Por Celso Wagner Thiago
A discussão sobre a proposta de concessão comum para os serviços de instalação, substituição, manutenção e operação de todo o sistema de esgoto na cidade de Bauru merece reflexão acerca de vários aspectos jurídicos. Vamos contribuir com o debate?
Por se tratar de serviço público, normalmente prestado sob regime de concessão, o abastecimento de água e coleta de esgoto estão sujeitos ao que determina a Lei Federal nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que “dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências”, e às leis posteriores que modificaram seus dispositivos.
Preceitua a Lei 8987/95:
Art. 1o As concessões de serviços públicos e de obras públicas e as permissões de serviços públicos reger-se-ão pelos termos do art. 175 da Constituição Federal, por esta Lei, pelas normas legais pertinentes e pelas cláusulas dos indispensáveis contratos.
Parágrafo único. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão a revisão e as adaptações necessárias de sua legislação às prescrições desta Lei, buscando atender as peculiaridades das diversas modalidades dos seus serviços.
Art. 2o Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:
I – Poder concedente: a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Município, em cuja competência se encontre o serviço público, precedido ou não da execução de obra pública, objeto de concessão ou permissão;
Assim, a Lei preceitua que o Poder concedente deve ter a competência sobre o serviço publico, objeto da concessão. Pois bem. Como se verá adiante, a competência sobre o serviço que ora se pretende conceder em Bauru foi outorgado por Lei a um ente público. Com personalidade jurídica própria.
Quanto a terceirização de serviços públicos, em especial o saneamento básico, a Constituição Federal, prevê:
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II – os direitos dos usuários;
III – política tarifária;
IV – a obrigação de manter serviço adequado.
Esta ainda trouxe a previsão para a concessão dos serviços públicos de competência do Estado, com as exigências descritas no artigo, parágrafo e incisos.
Houve ainda a edição da Lei nº 11.445/2007, alterada pela Lei nº 14.026/2020, onde consta:
Art. 3º Para fins do disposto nesta Lei, considera-se: (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020)
I – saneamento básico: conjunto de serviços públicos, infraestruturas e instalações operacionais de: (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020)
a) abastecimento de água potável: constituído pelas atividades e pela disponibilização e manutenção de infraestruturas e instalações operacionais necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a captação até as ligações prediais e seus instrumentos de medição; (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020)
b) esgotamento sanitário: constituído pelas atividades e pela disponibilização e manutenção de infraestruturas e instalações operacionais necessárias à coleta, ao transporte, ao tratamento e à disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde as ligações prediais até sua destinação final para produção de água de reuso ou seu lançamento de forma adequada no meio ambiente; (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020)
c) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos: constituídos pelas atividades e pela disponibilização e manutenção de infraestruturas e instalações operacionais de coleta, varrição manual e mecanizada, asseio e conservação urbana, transporte, transbordo, tratamento e destinação final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos domiciliares e dos resíduos de limpeza urbana; e (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020)
d) drenagem e manejo das águas pluviais urbanas: constituídos pelas atividades, pela infraestrutura e pelas instalações operacionais de drenagem de águas pluviais, transporte, detenção ou retenção para o amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição final das águas pluviais drenadas, contempladas a limpeza e a fiscalização preventiva das redes; (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020)
…………..
Pois bem! O parâmetro da autonomia municipal é a Constituição da República, que se apresenta como fonte distribuidora de todas as competências e as Constituições anteriores determinavam que os Estados-Membros deveriam organizar os Municípios, assegurando-lhes autonomia.
Note-se que a norma constitucional garantidora da autonomia era dirigida aos Estados-Membros, porque cumpria a estes organizar os Municípios.
A atual Constituição, por seu turno, assegura diretamente a autonomia ao Município, para tratar de assuntos de interesse local, art. 30, I:
Art. 30. Compete aos Municípios:
I – Legislar sobre assuntos de interesse local;
Assim, com base nessa autonomia, os serviços de captação, tratamento e distribuição e água e coleta, tratamento e destinação final de esgotos, foram outorgados ao Departamento e Água e Esgoto de Bauru, Autarquia Municipal, através da Lei Orgânica do Município de Bauru, promulgada em 1990.
