FERROVIAS DE PAPEL – Bauru fica de fora e investimentos anunciados pelo governo em quase R$ 50 bilhões correm risco de não sair

Governo federal mudou a lei para permitir autorizações, sem leilão, e empresas não têm capital para os bilhões de Reais envolvidos

Não será desta vez que os trilhos da ferrovia vão gerar investimentos na histórica malha ferroviária que corta Bauru. Como revelado pelo CONTRAPONTO, o processo comandado por Augusto Nardes, ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) permite a prorrogação por 30 anos do atual contrato onde está inserido a malha que corta a cidade. Mas a prorrogação, de 2028 até 2058, terá apenas um viaduto e correções pontuais na malha local.

O ministro Augusto Nardes esteve em Bauru, em vistoria com técnicos do TCU em 2020, tendo sido recebido pelo ex-prefeito Clodoaldo Gazzetta, sem alarde. Em segredo, na verdade. Na ocasião, o CONTRAPONTO revelou que o procedimento para prorrogação do contrato com a Rumo (concessionária) – que ainda vencerá em 2028 – não garantia investimentos fundamentais para a recuperação e uso em escala da malha na cidade. O trecho a partir de Ribeirão Preto (acima) é que surgiu atrativo aos investidores.

Dos 16 pontos (de correção e relativos a passagem de trilhos nos trechos urbanos) apenas 1 foi atendido na prorrogação do contrato onde está inserido Bauru. Conforme apuramos, a prorrogação incluiu poucas intervenções na Malha Paulista, como o Viaduto que interliga o Distrito Industrial I com o Jardim Chapadão, pelo valor de R$ 4,8 milhões. O contrato foi assinado em  27/05/2020 entre a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e a concessionária Rumo.

Mas a nova contratação firmada entre a União e a concessionária prejudica, em muito, os interesses de Bauru e região no futuro da operação ferroviária. A prorrogação (incomum no setor) válida de 2028 a 2058 foi discutida sob os argumentos de gerar garantia para suportar aumento significativo do tráfego de cargas e investimentos para dar respaldo à utilização do modal nesse período.

Adiantamos aqui, com exclusividade, ontem, que o Tribunal de Contas da União (TCU) rejeitou representação com apontamentos de quatro eventuais irregularidades no processo (leia na matéria completa, no link abaixo). O ministro do TCU Augusto Nardes julgou que as denúncias não tinham procedência.

OBRAS NA REGIÃO

A decisão do TCU retirou a possibilidade de inclusão das 16 obras solicitadas por Bauru, a maioria passagens de nível e ajustes no trecho. O mesmo prejuízo será extensivo a outras cidades da região.

O TCU rejeitou denúncia que questionou a retirada de R$ 2,6 bilhões para obras exatamente para mitigar conflitos urbanos. O valor ficou como outorga (cobrança) para o caixa da União. Os conflitos urbanos foram listados pelo TCU ao valor reduzido de R$ 673 milhões.

Solicitamos tanto à ANTT quanto ao TCU o detalhamento das obras de manutenção e ajustes aprovados como “conflitos urbanos”, com valor e descrição. Veja as únicas obras incluídas no programa:

BAURU

Viaduto Ferroviário na Rua Waldemar Pereira da Silveira, altura do km ferroviário 334,500, no prazo de 3 anos para conclusão da obra, que contará com calçada e iluminação, com investimento de R$ 4.828.759,77. O viaduto liga o Distrito I ao Jad. Chapadão, do lado da ponte Ayrton Senna.

Dois Córregos

Ampliação da Passagem Inferior na Av. Fernando Costa / Av. Marília, no km ferroviário 252,500, com prazo de 3 anos para conclusão, e terá ainda como obra acessória a revitalização do calçamento e iluminação dos trechos de vias urbanas na área onde a obra será ampliada, com investimento de R$ 6.457.130,42.

Ainda em Dois Córregos, será construído Viaduto Ferroviário na Estrada Municipal / Rua XV de Novembro, no km ferroviário 255,187, no prazo de 3 anos, com iluminação, onde serão investido R$ 2.983.868,19, e contará ainda com a implantação de segmentos rodoviários pavimentados, entrada/saída, para acesso ao Viaduto Rodoviário.

