Pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) aponta que os Tribunais de Contas dos Estados (TCE) têm se posicionado contra concorrências de concessões de esgoto que adotam a regra “técnica e preço”, exatamente como já questionado pelas grandes empresas do setor no Brasil em relação ao edital aberto em Bauru, com entrega dos envelopes marcada para o dia 8 de janeiro de 2025.
O governo da prefeita Suéllen Rosim aguarda, nesta fase, a reação de empresas ao edital. Bauru é a última cidade de porte médio, com mais de 200 mil habitantes, que ainda não contratou o tratamento de seu esgoto. Exatamente por isso, o negócio estimado em mais de R$ 3,6 bilhões, em 30 anos, deve gerar disputa. Nos bastidores, o termômetro é de que o edital escolhido pela prefeita será objeto de pedido de suspensões, desde já, nos próximos dias.
A pesquisa da FGV aponta que, a partir de 2019, os Tribunais de Contas Estaduais passaram a se opor ao modelo de ‘técnica e preço” em razão de julgamentos com itens subjetivos no item técnica (que tem o maior peso na classificação: 70% da nota). Dos 42 processos que tratam do tema nos últimos 13 anos, entre 2010 e 2023, 43% das decisões nos TCEs foram contra a adoção deste critério. Nos 57% restantes houve problemas com a subjetividade dos critérios.
O dilema central, jurídico, é de que os editais (como aqui) que listam itens com extensas apresentações complicam, ainda mais, a objetividade e a difícil comparação entre concorrentes”.
A análise da universidade se debruçou sobre bases de processos de todos os 27 Tribunais de Contas Estaduais e chegou a um horizonte de 42 processos que tratavam da temática. As análises contemplaram os Estados de São Paulo (31 processos), Minas Gerais (4), Rio de Janeiro (4), Espírito Santo (1), Rio Grande do Sul (1) e Santa Catarina (1).
RISCO E ATRASO
O CONTRAPONTO abriu o debate a respeito do tema ainda durante a fase de consulta pública do edital, neste ano. A questão de Bauru não se resume em esperadas contestações em si. As empresas entrarem em disputa é legítimo. O dilema é que o Município está pressionado por eventual descumprimento do uso de recursos federais na ETE do Distrito.
Dos R$ 118 milhões liberados a fundo perdido (de graça) ainda em março de 2013, durante o governo Dilma Rousseff, para a cidade investir em tratamento de esgoto, o governo só utilizou em torno de R$ 60 milhões. E a obra da ETE está parada e com contrato rescindido desde setembro de 2021, primeiro ano do atual mandato de Suéllen.
Barrar o edital é um risco que pode envolver meses e meses sem a retomada da obra. Sobre a contestação, em si, publicamos que as “grandes do setor” concentraram questionamentos para os 11 itens listados em Bauru para a “técnica”. Veja no link a seguir os principais apontamentos:
Três grandes do setor de esgoto questionam edital bilionário da concessão de Bauru
Ex-presidente do Departamento de Água e Esgoto (DAE), o atual secretário de Desenvolvimento Econômico (Sedecon), Leandro Dias Joaquim, continua participando ativamente do andamento da concorrência de esgoto e drenagem em Bauru.
Ainda neste final de semana, conta Joaquim, nova reunião técnica estava planejada com equipe da Fipe. Na agenda, o principal assunto era exatamente a preparação jurídica para a defesa do edital. “O edital com os envelopes de técnica antes de abrir os preços visam garantir a capacidade da empresa em realizar o que o projeto pede, concluir a ETE, operar o sistema, e fazer ele funcionar. Este formato também é para evitar que quem não tenha capacidade nessas duas frentes, fazer o operar, dispute. As grandes empresas preferem disputar edital só para obra. E não é isso que Bauru precisa”, aborda.
Para Joaquim é esperado “as grandes brigarem em relação ao edital. Porque não é o que elas querem. Elas estão incomodadas. A reunião com a Fipe agora é para avançar neste ponto, na importância do conteúdo jurídico para o edital avançar. Estamos preparados para defender o modelo”, disse.
Para o executivo da Fundação do Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), Mário Silvério, nem sempre as concorrências focadas em preço garantem bons projetos e funcionalidade. Coordenador da equipe de consultoria contratada pela Prefeitura de Bauru para o edital em andamento, ele rebateu às empresas que as características peculiares do programa em Bauru pedem a adoção de técnica e preço.
Na ata oficial de resposta aos questionamentos, a equipe da Fipe responde (em nome do Município), que “a exigência de Proposta Comercial para a Concorrência é justificada em razão do conhecimento técnico especializado demandado para o adequado desenvolvimento do objeto da Concessão. O projeto envolve o aproveitamento das obras parcialmente concluídas relativas à ETE Vargem Limpa, bem como a proposição de solução para o encargo adicional relativo às obras de drenagem na Av. Nações Unidas, que comporta soluções distintas e para as quais a expertise do prestador deverá ser colocada a teste, a fim de melhor atender ao interesse público do Município. Tendo em vista tais particularidades, entende-se que o critério de menor preço, sozinho, poderá não ser capaz de avaliar adequadamente todos os elementos necessários para que um parceiro privado seja considerado apto a assumir a concessão pelo prazo de 30 anos”.
OS TRIBUNAIS
Mas não é o que têm julgado os Tribunais. Conforme o levantamento da FGV, “esse sistema aumenta a insegurança jurídica dos projetos, afastando concorrentes qualificados e diminui incentivos para que as propostas de preços sejam mais agressivas, pois o critério de ‘melhor técnica’ tem um peso maior do que o critério de desconto da tarifa a ser cobrada dos usuários”.
Os tribunais têm entendido que selecionar um concessionário para operar os serviços de saneamento de um município com base no critério de “melhor técnica” traria riscos à integridade, prejuízo à transparência e, ainda, impede descontos “mais agressivos” nas tarifas cobradas dos usuários ou preços mais vantajosos para a administração pública.
Em Bauru, além do preço ter peso de apenas 30% no julgamento, o desconto da tarifa a ser oferecida pelos concorrentes será utilizado para custear parte do DAE (que perde a receita de esgoto inteira a partir da entrega da ETE Distrito funcionando – em até 36 meses).
No total, foram identificadas 25 decisões em que a questão foi discutida, conforme a Getúlio Vargas. “A conclusão é que critérios subjetivos podem também abrir espaço para favorecimentos indevidos de licitantes com menor capacidade técnica e financeira, mas com maior trânsito político”.
Ou está TODO mundo ERRADO, ou está TODO mundo CERTO, SIMPLES ASSIM !
Excelente matéria. O talvez resuma tudo. Não é de hoje que em Bauru, parece que se decide contratações pelo critério de Maior Trânsito Político e Que se dane técnica e preço. Quem perde é a sociedade, quem ganha, os “amigos do Rei”