Número de mortes por Covid é maior e óbitos de SRAG ‘escondem’ a presença do coronavírus

Lista traz os dados dos registros das mortes para as principais doenças. Mas o total é de todo o ano

 

No dia 20 de março de 2020, o então prefeito de Bauru, Clodoaldo Gazzetta (PSDB), estava no plenário da Câmara Municipal de Bauru, por volta das 9h30. Naquela sexta-feira ele decidiu, com apoio dos parlamentares, decretar estado de emergência na cidade para tentar conter a pandemia. Exatamente 1 ano depois, ainda persiste no imaginário de muitos populares a ideia de que as mortes “passaram a ser atribuídas ao coronavírus”. Os dados oficiais, entretanto, mostram o inverso. Conversamos (por mais de uma vez) com o governo local, e especialistas em epidemiologia e infectologia sobre o quadro acima. Médicos e gestores em Saúde apontam que o histórico da doença mostra que o registro oficial de mortes é bem maior do que os 299 considerados para 2020. Quantos a mais efetivamente morreram, na verdade, em razão de complicações decorrentes da arrasadora presença do vírus no organismo humano, não saberemos.

O CONTRAPONTO levou mais de 40 dias para obter junto à Secretaria Municipal de Saúde o quadro com o registro de óbitos por doença, entre as causas principais. (Isto não é uma crítica. É citação apenas para mostrar que o governo municipal também ficou ‘assustado’ com alguns dados). Durante a correria (ainda em curso) na luta contra a Covid, dirigentes e profissionais de saúde não tiveram tempo de parar para avaliar os dados.

E o que trazem os dados? Bom. Oficialmente, Bauru tem 299 atestados de óbito registrados como morte Covid, de 20 de março a 31 de dezembro de 2020. E outras 198 ocorrências até esta data. Por si só, se vê como a doença “devastou” vidas em tão curto espaço de tempo nesta “segunda onda”. Vale lembrar que todos estes 497 óbitos estão amparados em exame sofisticado de biologia molecular digital (RT-PCR), do Instituto Adolfo Lutz.

E aqui está o “detalhe” para a compreensão do que está “por dentro” dos números, como veremos adiante.

Os atestados, conforme a Secretaria Municipal de Saúde, também apontam 247 óbitos por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) em 2020. Em 2019, o total foi de apenas 16. O que explica o “aumento de mais de 1.543%” entre um ano e outro para a esta “causa mortis”?

A Secretaria Municipal de Saúde destaca que “o aumento elevado de óbitos por SRAG em 2020, ano da pandemia, se deve a obrigatoriedade de investigação de casos relacionados a sintomas respiratórios (principal “ataque” da Covid no início). Esta obrigação foi instituída desde o início da pandemia, conforme determinação do Ministério da Saúde. O aumento verificado em Bauru também ocorreu no País todo”, informa em nota a administração, ao falar com o diretor de Vigilância Sanitária, Ezequiel dos Santos.

Para quem “lidou” com a pandemia desde o início, os números e a prática trazem outras informações importantes. O ex-secretário de Saúde, Sérgio Antonio, pegou o “rojão da Covid” no início de 2020. “Não tinha estrutura para exames. A Prefeitura teve de comprar equipamentos e instrumentos para o Instituto Adolfo Lutz fazer exames, foram contratados 35 mil testes rápidos e só o tempo mostrou que para cada teste havia uma prática: o número de dias do sintoma para a correta realização da coleta. E teve muito caso de falso negativo nos exames“, comenta.

Aqui está uma informação valiosa. A ocorrência de “falso negativo” aconteceu em larga escala, tanto no setor público quanto no privado. Os próprios leitores vão confirmar que muitos fizeram, ou viram familiares se submeter aos testes rápidos, e NADA DE IDENTIFICAR COVID. Para o ex-secretário, o falso negativo para Covid tem incidência sobre o registro de SRAG, nos óbitos.

Quem corrobora com esta avaliação é o também ex-secretário Fernando Monti, infectologista e professor universitário na área. “O falso negativo está presente em parte desses dados para SRAG. Porque a diferença com óbitos antes da pandemia é muito grande. E tem outros fatores. Veja, a subnotificação de casos é uma realidade em larga escala. Os especialistas que analisam a Covid todos apontam que o total de casos é algumas vezes maior do que o que os números apontam. Esses indicativos são, por um lado ou outro, que entre muitos óbitos registrados como SRAG estão Covid”, pondera.

