Uma opinião jurídica sobre o vespeiro das ‘verbas temporárias’ incorporadas a aposentadoria

 

Por Celso Wagner Thiago

A Prefeitura de Bauru e a Fundação de Previdência dos servidores efetivos de Bauru realizam levantamento no quadro de aposentados para constatação daqueles que possuem verbas, que dizem temporárias, nos proventos.
Notícia que se tem é que o entendimento que estas verbas não podem integrar aposentadoria, pois vedada pela Emenda constitucional 103/2019, especificamente na Reforma Previdenciária, indicando o art. 39, § 9º.
Entretanto, apesar destas colocações, alguns apontamentos precisam ser efetuados.
O artigo invocado, preceitua que:

Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas. (Vide ADI nº 2.135)
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes
§ 9º É vedada a incorporação de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão à remuneração do cargo efetivo

A existência de dois artigos 39 se deve ao fato da discussão sobre o Regime Jurídico Único dos servidores, que deverá ser resolvido pelo Supremo Tribunal Federal.
O artigo 39 trata do regime de remuneração dos servidores da ativa, e, o parágrafo 9º, é pertinente as incorporações havidas no âmbito da Administração, ou seja, aquelas previstas no art. 86 da Lei Orgânica Municipal. Assim, as incorporações de diferença de remuneração havidas após a vigência da Emenda Constitucional 103/2019, podem ser questionadas pela Funprev.
Pelo que se sabe, já não ocorreriam mais, sendo certo que aquelas incorporações já homologadas, antes da vigência da Emenda 103/19, estão protegidas pelo manto do direito adquirido, visto que derivam de ato jurídico perfeito.
Além do que, “A possibilidade de incorporação não conflita com a redação do parágrafo 9º do artigo 39 da Constituição Federal (CF/88), pois esse dispositivo trata do regime de remuneração dos servidores públicos da ativa e não do regime previdenciário a eles aplicável.” (TCE/PR)
O que se tem notícia é que o entendimento é de que Adicionais de Insalubridade, Periculosidade e Adicional de Jornada, são verbas temporárias e por esse motivo não poderiam integrar os proventos de aposentadoria. Primeiro, há necessidade em esclarecer que adicional é vantagem pecuniária não temporária.
Saudoso mestre Hely Lopes Meirelles, define que:

“Adicionais são vantagens pecuniárias que a administração concede aos funcionários em razão do tempo de exercício (adicionais de tempo de serviço), ou em face da natureza peculiar da função, que exige conhecimentos especializados ou em regime próprio de trabalho (adicionais de função). Os adicionais se destinam a melhor retribuir os exercentes de funções técnicas, científicas e didáticas, ou a recompensar os que se mantiveram por longo tempo no exercício do cargo.
O que caracteriza o adicional e o distingue da gratificação é o ser, aquele, uma recompensa ao tempo de serviço do funcionário, ou uma retribuição pelo desempenho de funções especiais que refogem da rotina burocrática, e, esta, uma compensação por serviços comuns executados em condições anormais para o funcionário, ou uma ajuda pessoal em face de certas situações que agravam o orçamento do servidor.
O adicional se relaciona com o tempo ou com a função; a gratificação se relaciona com o serviço ou com o servidor. O adicional, em regra, adere ao vencimento e por isso tem caráter permanente; a gratificação é autônoma e contingente. Ambos, porém, podem ser suprimidos para o futuro.
Fixada a distinção conceitual entre adicional e gratificação, vejamos as modalidades ou subespécies de adicionais (de tempo de serviço e de função), para, após, examinarmos as gratificações e suas variantes, encontradiças na prática administrativa. Os estatutos frequentemente confundem gratificações com adicionais. Sempre que se cria um adicional o legislador o coloca no rol das gratificações sem atentar para a sua verdadeira natureza jurídica, como está ocorrendo com os adicionais de tempo de serviço, de dedicação pleno e de nível universitário, mal rotulados como gratificações. Até mesmo o adicional por tempo de serviço está incluído dentre as gratificações previstas no Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União (art. 145, XI); por outro lado, algumas gratificações verdadeiras são consideradas como vantagens autônomas (v. g. as diárias e a ajuda de custo), ou são colocadas como adicionais de função (v. g. a denominada função gratificada).

Dessa confusão conceitual entre gratificação e adicional resulta o caos administrativo que se observa na legislação em geral. (destaquei).

