Contratação de Fornecimento de Energia pelo DAE. Quero pagar menos, mas e daí?

Por André Luiz Andreoli

 

Volta e meia surgem discussões acerca da melhor forma de contratação de fornecimento de energia elétrica, sobretudo quando se fala de consumidores ligados ao poder público. Surgem contas do dia a dia, em calculadora, e valores de tarifa. É natural. Todos querem que a conta seja reduzida. Mas, sem conhecimento em assunto tão técnico, o consumidor fica sem saber se, afinal, é possível ou não, hoje, em Bauru, gerar economias milionárias aos cofres públicos. Fantástico! É o sonho de consumo de todos! A contribuição de hoje, técnica, é sobre este assunto.

Então vamos começar perguntando? Se a fórmula está tão visível, por que simplesmente os gestores desses órgãos não a aplicam? Seria incapacidade? Incompetência? Falta de conhecimento (não unicamente pessoal, mas de toda a equipe desses órgãos)? Alguma teoria da conspiração?
Para o leigo pode ser algum dos fatores acima listados. Para quem tem conhecimento técnico adequado, no entanto, pode-se afirmar que o problema não é tão simples quanto parece.

E, ainda mais no panorama atual, onde a boa e velha “compra de energia” passou a apresentar,  de uns tempos pra cá, uma diversidade fenomenal de variáveis em termos de tipos de contratos, tarifas horo-sazonais, mercado livre de energia, autoprodução, compensação, cogeração, e tantos outros termos, velhos conhecidos do jargão, mas que se tornam difundidos à toda população, a cada dia que passa.
É o que está posto como estudo relevante neste momento, por exemplo, envolvendo a forma de contratação de energia elétrica adotada pelo DAE – Departamento de água e Esgoto. Mas, afinal, será que é possível a possibilidade de economia na conta de energia da autarquia e alcançar cifras da ordem de R$4,2 milhões por ano?

Vamos analisar o perfil do sistema de produção e reservação do DAE em sua configuração atual. Em termos de produção, temos em torno de 38% do município abastecido a partir de captação superficial realizada no Rio Batalha, em condições bastante precárias quanto à disponibilidade de água.

O manancial simplesmente não se mantém firme durante todo o ano, e por diversas vezes se faz necessária a redução no volume captado. Isto, logo de saída, representa que não temos uma “fonte firme” de água para quase 2/5 do município. Para a operação no Batalha são utilizadas bombas centrífugas acionadas por motores elétricos de porte considerável no ponto de captação. E outros tantos conjuntos de motobombas empregados na estação de tratamento.

A entrega dessa água aos pontos de consumo é realizada, a priori, por gravidade, e em algumas situações se faz necessário o emprego de bombas de reforço para que as cotas mais elevadas sejam atendidas com razoável pressão. Nota-se que a energia elétrica é o insumo mais significativo e indispensável à operação do sistema de captação e tratamento de água do Rio Batalha.
Já o restante do sistema de fornecimento de água potável, correspondente a 62% do total, é realizado por 35 poços tubulares profundos que exigem como principal insumo para seu aproveitamento a energia elétrica. Nota-se assim que o DAE é extremamente dependente do fornecimento de energia elétrica para poder fornecer seu produto principal: água potável para toda população.
E como o DAE compra a energia elétrica que consome?
As unidades de produção do DAE são consideradas pela concessionária local (a CPFL) como consumidores de médio porte, pois possuem cargas instaladas que variam entre algumas dezenas de quilowatts a várias centenas de quilowatts de potência.

Não é possível apenas fazer como em instalações residenciais, onde se coloca o “postinho” e se pede a ligação. Pois a presença de uma unidade de produção exige, em muitos casos, reformas e adequações no sistema de distribuição para seu atendimento de maneira adequada.

Tudo isso porque são consumidoras de energia do grupo A, subgrupo A4, atendidas pelo nível de tensão primária de distribuição. Em Bauru o nível de tensão de referência para o subgrupo A4 é de 13.800V.
Nessa categoria de fornecimento, conforme a potência instalada, e mais importante, conforme a Demanda da instalação sobre o sistema de distribuição, é facultado ao cliente a aquisição conforme alguns “planos” de energia, conforme sua conveniência.
Em nossa casa, salvo raras exceções, pagamos pela utilização do sistema de distribuição e pelo consumo efetivo de energia, tudo isso acrescido de impostos. Nos “planos” de fornecimento de energia para instalações industriais, conhecidos como Tarifas, temos – além da cobrança desses dois itens (uso do sistema e consumo) -, a cobrança pela parcela do sistema de distribuição que é dedicada pela concessionária ao atendimento daquela unidade consumidora, chamada de Tarifa de Demanda.