Jaú

O município receberá Passagens Inferiores naAv. Francisco Canhos, no km ferroviário 276,481, no prazo de 3 anos, que contará com calçada e iluminação, sendo investidos R$ 4.916.960,28.

E também na Rua Edgar Galvão de França / Rua Dr. Gazi Amin Chahur, no km ferroviário 274,601, também no prazo de 3 anos, com calcada e iluminação, tendo como obra acessória a revitalização e calçamento dos trechos de vias urbanas na área onde será executada a obra, com investimento de R$ 2.563.693,25.

Pederneiras

Construção doNovo Viaduto Ferroviário devido à expansão da via rodoviária naRua Jesus Escalassara, no km ferroviário 303,249, no prazo de 3 anos, que contará com calçada e iluminação, tendo como obra acessória a demolição do pontilhão existente e implantação de Passarela de Pedestres no cruzamento entre o km 302,415 da Via Permanente e a Av. Tiradentes, com investimento de R$ 6.794.671,15.

Leia os detalhes (inclusive com os valores e obras para outras localidades) nesta reportagem:  https://medium.com/@nelsonitabera/concess%C3%A3o-ferrovi%C3%A1ria-%C3%A9-prorrogada-pela-uni%C3%A3o-e-bauru-perde-em-obras-781681658941

Estudo da Agência Nacional de Transportes (ANTT) apontou que o tráfego de carga sobre trilhos iria ser multiplicado em Bauru

E AS AUTORIZAÇÕES?

Depois da prorrogação que favoreceu a Rumo – que opera em Bauru – , o governo Jair Bolsonaro alardeou investimentos de quase R$ 50 bilhões no modal ferroviário no Pais. A retórica dos governos sempre foi de que o modal é essencial para que o País resolva seus gargalos de logística e reduza a dependência das rodovias (e, por consequência, do transporte por caminhões).

Como se sabe, um estudo de 2018 da Fundação Dom Cabral, a malha rodoviária é utilizada para o escoamento de 75% da produção no país. As ferrovias respondem por 5,4%. Os impactos causados pela greve dos caminhoneiros de 2018 expôs a dependência do país do transporte rodoviário e reacendeu o debate público sobre a necessidade de ampliar e recuperar a malha ferroviária.

Na ocasião, em seminário com os “maiores” do setor, inclusive´do governo, o gerente setorial de Transportes e Logística do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Dalmo Marchetti, disse que o país tem muitas oportunidades no setor ferroviário e que o desenvolvimento da área dará mais competitividade ao Brasil. “A visão de que o Brasil precisa reduzir custos logísticos está muito em paralelo com o desenvolvimento do setor ferroviário. Vamos atingir essa redução na medida em que a ferrovia brasileira se insira na carga geral. Porque a grande parte do TKU [toneladas por quilômetro útil] brasileiro está na carga geral.” A matéria do debate foi produzida pela Agência Brasil.

Neste material da Agência, do conteúdo do seminário, Marchetti abordou que “por mais que se construam corredores de exportação, a redução de custo logístico estará fundamentada na capacidade da ferrovia de competir com o modal rodoviário”. Ele ressaltou que a indústria nacional é capaz de fornecer praticamente 90% do que é necessário para transporte ferroviário de carga e de passageiros.

E o que aconteceu de lá para cá?

No 1º Fórum de Desenvolvimento Sustentável da Costa Verde, realizado na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), na cidade de Seropédica (RJ), o então ministro Tarcísio Freitas anunciou investimentos de R$ 30 bilhões em ferrovias nos próximos 5 ou 6 anos. O primeiro contrato de concessão foi assinado para a Ferrovia Norte-Sul, no trecho entre Porto Nacional (TO) e Estrela D’Oeste (SP). Depois, foram informadas as concessões da Ferrovia de Integração Oeste-Leste, que ligará Ilhéus (BA) a Figueirópolis (TO), e a Ferrogrão, projeto com origem em Cuiabá (MT) e término em Santarém (PA).

TRILHOS SEM CAPITAL

O governo federal, então, partiu para aprovar no Congresso o regime de AUTORIZAÇÃO. Trata-se de um modelo em que o investidor tem bem mais liberdade do que no regime de concessão. O interessado cumpre alguns requisitos na aprovação realizada diretamente à União e, uma vez obtida a autorização, sia em busca de investidores.