No quadro abaixo, os registros de óbitos (SRAG) mantiveram média de março a dezembro.

TEMPO DA DOENÇA

Fernando Monti chama a atenção também para o fato da Covid ser uma doença com evolução “arrastada” no paciente. Na doença respiratória até então conhecida, o quadro clínico do paciente se agrava rápido. Na Covid não. E o que isso tem a ver com o total de óbitos?

Primeiro, reforçamos a citação anterior de que os testes indicaram que, na prática, o “melhor momento” para confirmar a Covid no paciente é quando o teste RT-PCR (o mais eficaz) é realizado entre o terceiro e o quinto dia. Pois bem!

Sugerimos que o próprio leitor observe entre familiares e amigos que muitos, infelizmente, morreram após o sétimo, nono dia. Então verifique se ocorreram casos de “falso negativo”. Tanto no meio do “turbilhão” de casos, sobretudo nos meses de pico  quanto no início da pandemia – durante a fase de falta de exames (ou do custo caro) –  muitos “pegaram Covid”. Mas isso foi registrado?

A abordagem é de que seja plausível que, entre as pessoas que deram “falso positivo” (e não são poucas) também estejam quem morreu após o sétimo, oitavo dia, sendo provável que alguns tenham sido acometidos pelo coronavírus. Mas o registro acabou sendo SRAG.

“SÓ MORRE DE COVID” (?)

Esta frase foi muito repetida por parte do público ao longo de 2020. Ainda nesta semana, o próprio presidente, Jair Bolsonaro, se valeu dela – novamente – para um de seus inúmeros comentários sem sustentação na medicina.

O fato é que, os dados oficiais de óbitos em Bauru, para o período com e sem Covid (2019-2020), também mostram que em todos os casos de mortes de origem respiratória houve queda no ano da pandemia (veja quadro). A exceção, neste grupo, é exatamente a SRAG (pelos fatores acima).

A mesma situação está nos dados dos óbitos atribuídos ao sistema cadiorespiratório. Também caíram em 2020, com a pandemia. Muitos desses pacientes teriam, eventualmente, “anos de vida” pela frente. Poderiam sofrer com a doença, mas não com o “reforço” duro do vírus da Covid o puxando para a morte… Alguns morreriam, claro. Mas, para os especialistas, está claro que o fator Covid “tirou” esta chance de boa parte desses cidadãos.

A explicação de quem estuda o coronavírus é objetiva. A Covid apareceu como o complicador do estado de saúde das pessoas, acentua o também especialista Carlos Magno Fortaleza, do HC da Unesp Botucatu.

A doença exige, regra geral, que apenas 5% dos contaminados precisem de internação, ou algum cuidado específico para buscar escapar do pior. Mas a “explosão inflamatória” que ela provoca no organismo amplia a vulnerabilidade do paciente. De outro lado, a maioria dos médicos da área (infectologia e epidemiologia) sustenta que, por isso, muitos dos cidadãos que tomam (ou tomaram) ivermectina e hidroxicloroquina… “achando” que estão seguros. (eles, regra geral, pertencem aos 95% do público que nada terão com a doença)… – mas dizer isso também é “levar paulada” nas redes…

AS FASES

Como explicou para o CONTRAPONTO o especialista em tratamento Covid e doutor em epidemiologia que atua no HC de Botucatu, Alexandre Naime Barbosa, “a fase inicial ataca o sistema respiratório. Em seguida, o protocolo tenta evitar a explosão inflamatória. Se o paciente tem doença preexistente, como pneumonia ou do sistema pulmonar, ele tem menos chance contra a Covid. E se ele fica vulnerável, mas não escapa da explosão inflamatória, em seguida, esta ou outras comorbidades também o colocam em muito maior risco, como os diabéticos, cardíacos”.

Alguém, por ai, vai apontar que é obeso, diabético, ou cardíaco e que fez o tratamento precoce e está bem! Para estes, com todo respeito e empatia, dizemos: “agradeça”! Você escapou! …

OUTRAS MORTES

Também levantamos os óbitos de “outras causas”, sem ligação com Covid. Acidentes de trânsito, falecimento decorrente de quedas (idosos), uso de armas, estão neste grupo.

