Moradores e familiares do Jardim Vitória realizaram novo ato pelas ruas do bairro, neste domingo, em protesto contra a ação policial que levou a morte dos jovens Luiz e Guilherme, de 18 e 21 anos, na última sexta-feira. A revolta inclui agressão e entrada de policiais durante o velório de um dos jovens mortos pelo BAEP, por desacato, no sábado, no Jd. Primavera.
A despeito de qualquer outra reação em relação ao episódio, chama a atenção a contestação feita pelas mães de que os dois jovens não entraram em confronto com os policiais, posição da Corporação. A Comissão Municipal de Direitos Humanos foi acionada para discutir o contexto de violência na periferia e a sequência de mortes de moradores, principalmente na região Noroeste de Bauru. Nos episódios que envolvem atuação do BAEP a posição oficial está sempre ancorada em confronto.
Além das mães dos jovens, amigos e moradores do Jd. Vitória argumentam que a reação se acentua por apontarem que Luis e Guilherme não estariam armados, mas foram alvejados por correrem de policiais, adentrando uma área de mata em fuga. A Comissão de Direitos da OAB Bauru também foi acionada. A solicitação é que procedimento seja instaurado para averiguar as provas e as circunstâncias das mortes. Advogados também contestam a ação de policiais durante o velório. A Polícia posiciona que um parente ofendeu equipe em patrulha, na ocasião, exigindo contenção.
Das mortes, segundo a Polícia, por volta das 21 horas da sexta-feira, policiais avistaram dois homens ao iluminar próximo de vegetação na quadra 1 da Rua São Camilo, no Jd. Vitória. A nota oficial traz que os policiais revidaram a tiros. Do confronto morreram Guilherme Alves Marques de Oliveira, 18 anos (atingido no tórax, abdomem e joelho), e Luis Silvestre da Silva Neto, 21 anos (atingido na cabeça). Eles morreram no local.
MÃE DE LUIS
Maria Soares é empregada doméstica, mãe de Luis. Ela relata o drama de dar dinheiro para o filho mesmo sabendo que ele, ao invés de comer, consumia maconha. “Meu filho não é santo. Era viciado em droga, mas não tinha arma e não atirou na Polícia. Foi morto de perto”, aponta.
Diarista há 5 anos em uma residência no Jardim Estoril, o marido servidor do DAE, Maria conta que Luiz começou a usar drogas antes dos 18 anos. Ele foi preso (como menor infrator) por roubo e ficou na Fundação Casa (cumprindo medida disciplinar). “Eu não o visitei. Não passava a mão na cabeça dele não. Queria que entendesse que eu não ia aceitar essa vida dele. Mas meu filho não era traficante, não era violento. Ele infelizmente caiu nas drogas. Eu estava lutando com ele”, aborda.
Maria conta o drama da noite e madrugada do dia em que seu filho foi morto. “Na noite de quinta-feira eu fui correndo para o lugar onde meu filho foi morto pelo policiais. A Viatura do Samu não conseguiu chegar ao local onde os meninos estavam, levaram os tiros. E foi chegando mais Polícia e viaturas. O Luis saiu para comprar droga. Tenho no meu celular. Ele pedindo 18 Reais. Tinha 8 Reais de troco no bolso e uns papelotes. Certeza que comprou 10 Reais. Conversei com os moradores, muita gente viu o que aconteceu. Ele viu a Polícia e saiu correndo para não ser pego. Tem uma área de mata, uma cachoeirinha (atrás do Jd. Vitória). Ele conhecia tudo ali. Foi tentar fugir. Mas deu de cara com a Polícia. Eles cercaram. Levou vários tiros. Não tem reação, troca de tiros. Ele não tinha dinheiro para ter arma. E se desse dinheiro ia comprar em droga”, descreve.
Sobre o outro jovem morto na operação do BAEP (Guilherme), Maria diz que eram amigos. Mas não teriam sido atingidos no mesmo local, contrariando posição oficial. “O Luis vivia com o Guilherme desde criança. O Guilherme correu para outro lado. Tem uma mata lá. Era um ponto que eles conheciam. Mas ninguém pode ir lá ver. A Polícia bloqueou tudo. Eu não pude entrar ver o corpo de meu filho. Eles levaram vários tiros de perto. O Guilherme usava droga também. Eles foram comprar. A Polícia conhece todos da região”, cita.
“Alguém tem de fazer alguma coisa porque eu não sou a única mãe que teve filho morto e a notícia é sempre de confronto com o BAEP. Alguém tem de ver esses casos e ver se essas armas tiveram tiro mesmo. Nunca tem policial ferido. Tem meninos morrendo correndo da Polícia. Tem de reunir as mães e ouvir a história de cada um. Não pode ficar assim”, protesta.
MÃE DE GUILHERME
Nilceia Alves Filho trabalha em um restaurante. É mãe de Guilherme Alves Marques de Oliveira, que completou 18 anos em setembro passado.
“Eu moro na rua atrás de onde aconteceu. Recebi ligação umas 20h. Quem estava aqui contou que a polícia desceu a rua do pasto dando tiros pra todo lado. Corri pra cá, desci da moto e já estava cheio de polícia. Comecei a gritar por meu filho. O Guilherme corria pra dentro de casa quando tinha algum problema. Mas ele não estava lá. Ai sai em desespero procurando. Mas não deixaram entrar na área de mata, onde estava um corpo. Desceu dois carros do Samu. Ai fiquei mais desesperada porque não achava meu filho. A Polícia não deixou o Samu ir no meio do mato”, menciona.
