
A bola rola no campeonato amador de futebol de Bauru de 2025 neste mês de junho, anunciou o governo municipal apenas agora. Faltam campos, a falada unificação dos campeonatos sucumbiu, de novo, e a estrutura nos estádios continua deficiente. Há anos. Mas no melhor dos palcos bauruenses entre os poucos aptos a se praticar o esporte da bola com chuteiras, a realidade é de dar exemplo no Triagem. Sim, dos 4 locais pretendidos pela Secretaria Municipal de Esportes (Semel) e a Liga de Futebol Amador para as rodadas do campeonato deste ano, todos os clubes querem o Mirante Ferroviário. A razão? O local reúne e mantém, ao longo do ano, o melhor gramado para a prática do futebol entre os campos amadores de Bauru.
E como história se conta, também, com datas, coincidentemente, esta segunda-feira amanhece festiva no Campo do Triagem, como é conhecido nas vilas. Há exatos sete anos, em um dia 9 de junho, um grupo de amigos praticantes de futebol, com inúmeros integrantes da Polícia Militar, na ocasião, iniciou com as ações do Clube Amigos da Bola (Cabo). Se já estava selada a história do Triagem – time consagrado com vários títulos no futebol amador bauruense e campeão estadual na modalidade – deu-se em 9/06 o início da jornada pela prática do esporte como lazer.
Arnaldo Regalin, executivo tarimbado no RH com longa carreira na ferrovia, zagueirão duro no combate nos gramados pelo time do Triagem, no início jogou na retranca com a ideia. Mas o domador de fera Tupã (militar que atuava com a turma dos policiais) insistiu. “No começo eu confesso que resisti, preocupado com a existência do Triagem, depois de anos de glórias no Amador Bauruense e campeão estadual. Mas felizmente deu tudo certo e hoje temos um grupo de amigos e praticantes de futebol que dá orgulho. Uma família”, contou Nardão na última semana.
Toda quarta-feira, às 16 horas, a bola rola para os escretes dos times formados dessa junção. As camisas personalizadas do CABO são branca, com listra vermelha diagonal e calção vermelho, e listrado preto e branco, com calção preto (veja o pessoal da foto).
Nas pelejas semanais só joga quem tem a partir de meio século de vida. A mescla do grupo é singular. Tem praticante setentão, sessentão. Claro! E ai de quem não tocar a bola para o experiente ao lado, só porque tem menos rodagem (no RG)! O grupo vive com lista de espera. A busca para entrar no Cabo é, por vezes, maior do que a própria disputa nas partidas.

A diretoria atual conta com Nardão no comando geral e Risse, Marcão, Tupã e Amaral no quinteto principal. (publicar com nome de batismo tira todo o charme). Mas o espírito coletivo vem de outras frentes. Betão é voluntário na cozinha, Venturini no apito. O Ari está sempre por lá, na bandeira. Rubinho é o caseiro. Ticapomba é o astro vindo do profissional, vários atletas desfilaram talento na várzea. Foguinho é o parceiro em outra frente: da molecada que faz aula de futebol no outro campo.
E assim segue a pelota. O gramado resiste a seca e número de jogos porque recebeu adubo, replantio das partes mais ruins e é irrigado (tem poço artesiano lá).
No Triagem, como em outros grupos, as resenhas são realizadas com alguns grupos se revezando nas semanas. Mas com uma diferença: ninguém controla o bar! Como assim? Cada um pega sua bebida, marca no caderno e paga (inclusive cuidando do troco, se for em dinheiro). Uma vez por mês, os amigos se reúnem para a celebração dos aniversariantes do período. O almoço é sem custo para os sócios. Oferecido pela diretoria.
Em se tratando de futebol, uma botinada ou outra (na bola) faz parte do jogo (como diria Pitanga). Assim, lá o cartão amarelo se paga com alimentos (para incrementar a ação social coordenada por Amaral). E cartão vermelho tem punição sem jogar uma ou mais rodadas (dependendo do nível do destempero) e a entrega de uma cesta básica integral.
Mas uma regra fundamental explica, em boa dose, o êxito na convivência de um grupo heterogêneo: é inaceitável agressão física ao colega. Brigou, saiu no braço, agrediu: expulsão do grupo.