Assim, os adicionais elencados pela Prefeitura Municipal e Funprev, aderem ao vencimento, não sendo uma verba temporária e sim permanente e, como diz o mestre administrativista, podem ser suprimidos para o futuro, ou seja, da edição de Lei específica com efeito para o futuro.
Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, ensina que:

“Cumpre esclarecer, todavia, que uma situação jurídica pode considerar-se pretérita em mais de um sentido. Vale dizer: pode-se restritivamente, reservar tal qualificação a fatos passados em que tanto a situação jurídica quanto ao gozo dela já estejam ambos, cumpridos e, portanto, encerrados no pretérito.”
E, conclui o Professor” Seria o caso, e.g., do transcurso do período de tempo de trabalho necessário para que um funcionário goze férias e a efetivação deste gozo. Se ambos sucedem no tempo pregresso, tem-se um fato, uma situação absolutamente consumados. Normas sucessivas, à obviedade, não interfeririam com eles, inobstante viesse regular diferentemente a matéria, exigindo, v.g, lapso temporal de trabalho maior para obter as férias e período de gozo menor. Idem quanto à aquisição de vencimentos, gratificações, adicionais etc., uma vez efetivada a percepção deles.” (destaques do próprio texto)

Não bastasse, a Lei Municipal 4830 de 17 de maio de 2002, que criou a Fundação de Previdência dos Servidores Públicos Municipais efetivos de Bauru, trouxe no art. 62:

Art. 62. Entende-se como remuneração de contribuição o valor constituído pelo subsídio ou o vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias permanentes, das incorporáveis, estabelecidas em lei, dos adicionais de caráter individual ou outras vantagens, excluídas: (Redação dada pela Lei nº 5397 de 06/10/2006)
I – as diárias para viagens;
II – ajuda de custo para filho deficiente;
III – a indenização de transporte;
IV – o salário-família;
V – vale-compra ou vale-alimentação;
VI – auxílio-acidente;
VII – a parcela percebida em decorrência do exercício de cargo em comissão ou de função gratificada; (Acrescentado pela Lei nº 5397 de 06/10/2006)
VIII – a ajuda de custo estudante; (Acrescentado pela Lei nº 5397 de 06/10/2006)
IX – o abono de permanência de que trata o art. 139 desta lei; (Acrescentado pela Lei nº 5397 de 06/10/2006)
X – outras parcelas cujo caráter indenizatório esteja definido em lei; e (Acrescentado pela Lei nº 5397 de 06/10/2006)
XI – remuneração de férias, correspondente a 1/3 (um terço) constitucional. (Acrescentado pela Lei nº 5397 de 06/10/2006)
XII – a verba “pró-labore” por participação em banca de concurso público; (Acrescentado pela Lei nº 6492 de 27/02/2014)
XIII – horas extras; (Acrescentado pela Lei nº 5686 de 15/12/2008)
XIV – adicional noturno; (Acrescentado pela Lei nº 5686 de 15/12/2008)
XV – a gratificação por atuação como fiscal em concursos públicos e processos seletivos; (Acrescentado pela Lei nº 6492 de 27/02/2014)
XVI – as gratificações pagas por participação em Comissões de Licitação, Pregão Eletrônico ou Pregão Presencial; (Acrescentado pela Lei nº 6492 de 27/02/2014)
XVII – a gratificação paga aos membros titulares e suplentes da Comissão Eleitoral da FUNPREV; (Acrescentado pela Lei nº 6492 de 27/02/2014)
XVIII – as gratificações por exercício dos mandatos de Conselheiros e Presidente da FUNPREV; (Acrescentado pela Lei nº 6492 de 27/02/2014)
XIX – a gratificação natalina percebida pelos Conselheiros e Presidentes da FUNPREV; (Acrescentado pela Lei nº 6492 de 27/02/2014)
XX – o adicional de sobreaviso; (Acrescentado pela Lei nº 6492 de 27/02/2014)
XXI – os Plantões extras; (Acrescentado pela Lei nº 6492 de 27/02/2014)
XXII – a gratificação de qualificação técnica especial, criado pela Lei Municipal nº 6.145, de 07 de novembro de 2011; (Acrescentado pela Lei nº 6492 de 27/02/2014)
XXIII – o prêmio de incentivo criado pela Lei Municipal nº 6.057, de 19 de abril de 2011; e (Acrescentado pela Lei nº 6492 de 27/02/2014)
XXIV – os valores pagos a título de substituições de cargos em comissão e funções de confiança. (Acrescentado pela Lei nº 6492 de 27/02/2014)
§ 1º (VETADO)
§ 2º O segurado ativo poderá optar pela inclusão na remuneração de contribuição de parcelas remuneratórias percebidas em decorrência de local de trabalho, do exercício de cargo em comissão ou de função de confiança, para efeito de concessão dos benefícios com fundamento nos arts. 86, 92, 92-A, 92-B e 142, respeitada, em qualquer hipótese, a limitação estabelecida no § 5º do art. 82. (Redação dada pela Lei nº 5686 de 15/12/2008)
§ 3º A gratificação natalina previdenciária será considerada, para fins contributivos, separadamente da remunerarão de contribuição relativa ao mês em que for paga. (Acrescentado pela Lei nº 5397 de 06/10/2006)
§ 4º Para o segurado em regime de acumulação remunerada de cargos considerar-se-á, para fins da FUNPREV, o somatório da remuneração de contribuição referente a cada cargo. (Acrescentado pela Lei nº 5397 de 06/10/2006)
§ 5º O Tesouro Público Municipal é o responsável pela cobertura de eventuais insuficiências financeiras da FUNPREV, decorrentes do pagamento de benefícios previdenciários. (Acrescentado pela Lei nº 5397 de 06/10/2006)
§ 6º Para efeito de cumprimento do “caput”, entende-se como vencimento do cargo efetivo as vantagens pecuniárias permanentes, de caráter individual, outras vantagens, o estabelecido a Lei Municipal nº 5.387, de 28 de agosto de 2006. (Acrescentado pela Lei nº 5686 de 15/12/2008)

