Crise das fraldas abarrota o Judiciário de ações e é obstáculo à presença de crianças na Educação Municipal

Milhares de crianças estão deixando de ir à escola ou frequentando as creches em situação precária de higiene; já adultos têm de ir ao Judiciário

 

Sim. É uma temática social, econômica, mas também de direitos humanos, saúde pública e gestão. Centenas de milhares de crianças não estão indo à escola ou frequentando creches em razão da higiene precária. A crise das fraldas atinge todos os municípios, com aprofundamento das dificuldades no pós-pandemia. Em Bauru, a Secretaria Municipal de Educação anuncia que está preparando processo para contratar, por licitação, fraldas para atender 3.000 crianças por ano.

E a crise, porém, atinge outro grupo. O Judiciário está abarrotado de ações judiciais, também por todo o País, como última ação para conseguir fraldas geriátricas para tratamento de saúde. Número expressivo de idosos não tem condições de comprar o material para o tratamento, muitos de doenças crônicas, ou terminais. Em Bauru, a Secretaria Municipal de Saúde informa que não conta com programa de fornecimento de fraldas para doentes, mas tem atendido (sem recorrer das ações) decisões vindas do Judiciário. Há casos dramáticos em curso.

NAS CRECHES

Alguns municípios brasileiros fornecem fraldas para os alunos matriculados. O critério é definido de maneira objetiva, a partir do cadastro já existente para famílias de baixa renda. Bauru vai entrar neste grupo.

É o que declarou o secretário Municipal de Educação, Nilson Ghirardello. O investimento nesta demanda está na lista de um dos serem adotados pelo atual governo municipal entre as ações necessárias para manter o cumprimento de despesa mínima anual com Educação (25% das receitas correntes).

Em 2021, como se sabe, o governo de Bauru adquiriu 16 imóveis a R$ 34,8 milhões para cumprir a meta constitucional. Em 2019, o governo anterior comprou 9 imóveis, também no finalzinho do ano. Em 2022, a Educação investiu em equipamentos. Somente com notebooks foram pouco mais de R$ 7 milhões. Ou seja, recurso há. E com o novo Fundeb, nos últimos dois anos a receita mínima para Educação aumentou para cidades com bom volume de matriculados em rede própria, como Bauru. A pasta teve Orçamento realizou de pouco mais de R$ 344 milhões em 2022.

A Educação prepara licitação para utilizar até 5 fraldas por crianças em Bauru. Conforme a Secretaria e Educação, para atender até 3.000 alunos de zero a 3 anos

Conforme Nilson Ghirardello, esta demanda foi autorizada pela prefeita. “Esta é uma das ações que já discutimos com a prefeita. De fato muitos pais não têm condições de encaminhar o filho para a escola com fralda. E isso se tornou um problema preocupante de higiene e que prejudica o processo educacional e o convívio escolar. Estamos preparando licitação para incluir esta ação em nossa lista de investimentos já para este ano, um programa que não era realizado”, afirma.

Pedimos informações complementares do alcance da ação. A Secretaria Municipal de Educação informou que “está sendo realizada aquisição de fraldas a serem disponibilizadas nas creches municipais para uso interno da escola, como material de higiene. Hoje as famílias levam pouco, ou não conseguem levar, e a alto custo. O processo foi aberto prevendo 5 fraldas por criança, para a faixa etária de zero a 3 anos”.

A quantidade aproximada por mês é atender 3.000 alunos, já considerando os 2.590 matriculados e mais 400 vagas previstas para inauguração de unidades nos próximos meses. 

E quando? A Educação informa que o processo está na fase de pesquisa de preços. Ou seja, com licitação e assinatura de contrato, a estimativa é de que o item de higiene chegue às creches até o final deste semestre.

A demanda foi levada ao Executivo, em apelo, pelo vereador (agora presidente do Legislativo,) Júnior Rodrigues. Em dezembro de 2022, durante a formatura da filha, uma mãe (mais uma) lhe abordou dizendo que em Bauru as escolas não fornecem fralda. Esta mãe, contou, reclamara que em algumas cidades tanto a fralda quanto o lenço umedecido e pomada são fornecidos para crianças nos berçários, durante o período em que os matriculados estão nas unidades.

Em Agudos, lembrou Rodrigues, a medida já foi adotada.