TRIAGEM NOS ANOS 50
Não há como contar a história de sete anos de dezenas de amigos em um texto. Mas faz sentido, ao menos, dar uns pitacos na memória do Triagem, local onde centenas de ferroviários viveram, inclusive em colônia, como trabalhadores. No mesmo complexo onde hoje estão os campos, foi criado, há 68 anos, o Grêmio Recreativo Triagem (GRET). A inauguração é de 13 de julho.
De fato, a história não faz acasos. Nesta data nasceu Arnaldo Regalin (às 22h15), hoje presidente do clube. Um jornal do Sindicato dos Ferroviários, de Jundiaí, depois registrou, em homenagem, o nascimento e a realização do primeiro torneio de futebol no Triagem, em disputa com a A.A. Luziana (da vila Santa Luzia) e E.C. Ponte Preta (Vila Coralinha).
Conforme o recorte a seguir, estiveram presentes autoridades como Hary Normanton, então presidente do Sindicato dos Empregados da Cia Paulista de Estrada de Ferro e Woltayre N. dos Santos, médico na cidade de Dois Córregos. Ambos eram candidatos a deputado na ocasião.
O local onde hoje está o complexo esportivo do Triagem, na região do Jardim Guadalajra, foi, na origem, uma opção de lazer para os trabalhadores. O salão social foi construído na década de 40, conta Regalin. Lá funcionava o Clube de Dança (foto a seguir). Em 13/07/57 o clube incorpora o futebol – prática que suplantou o pessoal que gostava de bailes e assim permaneceu por anos.
O time não só “vingou” como formou equipes competitivas. No início da década de 70, por exemplo, o juvenil era forte, como o campeão brasileiro pelo Coritiba (PR), Lela (na foto abaixo agachado, no meio, com o pai dele), o goleirão Nei Batuque, Nardão na zaga, entre outros.
Se a história começou na década de 50, é relevante um registro alegre de 1951 – sim, o ano em que o Brasil inteiro chorou a derrota no Maracanã, no mundial, para o Uruguai, por 2×1. Os associados do GRET, do salão de dança, se reuniram no Carnaval. Como se vê na foto abaixo, a turma estava fantasiada de mulher para a diversão da época.
A imagem pioneira do GRET, foi a do primeiro título. O campeonato tinha o nome de Incentivo. Era a disputa da Segunda Divisão na época, onde quem vencia subia para disputar o Amador. Sim! Bauru teve campeonato com acesso e queda, estimulando a formação de equipes fortes em dois segmentos. O Triagem venceu o E.C. Prudência. A foto foi fornecida ao presidente Nardão Regalim por Natal, então funcionário da Prefeitura de Bauru- que disputou a partida final (o segundo em pé, a esquerda).
O Triagem foi criado em 1958, com o estatuto novo agregando o Clube de Dança com o Futebol em 1959, aos 23 de janeiro. A seguir, o original do documento, fornecido por Arnaldo Regalim:
Como se sabe, Bauru nasceu e cresceu em função da ferrovia. A cidade se transf0rmou em um dos maiores entroncamentos da América Latina. A própria vinda do menino Edson Arantes do Nascimento para Bauru, nos anos 50, tem estreita relação com a ferrovia. Aqui o garoto foi apelidado do hoje imortalizado Pelé – maior jogador de futebol de todos os tempos. Ele corria pelas ruas do Centro, como na Rua Rubens Arruda, onde a família morou na origem. Estudou no então colégio Ernesto Monte – que funcionava no prédio fechado, há anos, na esquina das ruas Agenor Meira com a R. Bandeirantes, no Centro.
Ocorre que o enorme patrimônio ferroviário nacional foi abandonado pelos governos. Privatizado, desde os anos 90 a gigantesca estrutura de vagões, oficinas, colônias de trabalhadores e estações, virou ruínas. Um gigantesco cemitério de sucatas está, há anos, exposto ao longo do eixo ferroviário que corta a cidade, como no antigo pátio do Triagem.
As fotos a seguir mostram a última casa de funcionário ferroviário ainda existente (em preto e branco) e, na sequência, registros da deterioração do patrimônio nacional deste importante modal estratégico para a economia nacional e fora, incluindo o inaceitável não desenvolvimento da interligação por trilhos entre os países da América do Sul e os oceanos Atlântico e Pacífico: