Milton Ribeiro, ministro da Educação (reprodução: Agência Brasil)
Sentença da 6ª Vara Cível Federal de São Paulo/SP condenou, ontem (12/5), a União Federal ao pagamento de indenização no valor de R$ 200 mil como forma de reparação pelos danos morais coletivos causados por declarações discriminatórias do ministro da Educação, Milton Ribeiro, contra a população LGBTI+, em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo no dia 24/9/2020. A decisão é da juíza federal Denise Aparecida Avelar.
Segundo as entidades de defesa dos direitos da população LGBTI+ que ingressaram com a ação, o depoimento do ministro ao jornal possuiu conteúdo “homotransfóbico”, notadamente por defender a proibição da discussão da temática dentro das salas de aula e por relacionar a opção pela homossexualidade, em sua origem, a contextos familiares “desajustados”. Sustentaram que as falas configuraram discursos de ódio e confrontaram diversos princípios constitucionais, notadamente o da proteção à família, justificando o dever de reparação coletivo por danos morais.
Além disso, afirmaram que as declarações implicaram em desserviço social, estimularam a segregação, obstaram a discussão da igualdade de gênero e fomentaram a violência contra a população LGBTI+, e que o Supremo Tribunal Federal, em julgamento à Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26, reconheceu a prática de homotransfobia como crime de racismo, tipificando-a no art. 20 da Lei nº 7.716/1989. Por fim, requereram uma indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 5 milhões.
O ministro alegou, em sua defesa, que após a publicação da matéria pelo jornal verificou-se a seleção de trechos isolados da entrevista por perfis de redes sociais, com a finalidade de lhe atribuir opiniões e juízos de valores que jamais externou. A União Federal, por sua vez, disse ser parte ilegítima para responder às declarações públicas dos ministros de Estado e considera tratar-se de atos pessoais dissociáveis daqueles praticados pelos agentes na qualidade de funcionários estatais.
Em sua decisão, Denise Avelar afirma que a íntegra da entrevista dizia respeito ao retorno das aulas no país após a deflagração da pandemia de Covid-19, em alusão direta aos planos da pasta para a gestão da educação em território nacional, e que os trechos destacados pelas entidades autoras diziam respeito às respostas quando questionado sobre a abordagem da educação sexual nas salas de aula, a discussão sobre práticas de “bullying” e a presença de professores transgêneros no ambiente letivo.
“As declarações (do ministro) não podem ser reduzidas ao patamar de meras opiniões pessoais, tais como aquelas que são veiculadas rotineiramente por intermédio de redes sociais ou canais de comunicação exclusiva com público restrito e direcionado. Inserem-se, portanto, no contexto de ato praticado por agente da Administração no exercício de suas atribuições, de modo que eventuais danos dele decorrentes deverão ser suportados exclusivamente pela União Federal, nos termos do entendimento firmado pela Corte Superior em sede de repercussão geral”, afirma a juíza.
Denise Avelar ressalta que a Constituição Federal assegura aos cidadãos, na forma do art. 5º, inciso V, o direito de resposta (proporcional ao agravo) e de indenização em decorrência de danos morais experimentados, tomando por invioláveis, em seu inciso X, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.
“É necessário destacar que, no contexto do desempenho de suas funções, as responsabilidades atribuídas aos agentes públicos, aqui incluídos os agentes políticos, produzem contorno especial à liberdade de expressar pensamentos, ideias e informações, retirando-a do patamar em que se encontra o direito assegurado aos cidadãos, submetidos ao regime de direito comum”.
A magistrada acrescenta que, de fato, a leitura da entrevista “evidencia posicionamentos que excedem o limite da opinião pessoal e investe diretamente contra a imagem da população LGBTI+, cuja opção de gênero é repassada ao público como algo anormal e invariavelmente relacionada a ambientes familiares problemáticos […]. Assumem contornos de discriminação e preconceito, visando a marginalização de parcela da população em prol de supostos princípios e valores assumidos”.
Para Denise Avelar, posturas dessa natureza tendem a desestabilizar a paz social e correm na contramão da evolução política e jurídica referente às conquistas sociais dos últimos anos, implicando em violação direta às garantias constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana.
Por tratar-se de dano moral coletivo, a juíza afirma que a indenização deve possuir o caráter compensatório, a fim de reparar o dano sofrido que a conduta ilícita causou à coletividade, além de atuar como medida pedagógica, de prevenção a reiteração da prática censurada. “Desse modo, entendo razoável a fixação da condenação em indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 200 mil, que serão revertidos ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos”. (RAN)
Ação Civil Pública no 5020239-50.2020.4.03.6100 – íntegra da decisão