Seu voto será à esquerda ou à direita?

Por Luciano Olavo da Silva
Caso seu entendimento da democracia vá além dos “posts” de mídias sociais ou das apressadas frases de efeito dos marqueteiros de campanha, você já constatou que a ciência política define como democrático o regime onde há ampla participação de todas as ideologias e segmentos presentes na sociedade, e, também, onde há temporariedade dos ocupantes do poder.

Como decorrência dessa constatação, também deve ter percebido que, se todas as ideologias podem participar e se apenas de modo temporário permanecem no poder, a perene sucessão democrática de ideologias fará com que a característica final do poder político não se acomode a nenhuma delas, mas resulte em algo transverso a todas, em uma mediana, de modo que, mesmo que seja esta a intenção, o Estado não poderá ser de direita, de esquerda ou seja lá do que for, já que seu poder político será necessariamente a síntese resultante da convivência dialética de todas as bandeiras.
Não por outra razão, desde o início dos anos 90 a corrente majoritária e mais atualizada da ciência política tem defendido o fim da díade esquerda-direita, e quando ainda naquela época o grande Norberto Bobbio tentou defender que a referida classificação conservava seu espaço no mundo, recebeu, segundo ele mesmo narra, numerosas e qualificadas críticas em todos os cantos do mundo aonde sua obra chegou.
Há, no entanto, uma questão que merece destaque: se é fato que a democracia põe esquerda e direita no liquidificador e cria um novo suco cujo nome e sabor a ciência política ainda não chegou a um consenso após reconhecê-lo, isso nos leva a concluir que apenas os regimes não democráticos foram indiscutivelmente de esquerda ou de direita, como aliás parece corroborar os dados históricos.

Tenho para mim que ninguém de boa fé negaria que Cuba, Coreia do Norte e Venezuela são regimes de esquerda, tanto quanto não negaria que as ditaduras brasileira, chilena e peruana foram regimes de direita. Todos esses regimes têm em comum a ausência de democracia e a possibilidade de serem enquadrados facilmente como de esquerda ou de direita.
Por outro lado, quem analisa desapaixonadamente Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Dinamarca, Suécia ou qualquer outro país que se possa considerar democrático, ora perceberá protecionismos e políticas sociais que costumeiramente são atribuídos à teoria política de esquerda, ora perceberá liberalismo econômico, conservadorismo político, desburocratização, minimalismo estatal e outras tantas características tradicionalmente atribuídas à teoria política de direita.

Isso porque, a bem da verdade, não são nem de esquerda, nem de direita, já que ser estritamente uma coisa ou outra implica, como dito, em não ser democrático. Esses países são, cada um deles, a particular síntese possível, necessária e democrática das ideologias pretéritas, e ponto!
Também é salutar lembrar que os purismos de extrema direita e de extrema esquerda, em que pese as divergências que os separam, convergem no pouco apego que nutrem pela democracia, de modo que talvez ainda vejam sentido nos velhos rótulos esquerda e direita, já que não veem sentido na democracia.
Em face do que foi exposto, sou levado à consideração de que esses que se odeiam por se entenderem de esquerda ou de direita, ou são extremistas antidemocráticos, ou são anacrônicos desinformados das mudanças do mundo, ou têm problemas pessoais e se apegam a qualquer mínima diferença que possam utilizar como justificativa para odiar, ainda que não entendam muito bem as diferenças que alegam enxergar.

Sei, contudo, que não são politicamente de direita e nem esquerda, pois não se pode ser algo que já não existe, a menos que possuam uma máquina do tempo ou se mudem para outro regime onde a democracia não seja bem-vinda.

 

O autor

É graduado em Direito e Filosofia, especialista em Direito Eleitoral, Mestrando em Filosofia Política

1 comentário em “Seu voto será à esquerda ou à direita?”

  1. Oportuno o contraponto deste artigo ao demonstrar que governos de esquerda ou de direita, na essência, são antidemocráticos. Melhor ainda a conclusão: “esses que se odeiam por se entenderem de esquerda ou de direita” além de extremistas são desinformados anacrônicos das mudanças do mundo. Ótima é a alternativa que o autor deixou para quem pretende escapar do diagnóstico preciso: portador de “problemas pessoais”. Entretanto é preciso fazer justiça na citação de Norberto Bobbio, pois as críticas que sofreu dos defensores “pós-modernos” da obsolescência desses conceitos, foram rebatidas a contento. Afinal, se o Estado Democrátivo não pode ser de esquerda ou de direita, como muito bem aponta o artigo, porque “decorre da síntese dialética de todas as bandeiras”, é porque bandeiras existem. E os inofensivos conceitos de esquerda-direita – sem juízo de valor – continuam úteis para distinção da riqueza do pensamento humano, necessários para se conhecer o real funcionamento da sociedade.

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