Por Ana Cláudia Pires Ferreira de Lima
Nesse mundo repleto de conflitos, pobreza, fome, falta de acesso à educação, à saúde e agressão ao meio-ambiente, nunca foi tão necessária a cooperação entre as pessoas para que o mundo consiga atingir o bem-estar social.
Não podemos nos contentar com nossa própria felicidade e vivermos ilhados em muralhas se o mundo em nossa volta desmorona-se em problemas sociais e ambientais. Você pode e está convidado a co-criar soluções em busca do desenvolvimento da humanidade.
Diante de tanta agressão aos direitos humanos, os Estados Membros da Organização das Nações Unidas assumiram o compromisso para erradicar a pobreza, proteger o planeta e garantir que as pessoas alcancem a paz e a prosperidade, estabelecendo a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, a qual contém o conjunto de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Valente e Belluzzo destacam a importância da atuação da sociedade para a concretização desses objetivos: “A Agenda 2030 é ambiciosa, uma possibilidade concreta e real se pudermos cobrar dos governos essas prioridades. Mas a sociedade civil tem sua parcela de responsabilidade e os conceitos ‘CHAVE’ indicam mecanismos concretos para uma ação efetiva principalmente na educação.”
Sua empresa gostaria de aumentar a produtividade e ser reconhecida como símbolo de inclusão social e cumpridora dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU?
Meu filho, de 18 anos, ganhou uma camisa e a embalagem chamou sua atenção. Havia uma etiqueta com a marca da camisa e a seguinte mensagem: “Não sou um produto. Sou 5 pratos de comida” e no verso a explicação de que para auxiliar no combate à fome, a cada produto vendido e a empresa viabiliza a entrega de 5 pratos de comida para quem necessita.
As empresas que promovem ações sociais cativam seus colaboradores e os consumidores de seus produtos. Os consumidores estão atentos às ações sociais das empresas e começam a curtir e a divulgar a marca nas redes sociais.
É o marketing 4.0 que é alcançado com a defesa da marca pelos próprios clientes, segundo Philip Kotler, considerado um dos dez pensadores mais influentes da área de negócios pelo Wall Street Journal e autor do livro Marketing 4.0, do tradicional ao digital.
Já pensou em desenvolver um projeto social na sua empresa para investir na capacitação profissional de adolescentes e jovens, dando-lhes uma oportunidade de trabalho e conquistando seus clientes?
Muitas empresas têm dificuldade de encontrar profissionais qualificados para determinadas funções e apresentam baixa produtividade.
Cinco em cada dez indústrias enfrentam a falta de trabalhador qualificado, segundo pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Indústria no último trimestre de 2019. A mesma pesquisa alerta que “Os maiores impactos recaem sobre a produtividade da empresa e qualidade do produto. Ou seja, o problema afeta diretamente a competitividade da indústria brasileira”.
O problema de falta de mão de obra qualificada atinge todas as áreas das empresas, mas é maior na área de produção. Entre as empresas que relatam a falta de trabalhador qualificado, 96% afirmam que têm dificuldades para contratar operadores. Ainda na área de produção, 90% das empresas dizem que enfrentam dificuldades para encontrar trabalhadores de nível técnico.
É com muita tristeza que me deparo com processos de acidente de trabalho por falta de capacitação profissional do trabalhador. Os números são alarmantes: em 2018 foram registrados mais de 360 mil acidentes no país, conforme o Anuário Estatístico da Previdência Social. Mais um motivo que demonstra ser primordial o investimento em capacitação profissional, garantindo a saúde e segurança do trabalhador.
Quais as carências de mão de obra de sua empresa? Quais funções demandam tempo de treinamento?
Nesse mundo tão competitivo, além da produtividade, vendas e faturamento, você já se questionou qual o legado que sua empresa quer deixar para a sociedade? Seus trabalhadores se identificam com os valores defendidos pela sua empresa de forma a evitar o turnover e ter que começar a treinar novos colaboradores?
Dentre as causas da carência de mão de obra qualificada, destacam-se a má qualidade da educação básica e a falta de investimento no ensino técnico, que deixa de atrair as novas gerações.
As escolas públicas brasileiras ficaram na posição 65 entre 79 países no ranking mundial de leitura do PISA em 2018, enquanto as escolas particulares de elite do Brasil colocaria o país na 5º posição … Como o Professor de Psicologia da Universidade da Carolina do Norte e Economista Comportamental Dan Ariely nos diz: “ O perigo de não esperar nada é que, no final das contas, isso pode ser tudo o que iremos conseguir”. Não podemos ficar inertes à situação da educação pública em nosso país!
É dever da família, da sociedade e do Estado garantir a proteção integral e prioritária das crianças e adolescentes, inclusive o direito à educação (artigo 227 da Constituição Federal).
A solução para esse problema de carência de profissionais qualificados é melhorar a qualidade do ensino público de crianças, adolescentes e jovens e investir nos cursos técnicos e de Aprendizagem, moldando-os de acordo com as necessidades do mercado, para torná-los mais atrativos.
Proponho um método para melhorar a imagem de sua empresa e ainda investir no treinamento de seus empregados, gerando maior produtividade, inovação e aceitação de sua marca, consistente em cinco passos:
1º- Verifique as áreas de carência de mão de obra qualificada em sua empresa;
2º – Entre em contato com as Escolas Formadoras de Aprendizes e formate um curso de aprendizagem para as funções técnicas dessas áreas;
3º- Contrate aprendizes, dando prioridade aos adolescentes em situação de vulnerabilidade social, em conformidade com a Lei de Aprendizagem;
4º – Desenvolva um projeto social para fornecer aulas de reforço escolar para estudantes das escolas públicas, o que pode ser feito em parceria com uma organização social;
5º – Faça a destinação de parte do Imposto de Renda aos Fundos das Crianças e Adolescentes, de forma a garantir o investimento em projetos sociais para cumprimento dos direitos das crianças e adolescentes.
