O projeto de lei (PL) que pede autorização para o Município realizar a concessão do tratamento de esgoto e drenagem da Nações Unidas vai para o Judiciário se passar pelo Legislativo como está. O governo municipal já havia sido alertado sobre a necessidade de modificar o texto do PL ainda em julho do ano passado. Mas “deixou rolar”. A prefeita Suéllen Rosim não “abre o jogo”. O governo quer a votação da proposta neste mês de fevereiro, mesmo que isso signifique trancar a pauta do Poder Legislativo. Contudo, somente agora a administração discute ajuste no projeto. A alteração ainda não chegou aos vereadores.
A Câmara faz a primeira sessão do ano nesta segunda-feira. Mas o projeto (sozinho na pauta) não será votado. Mas, afinal, quais são as razões (jurídicas, sobretudo) que pedem alteração no PL?
O pedido de autorização para conceder o tratamento de esgoto, com conclusão da ETE do Distrito Industrial e obras complementares (inclusive em abastecimento e drenagem), foi entregue pela prefeita no início de junho de 2023. Houve apresentação simplificada da proposta, pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) – contratada para realizar o estudo da viabilidade econômica, jurídica e técnica. Em uma audiência pública, com procuradores municipais, foi discutido que o texto do projeto vincula (sem necessidade) o uso de verbas já arrecadadas pelo Fundo Municipal de Tratamento de Esgoto (FMTE) para custear tanto os serviços de esgoto quando da drenagem (tubulações e piscinões na Nações Unidas).
O CONTRAPONTO, na ocasião, exerceu seu papel de debate público e apontou, com exclusividade, para a incongruência. A Procuradoria Jurídica do Município, no plenário da Câmara, admitiu que a redação gera possível obstáculo. O Ministério Público, por exemplo, apontou em mais de uma reunião durante o governo Gazzetta (na cobrança do término da ETE) que a arrecadação do Fundo tem de ser utilizada exclusivamente nas obras do tratamento de esgoto. Isso está claro na lei sobre o tema, inclusive.
O inusitado é que quem elaborou o PL gerou vinculação de verba sem necessidade. Está claro, faz tempo, que os estudos apontam que a construção da ETE do Distrito (prioridade zero de Bauru) exigiria em torno de R$ 225 milhões (valor sem correção, extraído do projeto). O Fundo já tem arrecadado mais de R$ 245 milhões. Passa de R$ 280 milhões, contando as reservas represadas na Secretaria de Finanças desde quando a obra parou, em setembro de 2023.
Há corrente no governo que argumenta que a arrecadação realizada não vai pagar despesas da drenagem. De fato, não precisaria. Até porque a drenagem terá, no início, instalação de monitoramento. Mas os piscinões e tubulações só seriam instaladas a partir do oitavo ano do programa.
Mas o texto da lei que está em andamento para “autorizar” a concessão, vincula. E não é só isto…
O governo discutiu enviar “emenda modificativa”, mas recuou sob o receio de que a oposição utilize o expediente para adiar por mais tempo a tramitação da proposta.
CENSURA
Mas não é somente este aspecto que indica ajuste no projeto. A demora sobre o conteúdo é da prefeita! O governo enviou em junho apenas um pedaço (1/3) do estudo. O projeto da Fipe foi completado somente no final do ano (2023). E, também por isso, uma lista longa de perguntas e dúvidas vieram…
Um dos pontos o CONTRAPONTO levantou na audiência da Comissão de Economia, já no final de 2023. Indagamos, sem resposta, quais serão as tarifas (no plural) e receitas acessórias, complementares, previstas no projeto de lei?. O governo (e alguns interessados) conheceram o EVTE (Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica) bem antes do final do ano. Mas o governo censurou o acesso! Passou por cima até da Lei Federal de Acesso a Informação,
Bom! A ausência de transparência (agora) mostra consequências. O governo Suéllen não tem interesse em discutir detalhes da proposta. Um erro! Público e político. A prefeita quer autorização “com contrato em branco” para um projeto de R$ 3,5 bilhões, por 60 anos.
AS TARIFAS
Apostando na divulgação de informações como tarifas (no plural) e fixação de custos através de agência reguladora após obter “autorização em branco”, o governo Suéllen não discutiu até aqui de que forma serão cumpridas as regras do novo marco de saneamento (lei federal 14.026/2020).
Mas os artigos 26 e 39 (lei 11.445 e de concessões) das leis federais do tema tratam da vedação de duplicidade de custos administrativos e da forma de cobrança de cada “tipo” de serviço ou obrigação a ser realizada. O governo, e a Fipe, apresentaram que todos os investimentos (capex) e os custos com a operação (capex) – serviços e manutenção das ETEs, redes e piscinões) – têm como valor “referencial” o máximo de 90% de tarifa de esgoto.
O advogado, consultor e especialista no segmento, Pedro Fiorelli atua junto a grandes investidores privados no setor. De Bauru, ele discutiu o texto do marco regulatório, em Brasília. “Não tem nenhum projeto no País que realize concessão de esgoto e drenagem juntos. Em geral, neste setor as concessões utilizam água e esgoto, por serem componentes de um mesmo núcleo. Bauru está optando por incluir drenagem, o que exige, na forma da lei, definição de tarifas ou formas de cobrança específicos”, aborda.
