Vamos a mais uma rodada de discussão sobre a proposta lançada pelo presidente da Emdurb, Luiz Carlos da Costa Valle, de transformar a Emdurb (empresa municipal) em uma autarquia. Ouvimos a posição de dois operadores do Direito, um especialista no Judiciário Trabalhista e outra a procuradora que estudou o tema, ainda no governo anterior.
Antes, vamos lembrar que, a princípio, a atual presidência da Emdurb discute transformar a empresa em autarquia de olho na redução de despesas. A ideia nasceu, conforme Valle, da possibilidade da Emdurb deixar de pagar os encargos trabalhistas. Isso significa pelo menos R$ 14 milhões por ano.
Mas não é tão simples assim. Nem financeiramente e nem do ponto de vista jurídico esta hipótese é considerada viável. Para deixar de recolher FGTS para os trabalhadores, os funcionários (celetistas) da Emdurb teriam de passar a ser estatutários (servidores públicos).
Para o desembargador do Trabalho, Luiz Henrique Rafael, esta hipótese não existe. “Juridicamente é impossível um empregado público se tornar servidor público. A Cohab, a Emdurb, são empresas com capital público, mas que contratam seus empregados pelo regime jurídico da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas). Jamais ele vai ser transformado em ocupante de cargo público, aquele que exerce a função pública na essência. O regime autárquico é estatutário. E seu quadro é formado por cargos públicos, ocupados somente por servidor público, por concurso público. Não tem como transformar o regime do quadro de pessoal. Isso é jurisprudência pacífica tanto na Justiça do Trabalho quanto na Justiça Comum”, explica.
A procuradora Jurídica Greici Maria Zimmer estudou o caso. Ao se manifestar no processo iniciado para a transformação da Emdurb em uma Agência Municipal de Serviços Urbanos de Bauru (Amsurb), ela posiciona que “no que concerne ao aproveitamento do quadro de pessoal, não é possível a transformação dos empregos públicos efetivos em cargos públicos, sob pena de ferir a regra do concurso público, prevista no artigo 37 da Constituição”.
A alternativa seria, a princípio, apenas o reaproveitamento do quadro de pessoal, mas sem alteração do contrato (celetista). De outro lado, a criação de autarquia esbarra no fato de que a Prefeitura adota o regime jurídico único para o funcionalismo, os concursados da gestão direta, de autarquia (DAE) e fundação (Funprev). E o regime celetista não se enquadra neste regime.
OUTRAS ABORDAGENS
Leia abaixo, os posicionamentos levantados em relação ao assunto pela presidência da Emdurb, o Sindicato dos Servidores e o especialista em regime e contas previdenciárias, Luiz Cláudio Kogut.
O CONTRAPONTO iniciou esta reflexão pela empresa. No mês passado, o presidente da Emdurb, Luiz Carlos Valle, disse pra nós que defende a medida sob o aspecto de despesa global. “Nós deixamos de pagar R$ 14 milhões por ano só de encargos trabalhistas”, disse, em referência ao fato de que, como autarquia, o caixa municipal deixaria de recolher a cota patronal para o FGTS. Mas Valle disse que está realizando estudo “detalhado dos aspectos administrativos e contábeis, com o Jair Vella, e isso tudo será debatido, com transparência”.
De outro lado, o advogado do Sindicato dos Servidores (Sinserm), José Francisco Martins, disse que a posição sindical é de que autarquizar fortalece a participação do funcionalismo na condição estatutária. Mas, por outro viés, ele também pondera que “tudo tem de ser debatido com o sindicato em todos os pontos, reflexos, para o funcionalismo. O funcionário vai querer abrir mão de ganhar FGTS, por exemplo? Precisamos saber disso”.
Para o governo municipal resolver o déficit na Emdurb é essencial. Em 2020, a empresa fechou com mais de 10% de seu orçamento anual no vermelho, ou pouco mais de R$ 7,5 milhões de contas a pagar deixadas para 2021, segundo Valle.
Mas, se o governo autarquizar a Emdurb, esta continuará realizando serviços de coleta de lixo e capinação? (sua maior estrutura de pessoal)? Ou a atual administração, assim que a pandemia for resolvida, vai apostar na mão de obra de reeducandos, inclusive para o aterro sanitário e até na manutenção de cemitérios, para reduzir o custo milionário dessas gerências?
