Onde estão os restos mortais de Tatiane? Sumiço de ossadas, rompimento de lacres de controle, anotações com erros no livro de registros, facilidade de acesso aos cemitérios e mau gerenciamento são alguns dos ingredientes que circundam a realidade dos cemitérios municipais.
A indagação inicial da reportagem exemplifica histórico de má gestão acumulada, há anos, nas unidades em Bauru. O CONTRAPONTO apurou o Mistério das Ossadas do Cristo Rei, uma das unidades gerenciadas pela Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano e Rural (Emdurb).
A conclusão é de espanto a qualquer gestor comprometido com a “coisa pública”! Desídia, omissão e negligência (gerencial e funcional) se juntam ao recente conteúdo de desvios na atuação na necrópole e funerária municipal. Em 2020, a administração municipal finalizou apuração de “comércio” de instalação de urnas nos cemitérios. Mas, na verdade, os indicativos do esfacelamento das unidades municipais são bem anteriores.
Em 2019, o serviço de Corregedoria da Emdurb consumiu boa parte de seu tempo para apurar porque uma mulher teve o corpo exumado sem a presença da família, como manda o regulamento municipal. A sindicância levou a Processo Administrativo e a suspensão do administrador do Cemitério Cristo Rei, Maurides Vilani (que acumula 22 anos de serviços no setor).
No processo estão, mais do que a negligência funcional. Estão falhas elementares na gestão, do registro ao rompimento de lacres, do “descarte” de ossos após três anos do columbário à “mistura” de restos mortais.
O caso foi parar no Judiciário, onde a Emdurb está sendo chamada a indenizar a família da mulher (cuja ossada não foi encontrada, não foi identificada). A ação em si segredo em segredo de justiça, o que inviabilizou trazer informações sobre a indenização.
Mas o CONTRAPONTO apurou que o Município, através da Emdurb, está sob medida judicial que pode gerar despesas vultosas com a realização de exame de DNA em arcadas dentárias acumuladas, nos últimos anos, no columbário. A medida pode ser o único caminho para identificar os restos da mulher.
AS OSSADAS
Ninguém sabe, ou informou, onde estão os restos mortais que estavam no Cristo Rei. O administrador da unidade, Maurides Vilani, afirmou (em sindicância) que “tentou avisar a família da exumação do corpo da mulher um dias antes e não conseguiu”. Disse ele que, no dia seguinte (o da exumação) conseguiu falar com a mãe da mulher que veio a óbito, por volta das 7h15″.
A mãe teria dito ao administrador que iria avisar o filho para que este pudesse comparecer para acompanhar a exumação. Mas a exumação foi realizada por volta das 9 horas, com a ordem do administrador sendo cumprida pelos coveiros José Clemente e José Ferreira.
Mas os coveiros afirmaram, também em depoimento, que não foram avisados pelo administrador do possível comparecimento do irmão da vítima.
Mas com a chegada ao Cemitério de Marcelo (o irmão), os coveiros não teriam conseguido informar qual dos restos mortais exumados naquele dia seriam de Tatiane.
As falhas não param ai. A família já havia pago a taxa cobrada pela Emdurb, ainda em 2015, para que os restos mortais fossem depositados no jazigo da família.
Os registros apresentam anotações falhas, e não somente para este caso dos columbários de número 2019 e 2020, exumados na ocasião. A apuração constatou que os lacres originais que identificam os corpos foram violados e substituídos. As anotações na ficha de sepultamento estão inconsistentes.
A EMDURB
Contatado pelo CONTRAPONTO, o presidente da Emdurb, Luiz Carlos Valle, disse que ficou “estarrecido” com a sequência de erros neste caso. Ele adiantou que está em andamento a revisão de procedimentos em todas as diretorias, com modificações que terão de ser realizadas nos procedimentos, requalificação e controles internos.
O Município paga, por ano, R$ 2.897.316,00 para a manutenção dos cemitérios, o equivalente a 17.379 jazigos nas 5 unidades locais.
O funeral assistencial (realizado a quem não tem condições de realizar velório e sepultamento) consome R$ 1.147.959,07. O valor unitário do funeral é de R$ 1.700,00.
A exumação tem valor de R$ 215,00, conforme a empresa municipal.
O REFÚGIO
É muito frágil o acesso ao Cemitério Cristo Rei, a qualquer hora do dia. E faz tempo que é assim.
Na parte “alta”, o interior da unidade pode ser alcançado por qualquer pessoa. O muro é muito baixo.
Aos fundos, onde está o columbário e as covas de “indigentes”, o acesso é livre. Uma tela (de uns 30 centímetros de altura), foi “rebaixada” para que quem quiser entrar entre.
Empreiteira do Cristo Rei há 20 anos, dona Osmarina conta que ali é local de amplo acesso para “jovens transarem à noite, fumar maconha, fazer macumba, fazer reuniões. Até estupro já teve ai dentro e continua assim”.
Seu companheiro, de 85 anos, atua há 50 anos no Cristo Rei. Por lá, já viram e ouviram histórias terríveis. “Há 10 anos as ossadas daqui (Cristo Rei) eram retiradas e levadas para o Cemitério do Redentor. Eu pago um Camaro amarelo novo pra você se encontrarem a ossada de alguém depois que vai pra lá”, contou…
Cemitério Cristo Rey uma vergonha mato está cobrindo os muros baixos ao redor falta de campina vergonha