Crime organizado: por que “novo cangaço” mira cidades do Interior e dificulta ação das polícias?

Moradores são usados como “escudo humano” durante assalto  em Araçatuba

 

Por que as cidades de Araçatuba, Ourinhos e Bauru foram as escolhidas por quadrilhas do crime organizado, nos últimos anos? Nesses três locais estão Centros Regionais de Distribuição de Dinheiro (Ceret) utilizados pelo Banco do Brasil (BB) para atender a todos os bancos do Interior. São (até) centenas de milhões de Reais em questão em determinados períodos. E para “abocanhar” esta quantia é preciso ter certeza do “volume” no cofre no dia exato da ação criminosa. Este foi o alvo da quadrilha em Araçatuba, na última madrugada, assim como aconteceu em Bauru e Ourinhos, há poucos anos, na ciranda de ataques a estruturas bancárias e policiais que aterroriza moradores, conhecida no meio policial como “novo cangaço”.

A informação está “embutida” na declaração do próprio secretário estadual de Segurança Pública, coronel Álvaro Batista Camilo, ao avaliar, à imprensa da Capital, que os bandidos prepararam o assalto com antecedência e contavam com informação privilegiada acerca da Central de Distribuição de Recursos do Banco do Brasil sediada no local.

A escolha de Araçatuba está ligada à “espreita” da quadrilha na busca de levantar centenas de milhões de Reais que chegam ao Ceret, com certa frequência. Além de Araçatuba, Ourinhos e Bauru – (onde já aconteceram ações organizadas do mesmo potencial, com ampla organização logística, uso de armamento pesado, bloqueios territoriais nas estradas e em quartéis, monitoramento da polícia por drones, explosivos e dezenas de homens portando fuzis) – são alvos desse tipo de ação por quadrilhas que miram centros de distribuição de dinheiro vivo também de empresas de segurança (como foi o caso da ocorrência em que criminosos cavaram até túnel para tentar acessar um deses endereços, em plena Avenida Nações Unidas, em Bauru).

Para o ex-comandante geral da PM no Estado de São Paulo, coronel Benedito Roberto Meira, a ação em Araçatuba infelizmente não é caso de surpresa. “Uma ação em bando como esta é caríssima e exige ação com muita antecedência. Foram dezenas de criminosos demostrando nos vídeos que sabem manusear armas pesadas, portando 40 artefatos explosivos que podem ser acionados por celular, utilizando vestimenta com proteção contra tiros (coletes próprios), com o uso de inúmeros carros, reféns, organização logística. Este ataque exigiu informação privilegiada para que eles agissem. E o alvo era o terceiro subsolo do prédio, um local de acesso difícil, mas como se vê não impossível de ser alcançado”, completa.

Meira, que também já foi comandante em Araçatuba em sua carreira (CPI 10, em 2011), amplia que “a ação é caríssima tanto no preparo quanto em sua execução. E isso inclui queimar veículos e fazer barreiras em entradas da cidade, pra dificultar o acesso de reforço policial enviado para lá”.

Se o Ceret do Banco do Brasil era o alvo, por que em Bauru, no último assalto do mesmo potencial”, no Centro, o crime organizado escolheu agência da Caixa? Naquela ocasião, o alvo principal envolvia cofre com valores também milionários, mas em joias, uma concentração que ‘atraiu’ os bandidos.

Reféns são amarrados ao teto e capô de veículo pelos bandidos, em Araçatuba

O QUE FAZER?

O ex-comandante da PM em todo o Estado avalia que o combate a este tipo de ação criminosa é multifatorial. Coronel Meira elenca as questões que estão “bem encaminhadas” junto à capacidade do aparato de segurança pública de enfrentar estas ocorrências e aponta ações que precisam ser cumpridas.

Para Benedito Meira, os policiais especializados em ações de conflito desse porte, como o Baep de Bauru (que atuou no episódio local e também foi chamado na madrugada de domingo para segunda para prestar reforço em Araçatuba) estão preparados. Apesar disso, ele critica que a polícia paulista a penúltima (entre as de menor salário) entre os estados no País.