FRALDAS PARA DOENTES

Centenas de Municípios, sem exagero, vêm recebendo decisões do Judiciário determinando a entrega de fraldas, sobretudo para idosos, para acesso a higiene em tratamentos de saúde. Em todos os casos em que a intervenção dos cidadãos encontram amparo no Judiciário estão presentes a dificuldade econômica.

Tratamentos de doenças graves, muitas de longa ou média duração, estão entre os casos mais comuns. Em Bauru, são inúmeras as decisões judiciais contra a Prefeitura. A Secretaria de Saúde está cumprindo as decisões de imediato, até como ação para minimizar prejuízos ao paciente e familiares. Mas não há, via Defensoria Pública, por exemplo, ação organizada para que as medidas alcancem mais gente. Infelizmente, só estão tendo acessos os que conseguem ir ao Judiciário. Embora não sejam poucos, o alcance é reduzido.

Todos os dias, literalmente, a Vara da Fazenda Pública de Bauru decide em casos onde o objeto é o mesmo. Vamos poupar o leitor da repetição de casos e decisões. São muitas. E bem parecidas. Veja um exemplo, onde a falta de recursos para comprar faltas e a necessidade, urgente, do item de higiene formam os dois itens principais, repetidos, em dezenas de mandados de segurança em Bauru:

Em mandado de segurança de O. R. M contra ato do Secretário Municipal de Saúde: …”Defiro a gratuidade judiciária, bem como a prioridade na tramitação do feito à impetrante. A impetrante parte é portadora de infecção do trato urinário e doença de parkinson (CID N390 G.20), necessitando de fraldas descartáveis; não possui recursos para adquiri-las; solicitou o fornecimento ao impetrado (Município), tendo havido recusa no atendimento. Pediu a concessão da liminar. É a síntese necessária. DECIDO. É certo que o Estado tem o dever de garantir o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde”..

DEFIRO A LIMINAR determinando que o impetrado forneça à parte impetrante: FRALDAS DESCARTÁVEIS TAMANHO G 150 (cento e cinquenta) unidades por mês, no prazo máximo de 30 (trinta) dias a contar da notificação. Para efetivo controle do tempo em que o impetrante necessita do item a ser fornecido e para evitar compras desnecessárias pelo órgão público, deverá ser apresentada prescrição médica atualizada perante a Secretaria Municipal de Saúde, a cada 03 (três) meses. …

EM DEBATE

A Judicialização da Saúde no Brasil é tema complexo. Amplo. E não é novo! O promotor de Justiça, deputado e ex-coordenador do Procon SP, Fernando Capez, tem artigo recente sobre o tema.

Em um deles, traz:

“A Constituição de 1988 reconhece o direito à saúde como um direito fundamental, relacionando-o diretamente com o direito à vida e à dignidade da pessoa humana. Segundo o artigo 196 da CF, “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Maria Celina Bodin de Moraes define o direito à saúde como “direito fundamental, o qual deve ser entendido como um direito subjetivo público, exigível perante o Estado, que tem o dever de garantir as condições necessárias para sua efetivação”, afirmando estar “intimamente relacionado com outros direitos fundamentais, como o direito à vida, à liberdade e à dignidade da pessoa humana, e deve ser efetivado de forma universal e igualitária”.

No texto, Capes assinala que: …”Embora assegurado em nível constitucional, sua concretização pressupõe medidas efetivas por parte do Poder Público, tais como o acesso a serviços de saúde, medicamentos, tratamentos e a novas tecnologias, bem como políticas públicas que promovam a prevenção de doenças e garantam o bem-estar da população.  Como bem observou Ana Paula Barcellos, “o direito à saúde deve ser compreendido como um direito a um mínimo de bem-estar cuja eficácia depende fundamentalmente de políticas públicas adequadas, que devem ser implementadas pelo Estado”.

Na implementação desses programas e políticas públicas, é necessário investimento em infraestrutura, equipamentos, pesquisas e qualificação dos profissionais de saúde, bem como a participação da sociedade no planejamento e gestão do sistema de saúde. Como bem sintetiza Lenir Santos, “o acesso à saúde é um direito fundamental, garantido pela Constituição, que deve ser efetivado pelo Estado, pelo setor privado e pela sociedade como um todo.”

Há, no entanto,  um enorme vácuo entre o que deveria ser feito e o que de fato é realizado pelo Estado na busca da plena implementação do direito constitucional à saúde. Desse vácuo decorre uma judicialização cada vez mais acentuada, a qual representa nada mais do que a dificuldade de acesso aos serviços de saúde.

 

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