Texto e fotos: André Godinho, jornalista
Um certo dia na pista, no meu trajeto diário de Botucatu a Bauru, de relance, vi uma figura que chamou a atenção. Foi muito rápido e não consegui observar detalhes, mas era um homem, de longos cabelos brancos, que escondiam quase que por completo sua face. Percebi que carregava um saco nas costas e uma manta nas mãos, vestindo uma roupa suja e bem deteriorada.
Imaginei que o veria novamente no trecho, mas não. O homem desapareceu nos dias a seguir.
Já quase me esquecendo dele, eis que surge a figura novamente a duas cidades de distância do primeiro encontro. Infelizmente não consegui parar, mas segui confiante de que o veria novamente. Porém, como da primeira vez, ele sumiu.
Quase um mês depois, parei em um posto de combustíveis em Botucatu antes de sair para a estrada e, ao olhar ao lado, lá estava ele. Estava sem minha câmera e achei que aquela seria a última vez que o veria, perdendo a chance de registrar aquele rosto no meu “livro de memórias”. Incrível que na volta de Bauru, passei por ele outra vez. Corri então pegar minha câmera para fotografar aquela figura.
Notei que ele tinha voltado ao mesmo ponto que eu o tinha visto pela manhã e fiquei mais intrigado com isso. Descobri então o porquê do sumiço de vários dias. Ele “acampa” em alguns lugares, como fez na entrada de Botucatu, ao que tudo indica, embaixo de um viaduto.
Tentei me aproximar algumas vezes, mas ele não atendia meu chamado. Só se aproximou quando ofereci uma nota de vinte reais que carregava comigo. Arisco, foi se aproximando lentamente, lentamente… até que, ainda a uma certa distância, puxou a nota da minha mão e se foi sem responder a nenhuma das perguntas que fiz, a não ser que se chamava Edson e que era natural do Tocantins.
Percebi que ele se dirigiu ao posto, onde imaginei que iria comprar algo com o dinheiro que recebeu, mas quando fui até lá o avistei sentado em uma sombra a beira da pista. Parei novamente o carro ao lado dele e já se levantou colocando a “mala” nas costas. Eu disse então que só queria fazer uma foto dele.
Foi então que ele se aproximou do carro e parou, posando para minha lente. Mostrei a foto a ele e foi aí que ganhei sua confiança. Mesmo assim, não quis conversar, aparentando um medo extremo, que eu jamais havia notado em outro caminhante. Um pouco mais adiante parei novamente e fiz mais alguns registros e quando ele me viu, tirou os longos cabelos dos olhos com uma das mãos e sorriu.
Fui embora refletindo sobre a imensidão das dificuldades de quem “escolhe” viver seus dias caminhando, sem rumo. Mas o caso do “seu Edson”, é ainda pior, porque além de depender da ajuda de alguém, ele não consegue pedir, não sabe dialogar e essa dificuldade de comunicação o exclui ainda mais de qualquer chance de uma vida mais digna.
Tanto é que ele foi visto por muitas pessoas e ninguém notou, e se notou ficou indiferente, que os chinelos de pares diferentes que ele usava em sua caminhada, estavam amarrados com um arame, que machucava ainda mais os pés sobrecarregados de tantos passos nesse trajeto sem fim.
Que Deus possa reconhecer essas dificuldades e perdoar todas as faltas deste homem, que é prisioneiro do seu silêncio e cumpre todos os dias a sentença mais pesada da face da terra que é a solidão e a indiferença humana.
Uma tristeza grande pude sentir ao ler o texto, não minha, mas dele e necessidade de se aproximar de alguém mas ao mesmo tempo o medo de se aproximar. Estou aqui imaginando quase sentindo a solidão desse homem invisível.
Interessante caso, o que pra nós é curiosidade, gesto de solidariedade e intrigante até, pra ele e pra muitas pessoas á margem da vida e, de inúmeras formas entre nós.