões.
Detalhe: na recomposição em contrato com o Banco do Brasil, o valor seria atualizado para R$ 72.705.206,31, de acordo com o governo.
A GANGORRA
Qual a composição da dívida refinanciada em 1999? Foi composta do empréstimo realizado por Tidei de Lima (em 1996) junto ao então banco americano Chase Manhattan (atual J.P. Morgan) para fazer a não concluída alça do Viaduto sobre os trilhos, no Centro (hoje Nicola Avallone), na época de R$ 10 milhões.
Os R$ 41,1 milhões também incluíram entradas de dinheiro no caixa da Prefeitura, as Operações de Antecipação de Receita (chamadas de ARO) realizadas por Izzo Filho, na época junto aos bancos BMC e BMG. E, por fim, o refinanciamento também incluiu o saldo a ser pago de financiamento firmado por Izzo Filho para os Lotes Urbanizados (lá de 1991 e que nunca foram concluídos).
Como o contrato foi para R$ 482 milhões, mesmo a Prefeitura já pagando R$ 100 milhões? O contrato assinado com o Banco do Brasil, em 1999, tinha correção de 9% e juros pelo Índice Geral de Preços Disponibilidade Interna (IGP-DI). Ele é “medido” por bens de consumo e de produção, incluindo em sua cesta os da construção civil, por exemplo.
O problema é que a escalada do IGP-DI tem sido de salto triplo, contra um Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) bem mais próximo da realidade econômica, utilizado pela ampla maioria dos governos, para ajustar tarifas, impostos. O primeiro teve alta de 15,23%¨, nos últimos 12 meses. Isso contra 2,31% do IPCA no mesmo período, para se ter ideia.
Ou seja, tendo assinado um contrato corrigido por índice completamente acima da “realidade” de componentes como inflação, salário (etc), Bauru e as cidades amargaram, desde 1999, convivência parecida com aqueles contratos de habitação antigos: quanto mais prestações você paga, mais a dívida aumenta….!
Como a recomposição da dívida solicitada à União está sendo negociada a atuais R$ 72 milhões?
A negociação foi aberta pela via política. A prefeita conseguiu acesso, em Brasília, ao Banco do Brasil. O pedido foi que fosse aplicada a autorização estabelecida na lei de socorro financeiro a municípios e estados (como a LC 173/2020 – criada na pandemia).
A lei federal fixa que as dívidas com a União podem ser incorporadas ao saldo devedor, com a diluição do que não foi pago em 2020 (durante a pandemia) ao longo das parcelas restantes. Mas com um detalhe: a LC 173/2020 fixou o IPCA como fator de recálculo. E com juros, agora, de 4% (e não os 9% do contrato de 1999).
É necessário apontar que nem todas as prefeituras buscaram este caminho em Brasília. Suéllen, acompanhada do secretário de Finanças, Éverton Basílio, levou os cálculos. Outro detalhe: o Banco do Brasil informou, na atualização utilizando o IGP-DI, quanto representa hoje o valor (completamente fora da realidade econômica há anos). Mas é o que está no contrato.
E também veio do Banco do Brasil a avaliação de que as legislações aprovadas na pandemia dão amparo para o IPCA. E com juros em menos da metade. Restaria demonstrar à União, que ouve o Tesouro Nacional, que fazer a recomposição é caminho legal.
Por isto é que, em caráter de urgência, a prefeita está enviando nesta semana projeto de lei ao Legislativo pedindo autorização para a recomposição da dívida com a União. O Executivo aguardou a posição do Banco do Brasil.
Com a recomposição, as parcelas da dívida a serem pagas até 2030 (igual ao contrato original) saem de R$ 1,9 milhão, para R$ 734 mil.
O Jurídico da Prefeitura atua no processo há anos. O então procurador (aposentado) Antonio Carlos Martinez dedicou longo período a tentar convencer o Tribunal Regional Federal (TRF 4) a liberar depósitos judiciais favoráveis ao Municípios (pelo erro de cálculo da dívida – ação popular). (leia link da matéria no início desta reportagem). Atualmente, a procuradora Fátima Bernardes assumiu o processo e fez reuniões com a prefeita para buscar o desfecho.
+ DESCOBERTA
Mas esta gangorra milionária tem outra surpresa, descoberta pelo CONTRAPONTO. E inusitada!
Bauru conseguiu, até dezembro de 2020, pagar em torno de R$ 550 mil pelas parcelas. Mas estava errado! O Banco do Brasil verificou que o valor foi “congelado”, sem razão, desde a liminar obtida pelo Município, ainda em 2016 (quando questionou os juros e correção).
Detalhe: a liminar foi precária, com duração de apenas 60 dias, lá em 2016. Mas até então, o BB surpreendentemente não se deu conta da ausência do retorno da correção e juros originais às parcelas.
Beneficiado pela situação, durante todo esse tempo, o fato é que o Município agora recebeu “boleto” atualizado com o valor de R$ 1,95 milhão das parcelas de janeiro e fevereiro. E teve de pagar. Isso representa um “buraco” no já apertado Orçamento de 2021 que totaliza R$ 23,4 milhões contra R$ 8,8 milhões. Uma diferença a ser “coberta” de R$ 14,6 milhões somente neste ano.
Pesquisa impecável. Negociações que trataram de valores oriundos de obras inacabadas em Bauru. Mais do que fantasmas no armário, são parasitas nos cofres, que sugam as verbas de Bauru. A redução nos valores das parcelas trazem alento.
Obrigado Olavo, pelo retorno e por acompanhar nosso CONTRAPONTO. Grande abc!
Acompanho o relator.