Nos incisos trazidos pela Lei, constam os adicionais que são excluídos da remuneração de contribuição, sendo certo que não aparecem nenhum dos adicionais elencados pela Prefeitura/Funprev.
E não é somente esta Lei, porquanto a Lei Municipal 5387 de 28 de Agosto de 2006, prevê expressamente no artigo 1º:
Art. 1° Incorporam-se integralmente aos vencimentos se quando da concessão dos benefícios previdenciários previstos no art. 73 da Lei n° 4.830, de 17 de maio de 2002, o beneficiário estiver recebendo há mais de 10 (dez) anos consecutivos os seguintes adicionais: (Redação dada pela Lei nº 5873 de 23/02/2010):
I – adicional de jornada;
II – adicional de condições adversas;
III – adicional especial de saúde;
IV – produtividade aos fiscais de posturas municipais;
V – gratificação de 10% (dez por cento) da carreira de magistério; (Revogado pela Lei nº 5999 de 30/11/2010)
VI – gratificação dos procuradores jurídicos;
VII – adicional para área mecânica e afins;
VIII – adicional de telefonia e vigilância;
IX – as produtividades do Departamento de Água e Esgoto de Bauru, regulamentadas através de resoluções do Conselho Administrativo, sobre as quais há incidência da contribuição previdenciária;
X – adicional de Ensino Especial; (Acrescentado pela Lei nº 5498 de 26/11/2007)
XI – gratificação de diretor de escola e coordenador de área, coordenador de jovens e adultos e coordenador de ensino especial; (Acrescentado pela Lei nº 5498 de 26/11/2007)
XII – adicional de insalubridade; e (Acrescentado pela Lei nº 5873 de 23/02/2010)
XIII – adicional de Periculosidade. (Acrescentado pela Lei nº 5873 de 23/02/2010)
Parágrafo único. A incorporação de que trata este artigo, será proporcional se o servidor não completar o período, sendo 1/120 (um cento e vinte avos) por mês.

Portanto, há expressa previsão legal para que os valores, hoje contestados, sejam agregados aos proventos, porquanto a contribuição foi realizada, e os requisitos preenchidos.
Outro ponto a ser observado, diz respeito a eventual supressão dos adicionais, porquanto fere princípios previdenciários, dentre eles o chamado princípio contributivo-retributivo previdenciário, que determina que as contribuições realizadas pelo trabalhador devem se converter, de maneira obrigatória, em benefício previdenciário;
Observe-se ainda, o Princípio da irredutibilidade do valor dos benefícios, que decorre do princípio da segurança jurídica, ou seja, impede que o valor percebido pelo segurado a título de benefício seja diminuído, ainda que por força de lei superveniente à sua concessão. Por seu caráter contributivo, o benefício não poder ser reduzido (artigo 194, § único, IV da Constituição Federal).
O Supremo Tribunal Federal (STF), tem o entendimento de que é necessário, para a incorporação de verbas transitórias aos proventos de aposentadoria de servidor público, que, ao tempo da edição do ato de inativação, exista lei em sentido estrito editada pelo respectivo ente federativo – municipal ou estadual -que preveja a forma de incorporação. (TCE/PR)
No Município de Bauru, a Lei nº5387/06 traz a previsão específica e os requisitos para que os valores dos adicionais integram a aposentadoria, estando vigente e em consonância com o entendimento da Suprema Corte.
Desta forma, está comprovada a existência de previsão em lei em sentido estrito – princípio da reserva legal -; o recolhimento de contribuição previdenciária sobre essas verbas – princípio contributivo e preenchimento dos requisitos legais, as aposentadorias estão corretas.
Portanto, a pretensão em suprimir as verbas indicadas, para que possa ocorrer deve existir uma alteração legislativa com efeitos para o futuro, mesmo porque, em homenagem ao art. 5º, XXXVI da Constituição Federal, deve haver preservação do que está consolidado na legislação previdenciária municipal vigente.

 

O autor é

Advogado e procurador Jurídico aposentado do DAE Bauru

 

2 comentários em “Uma opinião jurídica sobre o vespeiro das ‘verbas temporárias’ incorporadas a aposentadoria”

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