Ou o governo Suéllen vai reduzir a Emdurb a uma espécie de agência de serviços? A “PPP” (que no projeto atual na verdade é uma concessão do lixo) vai incluir a coleta, capina e varrição para atrair grandes investidores? (como em outras cidades médias). Ou teremos uma autarquia com 800 funcionários pendurada no setor público e um contrato de concessão com criação de tarifa de lixo e o investidor privado dependendo da coleta seja eficiente para não “derrubar” obrigações da concessão?
Conforme a assessoria de imprensa da Prefeitura, o modelo de concessão (tanto do lixo quanto da iluminação) ainda será discutido a fundo. (De fato, não deu tempo. A prefeita assumiu há 30 dias úteis – e o pouco tempo “engoliu” a agenda). E outra: não se toma decisão desse porte de afogadilho, sem dados completos e amplo debate (como tentou empurrar – e não conseguiu – Gazzetta).
Por ora, a administração informou que “a presidência da Emdurb iniciou as discussões com a prefeita sobre o futuro da Emdurb. E que a concessão terá, nos próximos dias, a nomeação de novo Núcleo Gestor, exigido por lei. A partir disso, os estudos do lixo e da iluminação pública serão retomados).
DÉFICIT NA PREVIDÊNCIA
Especialista em estudos atuariais (projeção de cenário de receitas e despesas e sustentação de regimes de previdências) e conhecedor em detalhes da situação de Bauru na área há mais de 20 anos , Luiz Cláudio Kogut adiantou para o CONTRAPONTO: “Não conheço nenhum caso de ingresso de celetistas no regime próprio de previdência que não tenha gerado encargo adicional com déficit atuarial”.
Kogut, consultor que analisa as planilhas da própria Funprev de Bauru neste momento, apontou que “da minha experiência o ingresso de uma massa de trabalhadores celetistas para o regime estatutário gera déficit. Analisei casos como o de agentes de saúde transformados em estatutários em Maringá e um caso complexo em Paranavaí. O sistema de compensação previdenciária é muito moroso e esses entrantes não contribuíram para o caixa, muitos com mais de 15, 20 anos de contribuição só pela CLT”.
Na visão do especialista, do ponto de vista do impacto financeiro no Fundo do Servidor, a medida tem de “ser muito bem analisada. E mesmo para o poder público, porque o encargo adicional com aporte previdenciário no tempo, que já existe em Bauru, para cobrir essa diferença por ausência de contribuição, sacrifica ainda mais o orçamento no segmento. Tem de fazer todas as contas em detalhe”.
Para adiantar um passo no papel de reflexão do CONTRAPONTO, a opção de autarquizar funcionários da Emdurb poderia discutir, por exemplo, a necessidade da chamada segregação de massa. Os atuais trabalhadores ficariam recolhendo pela CLT (e se aposentam pelo regime gerla do INSS) e as novas contratações, por concurso, é que ingressam para o regime próprio da Funprev.
Nesta hipótese, a segregação de massa protege a Prefeitura de ter de aumentar o aporte para cobrir a entrada de toda a massa no atual fundo dos servidores. De outro lado, permite aos funcionários atuais da Emdurb continuarem com FGTS e recolhendo para o INSS.
O advogado José Francisco Martins acrescenta mais um item nessa discussão de inúmeros itens específicos: “Hoje o trabalhador celetista paga menos INSS. Ele vai querer ir para o regime próprio para passar a pagar 14% de previdência (a partir de 2024?”, enumera.
Sobre a compensação previdenciária (Comprev), o sistema federal é lento e o pagamento do ingresso da “turma do INSS” em novo regime é realizado ao longo de anos….
PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS
Por fim, na lista de partida de pontos a serem debatidos sobre a eventual autarquização da Emdurb, o CONTRAPONTO pergunta pra você, contribuinte:
Você considera que pode melhorar ou não os serviços de coleta de lixo, varrição e capinação se o funcionário da Emdurb for estatutário e não mais pela CLT?
Esses serviços devem ser transferidos integralmente à iniciativa privada, por concessão, ou devem ficar todos nas mãos do poder público, através de autarquia?
O bauruense aceita pagar tarifa de lixo só para a separação e tratamento do lixo doméstico, com a coleta nas mãos da Emdurb e somente o destino final realizado pelo setor privado?
Não vejo controle de entrada e saída de ônibus nas plataformas da rodoviária, tampouco sobre o número de passageiros embarcados e a arrecadação das taxas de embarque.
Gostaria de comparar os valores destas taxas com os valores cobrados na cidade de São Paulo.