O projeto do Calçadão e o distanciamento das novas formas urbanísticas de regeneração do Centro

 

Por Adalberto da Silva Retto Jr

Formada a partir do processo de urbanização (principalmente das cidades médias), impulsionado pelo binômio café-ferrovia no Centro-Oeste Paulista, a reinterpretação da grelha histórica aparece como elemento basilar para se pensar a transição da cidade antiga para a cidade moderna, da regeneração do centro e do papel que este desempenha na reconstrução da cidade contemporânea.
No texto “Projeto Urbano como política pública: comentário sobre o concurso do Calçadão”, publicado no Jornal da Cidade, no dia 23 de setembro de 2020, ressaltou-se que:

Um projeto urbano não é um ‘projeto arquitetônico’ ou ainda um ‘projeto de decoração’ […] …e apesar da pluralidade de significados conferidos ao projeto urbano, alguns seguem tendências efêmeras da mídia e transformam-se em peças atuantes dentro do calendário eleitoral. A averiguação dos três ‘arremedos’ de projeto que estão em votação para o calçadão da cidade de Bauru não deixa dúvidas sobre seu propósito (RETTO JR).

De fato, a transformação em curso passa longe de conceber o projeto urbano como uma investigação de reinterpretação da grelha histórica, para um quarteirão urbano, seguindo uma abordagem científica baseada em estudos de tipomorfologia. Vale ressaltar que tal metodologia foi referendada pelo CONDEPHAAT para ser aplicada em conjuntos urbanos tombados, como registrado na entrevista intitulada “Morfotipo urbano e a requalificação de centros históricos de cidades pequenas e médias” (Cidade de Memória: Assis, SP, v. 15, n. 1, p. 554-570, janeiro-junho de 2019 554).

PROJETO CENTRO
Em resposta a isso, e com base na referida metodologia, o “Projeto Centro como Res Publica” foi apresentado ao poder público na gestão passada. O projeto seria coordenado pelo Grupo de Pesquisas em Sistemas Territoriais e Urbanos (Grupo S.I.T.U.) juntamente com equipe da Prefeitura Municipal de Bauru. Partia da rediscussão de ideias relativas à regeneração do centro incorporando conceitos como de renovação, reutilização e reconversão, priorizando a construção de estratégias para o desdobramento de ações previstas de forma preliminar no Plano Diretor em curso.
A proposta em questão apresentou uma abordagem que, ao repensar outra forma de desenvolvimento urbano, coloca como centro do debate urbanístico a ação de requalificação qualitativa da cidade, tema muito difundido no âmbito internacional nas práticas sobre patrimônio em centros históricos. Em vez de pensar a revitalização do centro da cidade nos moldes tradicionais como mera maquiagem urbana, propõe uma grande mutação genética, na qual o projeto urbano da área em questão não só funcionaria como instrumento regulador e normativo do espaço urbano, mas também como promotor de desenvolvimento, com base no retorno da “habitação” ao centro e nas várias formas propostas de regeneração urbana.
Dentro desse quadro espacialmente delimitado (perímetro da Estação Ferroviária até o Cemitério), tanto os “vazios urbanos das quadras centrais” como os edifícios sem uso seriam encarados como oportunidades estratégicas para repensar as funções do novo centro, explorando novas sinergias entre o público, o privado e o social.
Assim, frente às mudanças sociais, econômicas e culturais em curso, os projetos teriam o objetivo de reorganizar o espaço habitado com base em diferentes princípios e lógicas de desenvolvimento, bem distantes de propostas concebidas como “mera maquiagem” da área central. O mecanismo escolhido seria criar estratégias para habitar no centro, nas quais a ideia de recuperação englobaria todos os assuntos que afetam a densidade populacional, a diversidade, a energia ou capacidade de adaptação, a partir de novos modos coletivos que moldariam o futuro de uma metrópole regional. Nesse futuro, o projeto do novo centro deveria corresponder a um projeto social de consolidação da cidade pública.

A afirmação da cidade de Bauru como polo universitário da região foi o lastro principal da proposta que partiria da parceria entre poder público e universidade pública, a partir do repovoamento do centro, a princípio, com estudantes universitários.
Nesse sentido, o tema da habitação coloca-se no centro do debate, como forma de resolver a degradação da área central, que é também a grande realidade das cidades médias no estado de São Paulo. Tal ação deliberada deveria absorver as rápidas mudanças de estilo de vida da comunidade estudantil, a demandar inovações nos modos de viver, com a criação de espaços de convivência compartilhada, de trabalhar, através co-working (compartilhamento do ambiente de trabalho), do teletrabalho, de compartilhamento de showroom, dos fab lab (pequenas oficinas que oferecem serviços personalizados de fabricação digital) e de temporary shops.
Assim, também prevendo a participação da população na construção da própria problemática, a filosofia do projeto foi e ainda é a de dar suporte para uma ação conjunta de pensar novas formas de habitar no centro. Nessa ação, imobiliárias, construtores e proprietários de imóveis seriam coordenados pela parceria entre poder público e universidades.

PREMISSAS

Além disso, as ações a serem estruturadas deveriam reiterar três premissas a respeito da nova concepção de espaço a ser reabilitado na cidade contemporânea:
I – Que o projeto do centro da cidade de Bauru é aquele apto a ser reescrito em virtude dos sinais progressivamente inscritos, lidos e reinterpretados, como um lugar revestido de sentido, de valor simbólico, político, social e econômico. Nessa ‘nova’ cidade, cada tentativa de projeto internalizado na paisagem estabelece um diálogo com as camadas de tempos, em condições de viver, regenerar-se e absorver “novos significados” em uma constante operação de jogo de escalas;
II – O Centro afirma-se como laboratório e imediatamente consolidaria nova dimensão estrutural ao pensamento projetual do urbanismo: marca a natureza do bem comum, entendido como extraordinário patrimônio de recursos que envolvem componentes ecológicos, naturais, econômicos e culturais. Além de colocar-se como forma interpretativa para compreender a mutação contemporânea, o projeto para o Centro permitiria ler a constante interação entre sedimentação histórica e práticas tradicionais;
III – Que planejar a cidade contemporânea requer operar com prefiguração, na qual a leitura do fragmento possa, de fato, delinear hipóteses futuras de transformação, no curto, médio e longo prazos, não só do ponto de vista técnico, mas também da perspectiva social e política.

Nesse sentido, com relação às questões de regeneração, dois novos aspectos surgem como balizadores da proposta: a inovação colocada no centro dos projetos, não só do ponto de vista construtivo/tecnológico, mas sobretudo do ponto de vista social e jurídico-financeiro; e a amplitude geográfica do empreendimento, que coloca o Município de Bauru como centro regional de planificação urbana e territorial.
As intervenções do projeto “Centro como Res Publica” poderiam ser a prova cabal de que realmente é possível uma mudança de ritmo e tom nos caminhos para o desenvolvimento de uma cidade, tomando por base a capacidade de instalar um verdadeiro laboratório para pensar o futuro. Por trás dos projetos a serem construídos, existiria uma escolha política bem clara, que partiria de uma administração capaz de planejar o futuro (no médio e longo prazos) e, acima de tudo, capaz de colocar a cidade no centro do debate entre o público de especialistas e outros atores locais, os chamados “atores da inovação”.

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O autor é professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Doutor pela Universidade de São Paulo – USP e pelo Instituto Universitário de Arquitetura de Veneza – Itália. Tem pós doutorado pelo Instituto de Veneza e foi professor-pesquisador da Universidade francesa Sorbonne – Paris I.

 

 

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