Ou seja, na avaliação do advogado, esgoto já tem tarifa estruturada, regime definido. Dela, aliás, a rigor é necessário se estabelecer o custo do m3 do esgoto tratado para a “conta da eventual concessão”. Mas, ao ser lançado edital, o programa terá de apresentar, claramente, a forma de cobrança do custo para a macro e microdrenagem inserida como obrigação para a Nações Unidas. E a drenagem inclui, ainda, piscinões. E sua manutenção.
“A 14.026/2020 também define a cobrança de cada elemento. No caso da drenagem será preciso estabelecer métrica, se todos pagam pela drenagem em uma determinada área, nível de renda, conforme a lei federsl 11.445.”, contribui Fiorelli.
Quais, afinal, são (ou serão) os critérios para se cobrar pelo serviço de manutenção dos piscinões?
Reforçamos: quais são as tarifas do projeto, sua composição? E as receitas complementares? Como a drenagem entra no “escopo” do tarifário?
O governo censura, dificulta o diálogo, escolhe com quem fala (e o que fala), mas a gente persegue a missão de levar conteúdo até você!
SAIBA MAIS
Já dissemos que não está aqui, em diálogo, o juízo de valor sobre a concessão. Mas o necessário apontamento de dados, informações. E dúvidas.
Todos têm o direito de saber, tudo, de forma clara, sobre a concessão e seus efeitos. E antes do eventual contrato bilionário.
Ah! Adiantamos aqui, também, que a concessão implica em mudar a forma de cobrança também da tarifa de água. Uma agência reguladora é quem vai aferir o custo do serviço. E com base nisso é determinado o valor. Leia os artigos sobre essa regra ao final. Isto estará determinado em contrato. Há sanções pelo descumprimento.
Outro ponto que você já sabe é que não procede o dito pelo governo de que a tarifa vai subir somente 15%. E deveriam ter vergonha de não prestar a informação real. As trocas de hidrômetros (necessárias) aumentam o consumo medido em bem mais de 20%. E quem mudar de faixa de consumo, obviamente, paga mais. O contrato prevê, claro, reajustes anuais. O governo aponta o IPCA como índice.
O DAE, em 2024, tem orçamento de R$ 204 milhões. Hoje, na prática, a autarquia compõe suas contas com o que arrecada com 100% de tarifa de água e 60% de tarifa de esgoto. Outros 5% são para o Fundo de Tratamento. Ou seja, na prática, o custo da àgua em Bauru é bancado pela soma das tarifas. Mas a despesa com serviços de esgoto é bem pequena. Nas contas de 2022, o valor efetivo utilizado pelo setor ficou em algo perto de R$ 5 milhões. Quase R$ 60 milhões na verdade bancam custos do abastecimento e não do esgoto.
Ao separar a tarifa de esgoto para bancar drenagem, nova ETA, adutora, redes, as 3 ETEs e etc… , a agência reguladora será chamada a repor a receita para o “DAE parar em pé”… Por que o governo (e o DAE) evitam esclarecer esses e outros pontos?
… …
Direito público, em matérias como concessão, como se vê, exige debate, informação, muito além de nossa arrogância, alienação ou qualquer outro fator não republicano que cerceie o debate…
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ARTIGO
29 DA LEI 14.026/2020
… “Os serviços públicos de saneamento básico terão a sustentabilidade econômico-financeira assegurada por meio de remuneração pela cobrança dos serviços, e, quando necessário, por outras formas adicionais, como subsídios ou subvenções, vedada a cobrança em duplicidade de custos administrativos ou gerenciais a serem pagos pelo usuário“…
Artigos 36 e 37 da lei 11.445
…”
Art. 36. A cobrança pela prestação do serviço público de drenagem e manejo de águas pluviais urbanas deve levar em conta, em cada lote urbano, os percentuais de impermeabilização e a existência de dispositivos de amortecimento ou de retenção de água de chuva, bem como poderá considerar:
I – o nível de renda da população da área atendida;
II – as características dos lotes urbanos e as áreas que podem ser neles edificadas.
Art. 37. Os reajustes de tarifas de serviços públicos de saneamento básico serão realizados observando-se o intervalo mínimo de 12 (doze) meses, de acordo com as normas legais, regulamentares e contratuais.
Art. 38. As revisões tarifárias compreenderão a reavaliação das condições da prestação dos serviços e das tarifas praticadas e poderão ser:
I – periódicas, objetivando a distribuição dos ganhos de produtividade com os usuários e a reavaliação das condições de mercado;
II – extraordinárias, quando se verificar a ocorrência de fatos não previstos no contrato, fora do controle do prestador dos serviços, que alterem o seu equilíbrio econômico-financeiro.
§ 1o As revisões tarifárias terão suas pautas definidas pelas respectivas entidades reguladoras, ouvidos os titulares, os usuários e os prestadores dos serviços.
§ 2o Poderão ser estabelecidos mecanismos tarifários de indução à eficiência, inclusive fatores de produtividade, assim como de antecipação de metas de expansão e qualidade dos serviços.
§ 3o Os fatores de produtividade poderão ser definidos com base em indicadores de outras empresas do setor.
§ 4o A entidade de regulação poderá autorizar o prestador de serviços a repassar aos usuários custos e encargos tributários não previstos originalmente e por ele não administrados, nos termos da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995.