A Lei Orgânica do Munícipio, em seu art. 151, prevê:
Artigo 151 – O Poder Executivo, através do Departamento de Água e Esgoto (DAE), realizará o planejamento global do tratamento de esgotos e da despoluição do Ribeirão Bauru e seus afluentes, mediante:
a) dotação orçamentária anual;
b) implantação progressiva de interceptores, emissários e estações de tratamento. (destaquei)
Parágrafo Único – Para os efeitos deste artigo, o Executivo poderá baixar decretos declarando de utilidade pública as margens de córregos e rios.
Como se vê a Lei Orgânica atribui ao DAE, exclusivamente, a implantação de estações de esgoto, o que significa que, para que exista uma concessão, ou seja, para que a implantação da Estação de Tratamento seja excluída da competência do DAE, há necessidade de alteração da Lei Orgânica.
Além da competência firmada na Constituição Federal, e Lei Orgânica, a Lei Federal 11.445/2007, alterada pela Lei 14026/2020, também traz a previsão:
Art. 8º Exercem a titularidade dos serviços públicos de saneamento básico: (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020)
I – os Municípios e o Distrito Federal, no caso de interesse local; (Incluído pela Lei nº 14.026, de 2020.
“Ex vi” da Lei Orgânica de Bauru, os serviços de distribuição de água e coleta e tratamento de esgoto sanitário foram descentralizados, ou seja, a competência foi outorgada a outra pessoa jurídica criada por Lei.
A descentralização administrativa pode ocorrer de duas formas: mediante outorga e delegação.
Para outorgar um serviço Público, o Estado cria uma enentidade, autarquia, empresa pública, sociedade de Economia Mista ou Fundação Pública, e transfere determinado serviço. Isto mediante a edição de Lei e por prazo indeterminado.
Neste caso, o Município criou a Autarquia, Departamento de Água e Esgoto de Bauru, para prestar os serviços captação, tratamento e distribuição de Água e coleta, tratamento e destinação final de esgotos.
Vale lembrar que, nos termos do art. 37, XIX, da Constituição, com a redação dada pela EC nº 19/1998, as autarquias, são criadas por meio de lei específica.
Dessa forma, o Município outorgou ao DAE, a titularidade e a execução dos serviços de distribuição de água e coleta de esgoto sanitário, porquanto criou uma pessoa jurídica, a si vinculada, (Autarquia) para o exercício de funções específicas, conforme art. 37, XIX da CF/88.
Ao editar a Lei Municipal 1006 de 24 de dezembro de 1962, ficou estabelecido que:
Artigo 1º – O Serviço Público de Água e Esgoto do Município de Bauru, passa a constituir uma única entidade autárquica, sob a denominação de “DEPARTAMENTO DE ÁGUA E ESGOTO” (D.A.E).
Artigo 2º – Destina-se o D.A.E. com a autonomia peculiar às entidades descentralizadas, a gerir, administrar e desenvolver os serviços públicos de água e esgotos, atualmente existente no território do Município e a este ora pertencentes.
Artigo 3º – O D.A.E., com sede na cidade de Bauru, tem personalidade de natureza autárquica e goza, inclusive no que se refere aos seus bens, rendas, e serviços, das regalias, privilégios e imunidades, conferidos a Fazenda Municipal.
Não bastasse, com a edição da Lei Municipal nº 3832 de 30 de dezembro de 1994, que institui o Código Sanitário do Município de Bauru, a outorga dos serviços ficou ratificada, com o seguinte teor:
CAPÍTULO III
Água e Esgoto
Artigo 52 – Todo e qualquer serviço de abastecimento de água ou de coleta e disposição de esgotos devem sujeitar-se ao controle do Departamento de Água e Esgoto (DAE).
Note-se que a intenção do legislador está clara ao deixar a cargo do DAE, “todo e qualquer” serviço que diz respeito a distribuição de água e coleta de esgoto sanitário, ratificando a outorga e retirando a possibilidade de outro ente ou a própria Administração central, exercer a titularidade dos serviços mencionados.
PL CONCESSÃO
Quanto ao Projeto de Lei que trata da concessão das Estações de Tratamento de Esgoto e da coleta, oportuno pontuar alguns detalhes.
Não consta que a Administração tenha efetuado estudo de impacto econômico-financeiro no orçamento da Autarquia DAE/Bauru, tendo em vista que sua receita é oriunda das tarifas de captação, tratamento e distribuição de Água e coleta e tratamento de Esgoto, sendo a coleta e tratamento de esgoto responsáveis por 65% (sessenta e cinco por cento) da tarifa de água com destinação de 5% (cinco por cento) para o Fundo de Tratamento de Esgoto.
