Diagnóstico da falta de qualidade no fornecimento de energia elétrica

Nesta sexta-feira, às 9h, o plenário do Legislativo realiza audiência pública técnica para ouvir especialistas e confrontar dados, indicadores, com a concessionária de energia elétrica no Estado de São Paulo.

O CONTRAPONTO pediu a dois especialistas colaboração com o debate, para contribuir além dos discursos  políticos, na direção da compreensão do sistema e seus gargalos.

Segue o primeiro artigo do debate, com o respeitado consultor da àrea de regulação no setor.

Por Carlos Augusto Ramos Kirchner

É evidente que as condições climáticas adversas e severas, com ventos com velocidades superiores a 87 km/h, na região de Bauru, podem servir como primeira explicação a situação caótica que chegamos. Mas o serviço público de fornecimento e distribuição de energia elétrica vem, nos últimos tempos, se degradando mesmo em ocorrências que inexistiu contribuição climática adversa.
Em outras regiões do Estado de São Paulo tivemos situações ainda piores, com ventos ainda mais intensos que atingiram velocidades superiores a 100 km/h e uma maior demora para restabelecimento no fornecimento de mais de 72 horas para uma quantidade de milhares de unidades consumidoras.
A qualidade do serviço público de distribuição de energia elétrica é aferida pela ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica através de indicadores de continuidade individual para cada unidade consumidora, definidos como DIC (duração em horas das interrupções), FIC (frequência das interrupções), DMIC (duração em horas de uma única interrupção) e DICRI (duração em horas máxima de uma interrupção em dias críticos).
Estes indicadores são definidos para Conjuntos Elétricos servidos por uma subestação da Distribuidora. Por exemplo, em Bauru são 4 subestações e, consequentemente, existem 4 Conjuntos, cobrindo 4 áreas geográficas da cidade.
O regulamento da ANEEL se encontra no Prodist – Procedimentos de Distribuição – módulo 8, disponível em seu endereço eletrônico. Embora, os indicadores de continuidade possam variar conforme o Conjunto Elétrico, os números que iremos apresentar são os mais representativos, não só para a CPFL Paulista como para outras Distribuidoras.

INDICADORES
Houve significativo afrouxamento dos limites dos indicadores de continuidade DIC e DMIC, a partir do início de 2022, uma vez que passaram de 4,59 horas para 7,0 horas e 2.52 horas para 5,0 horas, respectivamente.

Isto significa que em um mês, expurgadas as interrupções com menos de 3 minutos de duração e as interrupções em “dias críticos”, o consumidor pode atingir, somando as interrupções no mês, até 7 horas sem energia elétrica. Para o indicador FIC o limite de 3 ou 4 ocorrências, dependendo o Conjunto Elétrico, por mês, praticamente não se alterou.
Mas teve outro afrouxamento nas regras ainda mais expressivo pela ANEEL: pois antes tinha, além do limite mensal, o limite trimestral – que era equivalente a duas vezes o limite mensal. E ainda havia o limite anual – que era equivalente a quatro vezes o limite mensal.

Portanto, antes, era mais comum, por serem relativamente bem menores, as Distribuidoras ultrapassarem os limites de continuidade trimestral ou anual. A ANEEL, contrariando o interesse público, sem qualquer divulgação,  extinguiu limites, através da publicação da Resolução Normativa nº 956, de 7 de dezembro de 2021.

Na prática, com a extinção, os limites anuais para os indicadores de continuidade DIC e FIC triplicaram! 
Ou seja, desde o início de 2022, a Distribuidora pode prestar um serviço de pior qualidade sem ter de pagar compensação financeira aos consumidores pois a chance de violar os limites de continuidade ficou menor.
No “dia crítico” – assim considerado o dia em que a quantidade de ocorrências emergenciais superar a média, acrescida de três desvios padrões dos valores diários.

Tecnicamente: o “dia crítico” é expurgado dos indicadores DIC, DMIC e FIC e fica limitado a até 13 horas sem energia elétrica pelo seu único indicador de continuidade (DICRI).

Para ter direito a compensação financeira, os consumidores de Bauru e de qualquer cidade do Brasil têm de ficar mais de 13 horas sem energia em “dias críticos”.
Assim, e ainda considerando que as interrupções do dia 21 do mês passado e do dia 3 deste mês de novembro, em Bauru, possivelmente se enquadrarão como “dias críticos”, Bauru não terá muitos casos com compensação financeira.