Conforme Nilceia, apenas depois de duas horas, com todas as ruas fechadas, chegou uma advogada (Vanessa) e lhe pediu o RG. “Executaram meu filho. No Velório só que eu consegui ver que ele também estava bem machucado. A perícia veio perto de 01 da madrugada e ficou 10 minutos. Umas 2h da madrugada é que tiraram o corpo e levaram para o IML. Meu sobrinho (Jonathan) desceu e abriram o saco só pra ele ver o rosto”, cita.
A mãe diz que Guilherme parou de estudar quando, ainda adolescente, foi para São Paulo trabalhar com o pai em pintura de rodovia. Voltou para Bauru e passou a ganhar dinheiro fazendo serviços com telefone celular. “Eu vim de São Paulo para Bauru há 12 anos para criar eles em uma cidade do Interior, mais calmo que lá. Nunca tive problema com o Guilherme. Os irmãos sempre pegavam no pé dele. (são 3 homens: um de 28 anos, outro de 23 e um de 21 anos)”, comenta.
Para Nilceia, “o BAEP executou os meninos. Ele foi arrastado da parte alta para o local onde os corpos foram deixados. Ele estava bem sujo, a roupa. Eles correram para lados diferentes. Os moradores viram e contam tudo. Os policiais entraram umas 16h30 na área de mata. Ficaram lá uma hora. Depois saíram e voltaram à noite, umas 21h. O sangue do Guilherme estava lá no alto, não estava onde a perícia achou ele. Não deixaram eu ir ver o corpo do meu filho. Eu preciso provar que não houve confronto com os policiais. Eles não usaram armas. Correram sim. Mas não atiraram”, reclama.
Sobre a ocorrência no velório, Nilceia conta que é a mulher das imagens que está agarrada a um jovem (um de seus filhos). Ela foi retirada por policiais e caiu ao chão. “Eu tentei segurar meu filho. Me xingaram de tudo o que você pode pensar. A viatura passou no velório e teve insultos. Ai entraram para prender meu filho por desacato. Eu segurei ele. Mas arrastaram, bateram com cacetete. Machucaram o Fábio, algemaram e levaram na viatura”, comenta.
DADOS DE HOMICIDIOS EM BAURU
Levantamento da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) aponta que Bauru registrou, em todo o ano de 2022, 22 homicídios dolosos. O número é 22% superior ao de 2021, quando foram 18 assassinatos na cidade.
O Estado de São Paulo fechou o ano de 2023 com a menor taxa de homicídios dolosos em 23 anos. Foram 5,72 casos para cada grupo de 100 mil habitantes. Esta foi a primeira vez desde 2001, início da série histórica, que o índice ficou abaixo de 6. A queda da taxa também foi puxada pela redução de casos no ano anterior, que ficou em 10,4%. Em 2022, foram 2.909 registros, ante 2.606 em 2023.
As mortes em operações com o BAEP e o uso de armas por jovens vem sendo apontada pelo CONTRAPONTO há meses. A maioria das ocorrências tem no contexto a drogadição. Veja alguns dos principais casos registrados abaixo:
2023
27/12 – Segundo a Polícia Militar (PM), um jovem de 19 anos morreu após ser atingido por disparos de arma de fogo durante abordagem do 13.° Batalhão de Ações Especiais da Polícia (13.º Baep), em área de mata na margem do córrego Água da Ressaca, na altura da rua Luiz Ferrari, no Parque das Nações.
12/12 – Um adolescente de 17 anos morreu em confronto com policiais do Baep (Batalhão de Ações Especiais de Polícia) no bairro Roosevelt em Bauru na terça-feira. Os policiais apreenderam arma, drogas e um colete balístico na operação.
Segundo comunicado do Baep, na ocasião, a operação foi deflagrada para atender demandas encaminhadas pelo telefone 190 sobre tráfico de drogas e ostentação de armas no local, conhecido como “Biqueira do Arvão”.
12/07 – Um jovem de 25 anos foi morto em confronto com policiais militares, na avenida Nações Norte, na altura do Jardim Godoy, em Bauru,
2024
17/10 – Jovens Luiz e Guilherme, de 21 e 18 anos, são mortos no Jd. Vitória. BAEP aponta confronto e troca de tiros durante patrulhamento em área de mata.
04/09 – Um jovem de 18 anos morreu no início da tarde, atingido por vários tiros em diversas partes do corpo, inclusive no rosto, no bairro Santa Fé, região Noroeste de Bauru.
26/08 – Dois homens, um de 26 e o outro de 36 anos, morreram em decorrência de confronto armado com policiais militares, conforme o 13.º Batalhão de Ações Especiais de Polícia (13.º Baep) de Bauru. O fato aconteceu durante cumprimento de mandado de prisão na quadra 4 da Alameda Pascal, no Parque Santa Edwirges, zona Norte da cidade. As vítimas fatais foram identificadas em boletim de ocorrência (BO) como Elias dos Santos Gomes e Willian Galindo Silva.
11/06 Um homem de 45 anos apontado como integrante de uma facção criminosa morreu baleado no início da tarde em confronto com a Polícia Militar (PM), no Jardim Cruzeiro do Sul, em Bauru. A abordagem ocorreu durante cumprimento de mandado de prisão por tráfico de drogas, em um apartamento do terceiro andar de um residencial localizado na quadra 2 da rua Ana Rosa Zuicker D’Annunziata.
25/05 – Dois suspeitos de envolvimento com o tráfico de drogas foram mortos(30 e 36 anos) em confronto com a Polícia Militar. A ocorrência começou quando a PM recebeu denúncia de disparo de arma de fogo e tentativa de homicídio no bairro Ferradura Mirim.
Algum traficante foi preso? Morto? Hahaha! Nunca! Algum policial ferido nos “confrontos”? Perguntas que não querem calar!