Com isso estará formando seus profissionais do futuro e humanizando sua empresa, praticando a Responsabilidade Empresarial no eixo de inclusão social.
Compliance, cotas de aprendizagem e formas de cumprimento
O mercado financeiro global exige das empresas a aplicação de um programa de compliance. A palavra compliance é de origem inglesa, que significa conformidade, ou seja, agir em conformidade com a lei, de forma ética, com integridade. As empresas que assim atuam respeitam a legislação, cumprindo as cotas de aprendizagem estabelecidas no artigo 429 da Consolidação das Leis do Trabalho, que determina a contratação de aprendizes equivalente a, no mínimo de 5% até o máximo de 15% dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional.
Estão excluídas da obrigação de contratar aprendizes as entidades sem fins lucrativos, que tenham por objetivo a educação profissional, assim como as microempresas e empresas de pequeno porte.
Ressalta-se que os adolescentes, ou seja, pessoas de 14 a 18 anos, têm prioridade na contratação como aprendizes, conforme art. 53 do Decreto 9.579, de 22/11/2018, exceto se:
a) as atividades práticas da aprendizagem ocorrerem no interior do estabelecimento e sujeitarem os aprendizes à insalubridade ou à periculosidade, sem que seja possível elidir o risco ou realizá-las em ambiente simulado;
b) a lei exigir, para o desempenho das atividades práticas, licença ou autorização vedada para pessoa com idade inferior a 18 anos;
c) a natureza das atividades práticas for incompatível com o desenvolvimento físico, psicológico e moral do adolescente;
d) para trabalhos em horário noturno, penoso ou da Lista TIP (piores formas de trabalho infantil).
Para essas atividades em que não for autorizado o trabalho com idade inferior a 18 anos, as empresas têm três opções para cumprirem seu dever legal de contratar aprendiz:
a) contratar jovens de 18 a 24 anos;
b) contratar adolescente e inscrevê-lo em curso do Sistema Nacional de Aprendizagem (SENAI, SENAC, SENAR, SENAT ou SECOOP) onde são ministradas tanto as aulas teóricas quanto as práticas, em ambientes simulados;
c) mediante requerimento junto ao Ministério do Trabalho, a empresa pode contratar aprendiz e conceder sua experiência prática a outra entidade, nos termos do art. 66 no Decreto 9.579/2018, aqui denominadas cotas sociais de aprendizagem, priorizando a contratação de adolescentes em situação de vulnerabilidade.
O não cumprimento das cotas de aprendizagem deve ser veementemente combatido, uma vez que ofende a legislação trabalhista pátria, especialmente o Direito Constitucional à Proteção Integral e prioritária ao Adolescente.
Os aprendizes devem ser matriculados nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem (SENAI, SENAC, SENAT, SENAR e SECOOP) ou, na impossibilidade, em entidades qualificadas em formação técnico-profissional metódica, a exemplo das Escolas Técnicas de Educação e Entidades sem fins lucrativos, que tenham por objetivo a assistência ao adolescente e à educação profissional, registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, a exemplo das seguintes entidades estabelecidas em Bauru: AELESAB, CIEE, CIPS, ESPRO, Legião Feminina , Legião Mirim e RASC.
O Comitê de Erradicação do Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem e os dez Juizados Especiais da Infância e Adolescência do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, sendo um deles sediado em Bauru, têm promovido diversas lives e webinários destinados a toda a população, com o intuito de conscientizar as empresas e a sociedade dos malefícios da exploração infantil, divulgando a forma correta e legal de contratação de adolescentes, proporcionando-lhes o direito ao estudo, à profissionalização e à sua formação como cidadãos, através do contrato de aprendizagem.
Algumas palestras e vídeos sobre o tema encontram-se disponíveis nos canais do Youtube da Escola Judicial do TRT 15 e no canal Aprendizagem Profissionalizante, além do Instagram: jeias.trt15 (dos Juizados Especiais da Infância e Adolescência da Justiça do Trabalho).
O papel dos Juizados Especiais da Infância e Adolescência, num primeiro momento, é educativo, trabalhando em conjunto com as empresas e a sociedade no combate à exploração infantil, bem como no incentivo à contratação de aprendizes para a construção de uma sociedade mais justa, próspera e solidária.
É certo que, para aquelas empresas que não cumprem a lei de aprendizagem, o Poder Judiciário Trabalhista exerce seu papel repressivo quando acionado pelo Ministério Público do Trabalho, determinando a imediata contratação de aprendizes, sob pena de multa diária, inclusive com a condenação da empresa ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, por obstar o Direito Constitucional de Profissionalização aos adolescentes e jovens. É exatamente nesse ponto que não se pretende chegar: utilização do poder repressivo.
Aplique esse método de investimento na educação de adolescentes e jovens e na capacitação profissional de aprendizes em sua empresa. Investir em desenvolvimento humano beneficia a sociedade, aumenta a produtividade e agrega valor à sua marca, que será defendida por seus colaboradores e clientes!
Como nos ensinou Mahatma Gandhi: “Seja a mudança que você quer ver no mundo!” Comece a concretizar seu legado!
A autora
É juíza do Trabalho Titular da 1ª Vara do Trabalho de Bauru e do Juizado Especial da Infância e Adolescência de Bauru/SP; mestre em Direito Constitucional pelo Centro de Pós Graduação da Instituição Toledo de Ensino de Bauru – SP; voluntária no Lions Clube Bauru Bela Vista.
Excelente artigo . Parabéns !
Muito obrigada, Cláudia!