Só que esta Demanda é fornecida sob contrato, já que a concessionária deverá garantir o atendimento do contratante. E, por consequência, o cliente se compromete a não usar mais do sistema além daquilo que foi contratado.
A demanda pode ser entendida como a potência da instalação medida de forma global dentro de intervalos de 15 minutos (ou seja, 4 medições por hora). O valor da demanda faturado será aquele que apresentou maior valor dentro do conjunto de intervalos de 15 minutos ao longo do mês.
Nos casos em que a demanda medida extrapola o valor contratado (existe uma tolerância de 5%), será aplicada uma tarifa conhecida como faturamento de demanda excedida sobre a quantidade que excede o contrato. E que tem por base um valor maior que o valor de demanda cobrado normalmente, quando não ocorre ultrapassagem.

Se a máxima demanda registrada é menor que o valor de demanda contratada, é faturado o valor total do contrato, e é aí que devemos ter o primeiro cuidado: contratar apenas aquilo que é necessário.
Dada a limitação do sistema elétrico de potência, para restringir o uso de energia no horário de maior consumo foi instituído o modo horário de tarifação, com a divisão entre horário de ponta e horário fora de ponta.

A definição da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) sobre esses conceitos, em sua versão mais atual, é a seguinte:
Horário de Ponta – P: Período definido pela distribuidora e aprovado pela ANEEL para toda sua área de concessão, considerando a curva de carga de seu sistema elétrico e composto por 3 (três) horas diárias consecutivas*, exceção feita aos sábados, domingos, terça-feira de carnaval, sexta-feira da Paixão, Corpus Christi e feriados definidos por lei federal.
Horário Fora de Ponta – F: Período composto pelo conjunto das horas diárias consecutivas e complementares àquelas definidas no horário de ponta.
* Entre 18:00 e 21:00

Fonte: Resolução Normativa ANEEL n. 482, de 17 de abril de 2012 (Diário Oficial, de 19 abr. 2012, seção 1, p. 53)

Sabendo quais são os elementos básicos que compõem o fornecimento de energia, apresentamos os tipos de Modalidades Tarifárias aplicáveis à área de concessão da concessionária que atende o município de Bauru (CPFL):

Tarifa Verde:
Essa modalidade possui uma única tarifa para demanda e duas tarifas para o consumo. Uma para o horário de ponta e outra para o horário fora de ponta (ver definições a seguir);

As tarifas de consumo são diferentes para o período do ano mais seco (os 7 meses de maio a novembro) e para o período mais úmido (5 meses, de dezembro de um ano a abril do ano seguinte). É disponível para unidade consumidora com qualquer demanda contratada desde que seja atendida com tensão inferior a 69 kV.
Tarifa Azul:
Essa modalidade possui duas tarifas para a demanda, uma para o horário de ponta e outra para o horário fora de ponta e duas tarifas para o consumo. Uma para o horário de ponta e outra para o horário fora de ponta; as tarifas de consumo são diferentes para o período mais seco do ano (7 meses, de maio a novembro) e para o período úmido (5 meses, de dezembro de um ano a abril do ano seguinte). Está disponível para qualquer demanda e tensão contratada.
Optante Grupo B:
Caso o cliente queira ser Optante Grupo B ele deverá verificar se a instalação se enquadra em pelo menos um dos critérios abaixo, conforme determina a REN 414 – Artigo 100:

I – A soma das potências nominais dos transformadores for igual ou inferior a 112,5 kVA; (Redação dada pela REN ANEEL 768, de 23.05.2017)
II – A soma das potências nominais dos transformadores for igual ou inferior a 1.125 kVA, se classificada na subclasse cooperativa de eletrificação rural; (Redação dada pela REN ANEEL 768, de 23.05.2017)
III – A unidade consumidora se localizar em área de veraneio ou turismo cuja atividade seja a exploração de serviços de hotelaria ou pousada, independentemente da potência nominal total dos transformadores; ou
IV – Quando, em instalações permanentes para a prática de atividades esportivas ou parques de exposições agropecuárias, a carga instalada dos refletores utilizados na iluminação dos locais for igual ou superior a 2/3 (dois terços) da carga instalada total.
Tarifa Branca:
É um novo modelo de cobrança do consumo de energia para residências, comércios e indústrias, no qual o valor das tarifas varia conforme o horário e o dia da semana.
Ela é oferecida para as unidades consumidoras que são atendidas em baixa tensão (127, 220, 380 ou 440 Volts), denominadas de grupo B e as do grupo A, faturadas no grupo B.
O objetivo da Tarifa Branca é deslocar o consumo de energia do horário de pico para fora da ponta, reduzindo a necessidade uso das termelétricas (mais caras e poluentes) e melhorando o fator de utilização das redes elétricas ao longo do dia.
A migração para Tarifa Branca será gradual. Confira o cronograma de adesão:
2018 – Apenas os novos consumidores ou clientes com consumo médio superior a 500 kWh/mês nos últimos 12 meses, com exceção dos clientes baixa renda e iluminação pública.
2019 – Clientes com consumo médio superior a 250 kWh/mês nos últimos 12 meses, com exceção dos clientes baixa renda, iluminação pública e faturada na modalidade de pré-pagamento.
2020 – Todos os consumidores do Grupo B poderão aderir ao novo modelo tarifário, com exceção dos clientes baixa renda e iluminação púbica.
Fonte: Página de Internet – Site CPFL Energia – CPFL Empresas. https://www.cpflempresas.com.br/noticias/modalidadetarifaria.aspx. Acesso em 27/04/2021.

Como nas instalações industriais não se aplica a tarifa branca, não há necessidade de maiores esclarecimentos sobre ela. Quanto às tarifas Azul, Verde e Optante do Grupo B, os valores cobrados nas respectivas tarifas são os seguintes:

Devemos nos atentar aos valores do Subgrupo A4. Dá para perceber que os valores de consumo (TE – R$/MWh) nas tarifas Azul e Verde são idênticos.
E onde está a diferença, então?
Na parcela correspondente à TUSD.
Nota-se que na Tarifa Azul, onde são cobrados valores diferentes para Demanda de Ponta e Demanda Fora de Ponta, a diferença entre os períodos não é tão grande, embora seja considerável. Já na tarifa verde, a relação é quase 1:10, ou seja, o mínimo consumo no horário de ponta onera todo o período no preço muito mais alto.

E essa diferença torna inviável pensar em contratar na Tarifa Verde, caso não se tenha ABSOLUTA CERTEZA de que não irá necessitar de consumo no horário de ponta, ou seja: na ponta DESLIGA-SE TUDO.

E o DAE, pode contratar na Tarifa Verde?
Nesse momento, e especialmente com a atual estrutura, a resposta é NÃO!
Não há condições de garantir água armazenada no horário de ponta para suprir os consumidores, mesmo porque o horário de ponta para o consumo de energia coincide com o horário de ponta para o consumo de água.

A necessidade de investimentos está na seguinte ordem:
1) Reservação: Garantir que existam reservatórios para conter um excedente de água produzida, que ofereça uma excelente segurança de fornecimento no horário de ponta para todas as regiões da cidade.
2) Produção: Atualmente não há excedente na produção capaz de garantir volume de água de 100% do consumo diário com a produção de 21 horas. O ideal é que a produção de 18 horas consiga suprir o consumo de 24 horas. Ou seja, que mesmo com 6 horas de fontes desligadas ainda se complete os reservatórios com as margens de segurança desejadas
3) Telemetria: Essencial quando se deseja monitorar em tempo real as condições das fontes, dos reservatórios e das redes, antecipando qualquer ação corretiva que se faça necessária.
4) Setorização: O arranjo da rede em setores mantém a pressão da rede em níveis controlados, colaborando com a preservação da rede contra golpes de aríete, sobrepressões e outros eventos que afetam diretamente a integridade do sistema.

Um estudo sério sobre aquisição de energia no mercado livre produzirá, certamente, economias de modo mais rápido e com as vantagens advindas de uso de fontes de energia renováveis.
Mas mesmo em um futuro distante, com todas as melhorias implementadas, ainda mostra-se questionável a aplicação da tarifa verde para esse segmento. Tudo depende do nível de planejamento alcançado e das possibilidades de remanejamento que o sistema apresentar.
É melhor manter cautela sobre o assunto.

 

O autor é

Engenheiro Eletricista (FEB-UNESP, 1997), mestre em Engenharia Industrial (FEB-UNESP, 2005), doutor em Engenharia Elétrica (EESC-USP, 2011), ex-Presidente do DAE (2010 – 2011), professor do Departamento de Engenharia Elétrica da Faculdade de Engenharia de Bauru – FEB, coordenador de Engenharia e Sustentabilidade (CES-PROPEG) – Reitoria/UNESP, atualmente lotado na Pró-Reitoria de Planejamento Estratégico e Gestão (PROPEG).

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