CAUSA                                                  2019           2020

Trauma acidente com veículos    13                  28

Agressão arma fogo/branca          27                 07

Quedas do mesmo nível/leito       39                 14

Suicídios                                               17                 14

 

Para este contingente, as mortes por traumas mais que dobraram em razão da maciça presença de trabalhadores com uso de motos nas ruas. Infelizmente, a maioria das vítimas é de jovens, de até 25 anos, conforme estudo da Emdurb (que apresentamos em matéria – no site).

Por outro lado, houve queda significativa em mortes com uso de armas (menor circulação nas ruas) e também em decorrência de quedas (presença maior de familiares nas casas, provavelmente com maior atenção aos idosos)…

Em Bauru, 299 bauruenses morreram de Covid de 20 de março a 31 de dezembro de 2020. Infelizmente, em apenas “dois meses e meio de 2021”, a doença já levou mais 198 pessoas, 16 delas sem a oportunidade desses bauruenses tentarem se recuperar em uma UTI.

Morreram no Pronto Socorro (PAC), com respirador, medicação, equipe médica, cuidados. Mas a espera de vaga de UTI.

5 comentários em “Número de mortes por Covid é maior e óbitos de SRAG ‘escondem’ a presença do coronavírus”

  1. Diógenes Targa e Abreu

    Uma comparação que poderia ser feita seria a quantidade de mortes mês a mês na cidade, desde janeiro 2018 até março de 2021, seja lá por qual motivo tenha sido.
    Daí sim conseguiremos enxergar e analisar qual tem sido o impacto da nova doença na cidade.
    Desta forma você elimina qualquer interpretação médica,. Morto é morto, seja lá qual foi o motivo que o levou desta para uma vida melhor.
    Obrigado pela atenção e bom domingo.

    Diógenes Targa

  2. O número de nascimento e mortes seguem a rotina natural e normal de uma população.
    A Denominação e classificação de causa mortes são normas que o homem muda e ajusta na conveniência dos interesses.
    Se estamos com um vírus novo que chegou recente não significa que está morrendo mais que o normal na soma total,
    É preciso conviver na rotina normal com este vírus de uma maneira nova no modelo novo normal não significa o fim e sim recomeçar e não parar de trabalhar, viver, estudar e seguir avançando e ajustando a rotina é uma delas é desligar das notícias ruins e derrubar todos os políticos e meios que estão fazendo da tragédia meios de ganhos ou se aproveitando de qualquer forma dos óbitos pra fazer mais fama e recursos.
    O bom gestor administra as crises e não explica o sucesso e o mal gestor explica todos os seus fracasso achando os culpados. Se a escolha for digna de mostrar gestão que mostre os resultados para ser julgado.

  3. Eusebio Giraldes de Carvalho Jr.

    COVID-19. O que deu errado? Um ano se passou, os que subestima a pandemia, demora na aquisição de vacinas, Bolsonaro, Suellen, Wallace Sampaio etc., execrados, tratamento precoce sem comprovação científica, Globo e consórcio de comunicação invadindo lares com varinha de condão, respeitáveis cientistas nacionais em 3 minutos de fama no JN obedecendo linha editorial da ex-vênus platinada, o que será? Será que Porto Feliz – SP e Itajubá – MG o tratamento é diferente do resto da nação, isso pra citar apenas 2 cidades. Já que não tem medicação especifica para combate, é muito pedir aos senhores secretários de saúde, prevenir pacientes que apresentarem sintomas da COVID-19 a prescrição da Ivermectina, Cloroquina etc., pelo menos para aliviar UPAS, UBS, hospitais, hospitais de campanha espalhados pelo Brasil totalmente equipados com dinheiro publico, e ir eliminando essa politicagem imunda que assola o país?

    1. Caro leitor, obrigado pelo diálogo. Uma ponderação: o número de casos (e mortes) Covid em cidades como Porto Feliz (que adotou tratamento precoce) e Itajubá é alto, como nos demais, infelizmente. Grande abc!

  4. O pior de tudo é que,sem seguir as restrições, muitos assintomáticos transmitem o virus. Só que pessoas morrem! Ninguém pensa nisso. E morrer por atropelamento e outras doenças porque NAO TEM aonde ficar e nem gente pra atender.
    A Desprefeita Bolsuellen só pensa em pedir $ pra leito. Mas orientar a população, andar na maré da ciência e restirngir PRA VALER a bagunça toda que acontece aqui ela não pensa né?
    Leito a gente precisa desde sempre, agora ainda mais, mas se cuidar e tomar providências reais e efetivas de contenção também.

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