O décimo livro de Márcio traz uma trama complexa que questiona
as estruturas tradicionais da narrativa e da própria literatura
O vínculo conflituoso com o pai falecido, as invasões de terras no Norte do país, os êxodos rurais e os juramentos de morte são alguns dos elementos usados por Márcio Blanco Cava para nos colocar, com Exame de sangue, entre a ficção e a própria busca da escrita literária, com toques de realismo fantástico e de suas referências literárias.
Em seu décimo romance, o escritor paulista subverte as estruturas narrativas e dialoga com o pensamento do crítico literário e escritor francês Jean Ricardou: “O romance não é mais a escrita de uma aventura, mas a aventura de uma escrita”.
Márcio leva essa ideia ao extremo e constrói uma trama, muitas vezes labiríntica, repleta de questionamentos, que vai sendo tecida pelo protagonista na medida em que adentramos sua história e a de Tulipa, única personagem nomeada no romance. “Embora toque em vários temas, muitos deles bem ligados à realidade de nosso país, penso que o foco principal do livro é justamente a desesperadora tentativa do protagonista de vencer a barreira que o separa da criação do próprio romance. Ele está o tempo todo refletindo e questionando sua escrita”, afirma o autor.
Mesmo quando ambienta seus livros em cidades fictícias ou pouco nomeadas, Márcio ancora seus romances em paisagens culturais reconhecíveis — sertão, periferia, cidades do interior, Brasil profundo, criando uma dialética entre o rural e o urbano, o popular e o erudito.
Em obras anteriores, como Cidade das estátuas (2022) e Delação (2019), o autor mostra seu interesse por narrativas em que o passado — especialmente o da ditadura
militar e o da traição — retorna como espectro. Em Exame de Sangue, esse retorno se torna ainda mais íntimo, inscrito não apenas na história coletiva, mas em referências
autobiográficas, apontando para uma narrativa de identidade, paternidade, culpa herdada.
Referências literárias
Durante o desenrolar da trama, Márcio insere em Exame de sangue muitas de suas referências literárias, como num jogo de esconde-esconde com o leitor, que passa por alusões a textos de diversos escritores: Machado de Assis, Lima Barreto, Clarice Lispector, Julio Cortázar, Conceição Evaristo, Juan Rulfo, Cristovão Tezza, João Guimarães Rosa são reverenciados sutilmente em passagens do livro.
Em certo momento o protagonista descreve: “Levei quarenta minutos a pé até o cemitério. Escalei o muro, a noite estava escura e bem fria. Entrei esquecido de que a nossa humanidade já não sabe ler nos astros os destinos e os acontecimentos.”, numa referência ao livro Recordações do escrivão Isaias Caminha, de Lima Barreto – “…esquecido de que a nossa humanidade já não sabe ler nos astros os destinos e os acontecimentos”.
Mais adiante, temos uma referência ao livro Histórias de Cronópios e de famas, de Julio Cortázar, num texto que relata a invenção de um vidro que deixava passar as moscas.
“O vidro estava fechado, mas bem diante dos meus olhos uma mosca o atravessou, zunindo sobre o velório. Imaginei outra vez que tudo fosse loucura”, escreve Márcio.
Escrito em primeira pessoa, o livro mantém o leitor atento todo o tempo, sempre entre as possibilidades de um final feliz ou de uma grande tragédia, transformando-se em uma verdadeira celebração ao romance ou, mais diretamente, uma declaração de amor ao gênero. A certa altura, o protagonista ouve de sua parceira, Tulipa: “um romance é como a própria vida, não sobrevive se não for sustentado pela verdade, um
romance é mais verdadeiro do que qualquer documento, e disso não podemos fugir jamais”. Assim é. A partir do instante em que o leitor começa a ler Exame de sangue,
dele não poderá fugir.
O LANÇAMENTO
Durante o lançamento haverá um bate-papo com o autor e a escritora e jornalista Nane de Sousa.
Dia 9 de setembro, 19h30
Espaço Coletivo Vila
Rua Antonio Alves, 16-15
Centro – Bauru – SP
O AUTOR
Márcio Blanco Cava nasceu em Lagoa Seca, bairro rural de Cafelândia, no interior de São Paulo. É jornalista e escritor. Atuou como repórter, editor e diretor de redação em diversos veículos e mídias. Dedica-se à literatura desde 2002, quando lançou seu primeiro romance, Parabala. A partir de então, publicou Desrumo (2010), Pater (2012), Na pele dos meninos (2014), Estado Bruto (2017) e Delação (2019), além dos ebooks
Pretinha cheia de si (2020) e o juvenil Falar de fantasmas (2024). Pela Mireveja, lançou, em 2022, Cidade das estátuas. Exame de sangue é seu décimo livro.