Caso ocorra a concessão, os 60% (sessenta) serão direcionados a concessionária e 5% (cinco) por cento ao FTE até o término da Estação Vargem Limpa. Após, o percentual ficaria em 90% de tarifa de esgoto para a Concessionaria e o DAE ficaria somente com a Tarifa de Água.
Questiona-se: Haverá suporte financeiro para manter a Autarquia, somente com a tarifa de água, como os serviços de captação, tratamento e distribuição de água, considerando energia elétrica, folha de salários, insumos, manutenção da Estação de Tratamento de Água, perfuração de novos poços profundos e manutenção destes?
Ainda com relação a essa supressão de Receita do DAE, questiona-se se houve estudos quanto ao impacto na Lei de Responsabilidade Fiscal, visto que a arrecadação da Autarquia, tem influência no índice fiscal para contratação de servidores não só na Administração indireta, mas na direta também;
Qual a destinação dos servidores a Autarquia? O atual quadro será mantido? Haverá redução no quadro? De que forma? Qual é o planejamento?
Outro ponto a ser verificado é quanto a propositura de alteração da Lei 5357/06, especificamente em seu art. 5º, que trata da aplicação dos recursos do Fundo de Tratamento de Esgoto, sendo incluído um inciso (VI) e um parágrafo único.
O inciso VI, insere na norma a possibilidade de uso dos recursos em sistema de drenagem, o que foge ao escopo a Lei, porquanto é direcionada exclusivamente a construção do Sistema de Tratamento de Esgoto. A norma editada deve ter sua incidência para o futuro, o que indica que os valores arrecadados não poderiam ser utilizados para o que se pretende (drenagem); é preciso que se cumpra as regras estabelecidas, e não simplesmente fazer modificações.
O Art. 5º-A, prevê que no caso de exploração dos serviços públicos de esgotamento sanitário do Município ser objeto de delegação, por meio de concessão, os recursos do FUNDO deverão ser aplicados exclusivamente para a realização dos investimentos previstos no contrato de concessão
…
Entendo que se o projeto é de concessão das Estações de Tratamento de Esgoto e redes coletoras, os recursos do Fundo devem ser direcionados exclusivamente para obras de coleta e tratamento de esgoto, o que excluía a drenagem, ou seja, não podem ser utilizados em serviços de drenagem, como previsto no inciso VI.
A Lei 4320/64, prevê: (ipsis litteris)
Art. 71. Constitui fundo especial o produto de receitas especificadas que por lei se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação.
Art. 72. A aplicação das receitas orçamentárias vinculadas a fundos especiais far-se-á através de dotação consignada na Lei de Orçamento ou em créditos adicionais.
Art. 73. Salvo determinação em contrário da lei que o instituiu, o saldo positivo do fundo especial apurado em balanço será transferido para o exercício seguinte, a crédito do mesmo fundo.
Art. 74. A lei que instituir fundo especial poderá determinar normas peculiares de contrôle, prestação e tomada de contas, sem de qualquer modo, elidir a competência específica do Tribunal de Contas ou órgão equivalente.
Desta forma, as receitas do FTE, S.M.J., estão vinculadas aos serviços determinados e nos termos da Lei orçamentária.
Trata ainda o projeto da remuneração da concessionária que resultará da soma das tarifas pagas pelos usuários dos serviços concedidos. Por indicação de soma das tarifas, presume-se que haverá mais de uma, sem nenhuma especificação.
E isso contraria a Constituição Federal, porquanto no art. 175, § único, inciso III, há expressa indicação da necessidade em constar da Lei a política tarifária.
O art. 5º do Projeto, prevê aportes financeiros provenientes do FTE. Contudo, consta que o valor para finalizar a ETE é R$ 187.177.133,87 (cento e oitenta e sete milhões, cento e setenta e sete mil, cento e trinta e três reais e oitenta e sete centavos) e, de acordo om o balancete divulgado pelo DAE, (Diário Oficial de 08/06/2023) o Saldo da conta do FTE importa em R$ 202.078.127,28 (Duzentos e dois milhões, setenta e oito mil, cento e vinte e sete reais e vinte e oito centavos).
Pelo que se vê, a verba existente é suficiente para a conclusão da ETE Vargem Limpa e, nos termos que foram pactuados anteriormente, a empresa que vencer a licitação, caso a Administração resolva terminar a obra, deve operar a Estação por determinado período (18 meses) tempo suficiente para criar cargos necessários, prove-los e treinar os servidores do DAE.