Mas o ex-coronel não deixa de apontar o que falta. “As Polícias Civil e Militar não se conversam nos serviços de inteligência. Cada uma fica com sua informação em relação a sua atuação. Esta situação tem de ser resolvida. A informação de inteligência pertence à segurança estratégica do Estado e tem de ser compartilhada, mas não é”, aponta.

Outro obstáculo: “A Polícia Militar  não consegue autorização judicial, salvo poucas exceções, para realizar interceptação telefônica para os casos onde a medida é essencial. A Justiça nega e a função preventiva, realizada pelo serviço de inteligência, não avança”, cita.

Meira aponta para outra deficiência (de ação de Segurança Pública pelo Estado): “Como no Brasil é muito fácil ter acesso a armas, as fronteiras com países vizinhos são frágeis na contenção de entradas ilegais e artefatos de explosivos se aprende pela Internet como fazer, outro flanco é a vistoria efetiva, real, no sistema penitenciário. A Polícia Militar não entra em presídios para esta ação desde 2008“.

A “justificativa” (informal) de dirigentes de Segurança Pública e do Sistema Penitenciário é de que se a PM fizer este serviço “vai virar a cadeia”. Ou seja, o Estado brasileiro passou a admitir negociação com o crime para, nesta linha, não ver rebeliões em unidades prisionais.

Outro problema apontado pelo ex-comandante Geral da PM Paulista: “A Justiça não aceita a ação de ‘escuta ambiental’ nas cadeias. Os argumentos jurídicos sempre apontam para limites de invasão em relação ao preso. O sujeito é criminoso, está cumprindo pena e o Estado brasileiro não pode acompanhar o que acontece lá dentro para impedir a ação ilegal, mesmo dentro do sistema”, questiona.

Nem o mais ingênuo dos cidadãos acredita que em presídio não entram telefones celulares e drogas. No meio é corrente que o pseudo “controle” da “calmaria” nas celas está diretamente ligado a negociações de “benesses” aos bandidos. “A Polícia Militar não entra mais para fazer a varredura nas celas faz tempo e os agentes penitenciários ficam de mãos atadas. Imagina o cara que está lá na escala todo dia e o preso sabe onde ele mora e tem como ter a  foto da família dele para fazer pressão”, indagou o ex-coronel.

DINHEIRO DIGITAL

Em um roteiro onde o “controle” das cadeias não é ficção, as armas são de fácil acesso e a população fica aterrorizada – ‘presa’ nas cidades – , Meira aponta para a tecnologia como o caminho mais curto para desestimular o crime organizado a repetir ações estruturadas do “novo cangaço urbano“, como a da última madrugada em Araçatuba.

As pessoas precisam entender que não devem mais andar com dinheiro no bolso. Ir a banco sacar dinheiro é uma cultura que tem de ser evitada ao máximo. O dinheiro eletrônico, digital, é um caminho. E cada vez mais as operações bancárias precisam ser digitais. Estes crimes de quadrilhas fortemente organizadas não terão viabilidade, porque custam caro e são operações estruturais, que envolvem muita gente e preparo, se o dinheiro não precisar circular. E isso é possível no sistema financeiro, cada vez mais”.

Enquanto Estados e União (Executivos, Legislativos e Judiciário) não se envolverem com o “ataque” a esses e outros flancos no combate real, organizado, estrutural e contundente de quadrilhas desse porte, os cidadãos e as polícias continuarão sendo, também, vítimas dessas barbáries urbanas praticadas pelos sofisticados bandos do cangaço da era moderna.

 

1 comentário em “Crime organizado: por que “novo cangaço” mira cidades do Interior e dificulta ação das polícias?”

  1. Então a solução é não sacar e andar com dinheiro…
    E se melhorar o salário dos policiais, reestruturar a comunicção entre policia civil,militar e federal?

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