Por Marcos Roberto da Costa Garcia
Sabemos que a pandemia inibiu a circulação de pessoas, refletindo na diminuição nas vendas nos variados tipos de negócios, na redução do emprego, nas rendas das pessoas, e consequentemente no recolhimento de boa parte dos tributos governamentais. Mas vale um olhar mais atencioso em alguns campos tributários, que por vezes não refletem bem essa afirmação. O ICMS do Estado de São Paulo, por exemplo, aumentou significativamente neste primeiro trimestre do ano em relação ao exercício anterior quando se começava a falar da pandemia do Covid.
Em função da pandemia tivemos que mudar a maneira como vivíamos, principalmente como fazíamos nossas compras e nos divertíamos. Deixamos de ir em restaurantes, bares, hotéis, etc. Fomos bem menos aos centros comerciais, e até mesmo deixamos de comprar muitas coisas no mercado de rua também, vale dizer, no mercado informal.
Em compensação, concentramos mais nossas compras nos grandes supermercados, como também utilizamos mais os serviços de delivery, principalmente atrelado às grandes lojas que possuem excelentes plataformas digitais – as quais estão mais concentradas em nosso Estado, abraçando assim mais consumidores de outros. E no caso de refeições, assistimos a um aumento enorme de motoqueiros percorrendo a cidade e as entregando nas casas das pessoas ou até mesmo no serviço. Esses estabelecimentos que já estavam preparados ao mundo virtual antes mesmo da pandemia acabaram saindo à frente.
Se formos observar, quem mais perdeu são justamente aqueles que estavam no mercado de rua vendendo seus lanches, suas frutas, doces etc. Mas como sabemos são trabalhadores que estão na informalidade (logicamente não por vontade própria, em sua grande maioria), e por isso não recolhem tributos sobre suas vendas.
Por outro lado, muitos dos pequenos estabelecimentos que viram e veem seus negócios minguarem nesses tempos de Covid estão, hoje, enquadrados como MEIs (microempreendedores individuais, cujo faturamento anual não pode ser superior a R$ 81.000,00 ). O recolhimento total de tributo para esses é no máximo R$ 56,00 ao mês, sendo R$ 50,00 vinculado à contribuição previdenciária, R$ 1,00 ao ICMS, e R$ 5,00 ao ISSQN.
E numa categoria, mais acima, se encontram as microempresas e as empresas de pequeno porte, que junto aos informais e aos MEIs concentram a maior parte dos trabalhadores brasileiros. E essas quando optantes do Simples Nacional, e que estejam, sobretudo, na faixa inicial de faturamento, possuem um relativo benefício fiscal, pagando, principalmente, menos ICMS e tributos federais. Mas muitos desses, em função da diminuição das vendas, já fecharam suas portas, ou ao menos reduziram drasticamente a quantidade de empregados, ainda que estivessem recolhendo menos tributos relativamente.
Todavia, face à pandemia, os consumidores mais afortunados que conseguiram permanecer com uma certa renda concentraram suas compras nos grandes supermercados, nas grandes redes varejistas e em restaurantes mais preparados com boas plataformas digitais. Ou seja, concentraram os gastos naqueles que já mais faturavam.
Como já mais faturavam, já não podiam optar por formas mais benéficas de tributação, vale dizer que já se encontravam em regimes de tributação que demandam, na maior parte das vezes, maiores recolhimentos. Logo, o que aconteceu foi que o governo estadual de São Paulo, a quem cabe o ICMS, acabou até mesmo vendo aumentar a sua arrecadação, mesmo assistindo a um empobrecimento de boa parte da população, em função tanto do aumento das vendas digitais, como também pelo fato de a concentração desses maiores contribuintes estarem atreladas a um regime de tributação mais vantajoso aos cofres públicos. Cabe ainda salientar que a inflação e o aumento de algumas alíquotas alavancaram ainda mais a arrecadação do ICMS em São Paulo.
Em resumo, nesses tempos de pandemia, concentramos mais renda nas mãos dos já afortunados e esses ajudaram o governo com um maior recolhimento de tributos. Quem perdeu, foi o pequeno, como sempre!!
O autor
é economista, auditor fiscal municipal e professor do IESB Bauru.
Uma visão ampla sobre um problema complexo. Parabéns ao autor.
Grande professor Marcos Garcia, fui seu aluno. Muito ponderado em suas considerações.