O Art. 6º do projeto prevê o exercício das atividades de fiscalização e regulação da prestação dos serviços públicos observará, em especial, o disposto na Lei Federal nº 11.445, de 05 de janeiro de 2.007, com a redação da Lei Federal nº 14.026, de 15 de julho de 2.020, ficando o Poder Executivo autorizado a delegar a entidade reguladora e fiscalizadora dos serviços de saneamento básico, independentemente da modalidade de sua prestação. A delegação de competência prevista, precisa ser analisada, porquanto a titularidade dos serviços é da Autarquia.
- Portanto, de acordo com a legislação a competência para os assuntos relativos a captação, tratamento e distribuição de água e coleta, tratamento esgoto é do Departamento de Água e Esgoto de Bauru – DAE, não sendo possível ao Munícipio conceder os serviços que foram outorgados à Autarquia, sem alterações legislativas. As demais indagações seguem como ponto de partida para o necessário debate público de tema com tamanha repercussão e alcance jurídico, estrutural, econômino e social.
O autor é advogado e procurador Jurídico aposentado do DAE Bauru
Com todo respeito ao nobre Procurador não lhe assiste razão em suas observações, fica claro que sua manifestação é corporativista.
E se a Prefeita decidir ampliar a concessão da água e do esgoto, todos no mesmo pacote, excluindo a drenagem, resolveria todos os questionamentos?
Benedito Roberto Meira deve ser o vereador da cidade de bauru? Se é o vereador acredito que deve a haver respeito a explanação do procurador, uma vez que esse levantamento era o mínimo que os vereadores que nos representam na Câmara já deveriam ter levantado a questão. Que o sr. é a favor da concessão do DAE de Bauru isso nós estamos cansados de saber. Não vi na opinião do procurador um defesa corporativista, mas fatos coerentes e embasamento legal. Não vi texto mal redigido e termos vagos como no projeto que está em pauta. Como pode os vereadores de Bauru ainda não ter se pronunciado, vendo todo esse alvoroço dos servidores preocupados com o futuro do seu emprego e o impacto que isso criará na funprev ? Onde estão os levantamentos? O dinheiro que está no fundo não dá para construir a ETE? Por que envolver drenagem?Por que não aconteceu mobilização dos vereadores para saber e expor todo o processo da ETE? Como pode haver a contratação de uma empresa para construir, outra para fiscalizar e outra para fazer projeto e após anos ninguém responder por isso? Vamos ter bom senso e cada um fazer o seu papel. Não vejo vereadores lutando pela autonomia do DAE, só vejo essa guerra na tentativa de culpar sempre o DAE. A população deve lembrar que temos direitos e deveres , não podemos abrir mão de uma empresa que já tem estrutura de água e esgoto pronta e dinheiro do fundo FTE sem bastante discussão antes. Não deve haver desvio de finalidade e nem querer resolver todos os problemas no grito. Vamos ponderar, pois cabe inúmeras variáveis na situação.
Texto importante que questiona aspectos jurídicos pertinentes, aspectos não realizados de estudos de impactos econômicos e sociais sobre a estrutura do Dae, e ainda deixa claro que há recursos suficientes para se investir nas condições públicas de o DAE ter autonomia para gerir a ETE. Este é sim um debate entre visões privatistas e oportunistas de retirada de recursos públicos, e o investimento necessário público para adequar a autarquia às novas demandas e necessidades com a ETE.
Como arquiteta e urbanista fico preocupada com as futuras gerações, tenho algumas críticas ao Projeto de Lei nº 28/23 que tem três temas: Tratamento de Esgoto / Concessão dos serviços dos DAE / Drenagem urbana da Avenida Nações. Ser imediatista não resolverá os problemas de falta de água e esgoto, solução Tratamento Esgoto e nem resolver o problema drenagem em Bauru. É necessário adotar uma abordagem abrangente, com foco na sustentabilidade e conservação dos recursos hídricos para garantir um futuro melhor para as gerações futuras. E não concessão do DAE que isso se resolve.
A concessão dos serviços de água e esgoto em outras cidades foi um desastre completo. As experiências anteriores demonstraram que confiar a execução desses serviços a entidades privadas resultou em consequências desastrosas. Houve falta de investimentos adequados, má qualidade dos serviços prestados e ausência de responsabilidade ambiental. Esses casos sombrios devem servir como um alerta claro de que a concessão pode levar a uma tragédia e deve ser evitada a todo custo.