Os limites estabelecidos pela Aneel afrouxaram muito a favor da concessionária, assim é menor a chance de que a Distribuidora tenha de creditar na fatura dos consumidores alguma compensação. 

E isto sem contar que os valores a serem calculados de compensação são baixos.

 

CONSEQUÊNCIA
O motivo ou a falta de motivação da Distribuidora prestar um serviço de qualidade é o novo regramento por demais permissivo da ANEEL.

Assim, um serviço de natureza essencial e contínua torna-se não confiável e descontínuo.
Outro aspecto que corrobora com a fragilidade de uso de indicadores de continuidade é que, necessariamente, cada consumidor deve abrir um protocolo junto a CPFL acusando a falta de energia elétrica.

E somente a partir da primeira comunicação começara a contar os tempos.

O fato é que – quando ocorrem alterações climáticas intensas e muitos consumidores ficam sem energia elétrica -, a central de atendimento da CPFL não tem capacidade de atender a todos que entram em contato via 0800.

O que tem funcionado e recomendamos é a instalação do aplicativo da CPFL no celular, onde é possível abrir o protocolo da falta de energia.
As cidades cresceram, as normas de segurança a serem seguidas se tornaram mais rígidas, tornando as intervenções na rede elétrica mais demoradas. As mudanças climáticas estão cada vez mais severas e as equipes de manutenção da CPFL, como outras distribuidoras, estão em menor quantidade, subdimensionadas.

PODA DE ÁRVORES
Outro motivo são os efeitos provocados pelos ventos e as árvores. A responsabilidade pela poda de árvores é da Prefeitura. Entretanto, a responsabilidade pela poda de árvores cujos galhos com a ação dos ventos possam encostar na fiação elétrica, provocar faiscamentos e até a possibilidade de rompimento de cabos, é da Distribuidora.

A própria CPFL alerta para que se evite acidentes quando a árvore estiver próxima da rede elétrica. É evidente que a realização dos serviços junto a rede elétrica pela Distribuidora, com pessoal capacitado e usando caminhão com cesto aéreo, é muito mais segura.
A Prefeitura e os moradores devem ter consciência que cabem ações mais efetivas para corrigir erros do passado de plantação de árvores em locais inadequados e de espécies impróprias. Uma nova postura e uma nova lei municipal sobre poda de árvores e de supressão, quando preciso, poderá ser avaliada.
Entretanto, uma solução que infelizmente não é possível de se viabilizar por seu alto custo é a transformação da rede aérea em rede subterrânea.

SOLUÇÕES

De outro lado, uma solução técnica de menor custo, e que produz ótimos resultados onde existe convivência com árvores, é a alteração da rede primária (média tensão) para rede compacta e a transformação da rede secundária (baixa tensão) de convencional com 4 cabos (3 fases e neutro) para cabos multiplexados (isolados e reunidos).
Uma ação conjunta com a CPFL, onde a fiação convive com árvores, notadamente de maior porte, se torna necessária, com a substituição das redes elétricas, conforme citado e a intervenção arbórea.
Outro motivo da interrupção no fornecimento de energia elétrica se dá por sobrecarga em transformadores, notadamente em período noturno. Hoje,  a injeção da geração distribuída de usinas fotovoltaicas instaladas nas residências se dá em período diurno, sendo que o consumidor recebe a devolução da energia elétrica em período noturno.

Como o consumidor não paga pela energia por ter geração própria, não é incentivado a economizar o que pode resultar em consumo elevado e sobrecarga no transformador.

A solução da Distribuidora é ter de trocar o transformador por um de maior capacidade de carga.
Como exposto, trata-se de questão de âmbito local mas também nacional de forma a buscar ações para que a CPFL Paulista cumpra suas obrigações como uma concessionária de um serviço público essencial.

Tem de haver ações junto a ANEEL e junto a ARSESP para que a fiscalização do serviço público se torne mais efetiva e o regramento adequado.

Carlos Augusto Ramos Kirchner é: 
Diretor do SEESP – Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo, Consultor na área regulatória de energia elétrica

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