A TESTEMUNHA: União é condenada a indenizar delegado da PF de Bauru em ação que aponta perseguição e fraude na Lava Jato

imagem internet – página gov.br

O curto período entre fevereiro e maio de 2015 marca uma história de reconhecimento e, ao mesmo tempo, calvário profissional na vida do delegado da Polícia Federal de Bauru, Mário Renato Castanheira Fanton. É o que está nos autos da ação julgada procedente pela Justiça Especial Federal de Bauru, no mês passado, com condenação da União a indenizá-lo ao equivalente a R$ 66 mil, assinada pelo juiz Cláudio Roberto Canata, da 1ª Vara do Juizado Especial.

Mas a ação revela muito além. Ela traz bastidores da maior operação de combate à corrupção política e institucional no País nos últimos tempos, traz protagonismo e detalhes do agora conhecido “mecanismo” que culminou com o escândalo do Petrolão e abalou a República mas, ao mesmo tempo, acusações de que, entre os episódios, teriam ocorrido crimes praticados no coração da própria operação.

As revelações, conta o delegado bauruense da PF Fanton, lhe custaram muito caro: perseguição, coação, transtornos psicológicos. Conforme a ação, ao ser escalado para apurar (e apontar) condutas que levantou serem ilegais dentro da própria Polícia Federal em Curitiba na Operação Lava Jato, se deparou com casos de fraude, escuta ilegal e outras irregularidades no curso da investigação de contrainteligência.

Na linha do que seria uma discussão sobre se “os meios justificam os fins”, o fato é que as revelações de Fanton se juntam a inúmeros outros relatos – já divulgados pela imprensa nacional – de que a mesma Lava Jato que escancarou o propinoduto e o esquema de poder e corrupção consolidado durante o governo petista no País também contou com capítulos de fraude interna na condução das investigações.

Sim! Fanton conta que teve de investigar colegas, aponta um histórico de perseguição e teve de ir ao Judiciário de Bauru em outras ações para combater reações do “sistema” (abertura contra ele de processo administrativo disciplinar, sindicâncias). No centro deste calvário apontado pelo delegado está o processo judicial de número 000.2480-31.2021.4.03.6325, onde a Justiça Federal de Bauru sentencia indenização a seu favor, no final de maio passado.

A TESTEMUNHA

Mário Renato Castanheira Fanton estava na Polícia Federal de Bauru desde 2006. Em fevereiro de 2015, traz a ação judicial que tramita na JEF local, chefiou todas as equipes de execução de mandados de prisão e busca em investigados da Lava Jato. Ou seja, ainda na fase inicial (2014-2015) do maior escândalo de corrupção estrutural da República, ele foi o “xerife” federal que cuidou do cumprimento de decisões que encarcerou grandes empreiteiros, políticos de alta plumagem em Brasília, etc.

Contudo, ele diz na ação indenizatória que, no mesmo período, atuou em pelo menos duas investigações extremamente sensíveis, além de casos de contrainteligência. Vieram casos Operações como a “Carne Fraca” – onde levantou o caso de desvios junto aos negócios de grandes frigoríficos e atingiu a BRF – e outro episódio que poderia “melar” a própria Lava Jato em si – uso de escuta ilegal contra presos na carceragem da sede da operação, em Curitiba, além da apuração sobre o uso de telefones celulares por presos do esquema.

Do doleiro Alberto Yousseff aos presidentes de grandes empreiteiras nacionais, aos ilustres de colarinho do governo petista,  o delegado conviveu diretamente no centro do covil (interno e externo, segundo ele). De um lado, investigados que transformaram o Palácio do Planalto e boa parte do comando do Congresso e de estatais, como a Petrobras, no esquema sem precedentes de alimentação da corrupção.

De outro, conforme aponta na ação que tramita na Avenida Getúlio Vargas, condutas ilegais de integrantes da corporação responsável pela devassa e esquemas de supostos conluios que envolveriam a elaboração de dossies falsos por servidores da PF com advogados de defesa.

‘DISSIDENTE”

De escalado a depurar infrações internas, Fanton alega na ação que passou a ser perseguido, coagido contraditoriamente por ter sido convocado, pela própria Polícia Federal, a investigar e apresentar (como o fez) ao comando, em Brasília, supostos casos de falsa perícia, fraude processual, prevaricação, condescendência criminosa, falso testemunho, denunciação caluniosa e associação criminosa.

Esses são os crimes que teriam sido cometidos por delegados e procuradores, em Curitiba, no intervalo de 71 dias, entre fevereiro e maio de 2015, período em que Mário Renato Castanheira Fanton atuou na força-tarefa.

Ele fala em coação para supostamente destruir provas que poderiam gerar nulidade à Lava Jato. Diz que prestou depoimento ao alto comando da PF em Brasília, no início de 2015. Mas, a partir de 21/7/2015, quando foi submetido a falar em Corregedoria da corporação – acusado por delegados colegas por outros fatos (suposta violação de sigilo da investigação) -, Fanton conta que passou a viver o “inferno” interno. Segundo ele, foi ameaçado a se calar (sobre as fraudes que aponta ter apurado em sua função de  contrainteligência).

CALVÁRIO 

Afastado por licença médica, o delegado Fanton pediu na ação uma indenização no valor de cem vezes seu salário à época, o que seria algo em torno de R$ 3 milhões.

As denúncias foram feitas nos primeiros dias de maio de 2015. A partir daí, ele passou a responder a uma série de procedimentos investigativos divulgados pela imprensa. Na petição, também foram listadas cerca de 20 reportagens sobre procedimentos internos instaurados contra Fanton.

Em uma dessas matérias, o delegado que atuou em Bauru e aqui se defendeu foi colocado como o integrante da PF que teria tentado “sabotar” a Operação. Pensa a dimensão desta – e de outras publicações – no “calor” da divulgação do esquema e dada a amplitude do caso, muito além fronteiras e que gerou comoção nacional para uso, junto à massa, tanto para o bem quanto para o mal.

O delegado Fanton diz ter sofrido inúmeras retaliações após questionar os métodos da equipe e foi processado criminalmente, civilmente por improbidade administrativa e administrativamente em processo disciplinar, sendo absolvido por falta de provas em 1ª e 2ª instância na esfera criminal e inocentado também da acusação de improbidade. Em sua defesa na Justiça Federal de Bauru, enfrentou o desgaste e viu o processo administrativo disciplinar anulado pela 1ª Vara local.

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