Nesta fase, o então ministro Tarcísio Freitas defendeu que “hoje não é possível nós operarmos com autorização nas ferrovias. No setor portuário, nós já fazemos isso. As autorizações abrem uma nova porta. Vale para aquele investidor que quer tomar o risco de engenharia, para que possa empreender e ter a propriedade da ferrovia, ter o benefício da perpetuidade, a liberdade para definir sua tarifa. Isso é importante para quem assume risco de longo prazo e proporciona novos investimentos ferroviários no Brasil”, disse, conforme abordagem no evento inscrita em matéria também da Agência Brasil.

Porém, conforme matéria do jornal Valor Econômico (06/04), há risco dos investimentos anunciados para o setor, em quase R$ 50 bilhões, não saírem do papel.
Conforme a reportagem, “A onda de investimentos bilionários em ferrovias celebrada pelo governo Jair Bolsonaro, desde a criação de novo marco legal do setor, tem parte dos projetos entregue a empresas com capital social incompatível com o porte dos empreendimentos anunciados.
Levantamento do Valor indica que pelo menos cinco projetos já autorizados ou em análise pelo Ministério da Infraestrutura – com quase R$ 50 bilhões em investimentos previstos – foram registrados por empresas com aporte inferior a R$ 1 milhão.
A Macro Desenvolvimento, por exemplo, que assinou contratos para dois trechos ferroviários, com previsão de desembolsar R$ 29,6 bilhões, tem capital social de R$ 10 mil. A Grão-Pará Multimodal, à frente de projeto avaliado em R$ 5,2 bilhões, foi registrada com capital de R$ 200 mil.
Independentemente disso, as estimativas de investimentos bilionários nas novas ferrovias têm sido usadas em solenidades oficiais e nas redes sociais para engrossar a lista de feitos de Bolsonaro, que busca a reeleição, e do ex-ministro Tarcísio de Freitas, pré-candidato ao governo de São Paulo”.
A reportagem do Valor Econômico menciona que “os empreendimentos se baseiam em lei que permite novas ferrovias pelo regime de autorização, o que libera o investidor de disputar a concessão em leilão. As empresas podem simplesmente apresentar um projeto ao governo, que assina “contrato de adesão” caso preencham alguns requisitos – não há exigência de compatibilidade entre o capital social e o porte do empreendimento. Para executivos do setor, isso facilita as “ferrovias de papel”.
Na prática, as empresas recebem apenas o direito de construir determinada ferrovia. Mas, sem capital suficiente, correm atrás de investidores. Diante das incertezas, aumentam as chances de que os projetos não se concretizem”, aponta o Valor.

2 comentários em “FERROVIAS DE PAPEL – Bauru fica de fora e investimentos anunciados pelo governo em quase R$ 50 bilhões correm risco de não sair”

  1. O valor dos investimentos informados pelo governo, são referentes à captação no mercado financeiro de recursos PRIVADOS, para que possam viabilizar os projetos (isto será feito numa segunda fase). Algo muito melhor que o poço de dinheiro que normalmente os governos lançam mão em obras obtusas e que quase nunca são concluídas no prazo.
    Chega de estatistas e funças que não sabem o valor real do dinheiro.

  2. Eng. Luiz Carlos Valle

    Prezado Nelson, muito boa matéria sobre a prorrogação dos contratos de concessão da Rumo Logistica que sucedeu a ALL que deteve durante muitos anos essa concessão! A RUMO está hoje desenvolvendo e implantando a ferrovia Norte-Sul que é o maior empreendimento ferroviário das últimas décadas com parceria público privada!
    Como Bauru, tem sua história ligada as ferrovias, e os trilhos urbanos estão desativados no trecho da antiga Noroeste, e subutilizados no trecho de bitola da antiga paulista e Sorocabana, desenvolvemos uma proposta de utilização destes trechos para uma futura PPP nós mesmos moldes do que foi implantado em Santos que já se encontra em operação! Tal proposta ainda que exija um grande esforço político e um maior engajamento das forças vivas da sociedade nós colocaríamos o centro do estado na vanguarda deste segmento!
    Abraços do amigo,
    Eng. Luiz Carlos da Costa Valle
    (Ex-presidente da Emdurb e ex- Gerente do Setor de Projetos do Metrorec /CBTU)

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