Planos Diretores Participativos! Um olhar pelos direitos urbanos ainda não conquistados

Por José Xaides de Sampaio Alves

De 2001 para cá, apesar de termos uma das melhores legislações urbanísticas do mundo com o Estatuto da Cidade, pouco se mudaram as formas políticas e técnicas de planejar as cidades no Brasil. Continua a velha máxima de que planos didiretores são apenas para os interesses de mercado imobiliário e para a população mais rica, com apoio da administração municipal, controlar a produção do espaço e segregar os mais pobres, colocando-os distantes dos espaços infraestruturados e dos melhores benefícios da cidade.
No Brasil se implantam muros, visíveis e invisíveis para segregar os mais pobres no território, ao invés de garantir-lhes os direitos urbanos tão exaustivamente conquistados com a lei 10257/2001.

São muros visíveis como os dos ditos loteamentos fechados, de condomínios verticais em todas as cidades médias, ou como fazer a separação entre ricos e pobres no zoneamento urbano, também se viu destacado nas últimas tragédias do litoral norte de São Paulo, separados pela rodovia Rio/Santos, ou ainda na separação historicamente estudada entre os moradores dos morros e das praias do Rio de Janeiro, também aqui das periferias de Bauru com a zona sul.

Mas há tantos outros muros invisíveis da segregação humana, sem oferta de serviços básicos de educação integral, saúde preventiva, lazer, esporte, cultura voltados para as crianças, adolescentes e idosos, a fazer persistir a história separação entre a casa grande e a senzala.

Desassistidos historicamente da propriedade da terra rural e urbana e políticas habitacionais para os mais pobres, há falta de regularização fundiária para aqueles que só lhes restam ocupar a terra improdutiva, que não cumprem a função social da propriedade.

Há falta de milhões de habitação dignas para aqueles que só encontraram nos morros, palafitas, favelas, nos vazios ociosos um lugar para habitar. Falta saneamento básico em mais de 50% de nossas cidades, bem como faltam infraestruturas urbanas, equipamentos públicos para programas nos seus espaços urbanos, de saúde preventiva, de escola integral, de programas culturais, de cuidados ambientais, de programas de capacitação e de geração de renda, empreendedorismo como queiram.

As ZEIS – Zonas Especiais de Interesse Sociais, portanto, sem as regulamentações nos Planos Diretores Participativos, ainda não avançaram em suas possibilidades de inclusão daqueles que não serão contemplados com os programas de moradias que dependem de comprovação de renda para entrarem nos financiamentos bancários.

Há uma omissão governamental e política municipal pela não regulamentaram nas cidades, dos instrumentos democráticos e muitos não onerosos, para a conquista da terra urbana inclusiva e infraestruturada, nem de conquista da moradia digna. Enquanto isso multiplicam-se as benesses da verticalização e adensamentos sem contrapartidas ou outorgas corretas e justas pela super lucratividade de espaços de alta renda.

Poucos gestores, vereadores e políticos sabem como regulamentar os instrumentos de contrapartidas ao excesso especulativo, e este é um desafio urgente. Assim, a população excluída de seus direitos, pela omissão administrativa, é a que mais sofre e irá sofrer com as catástrofes ambientais, a exclusão e segregação em todos os sentidos.

 

Os dados de crescimento populacional do IBGE e Fundação Seade, demonstram que a população brasileira vai parar de crescer em torno de 2030, portanto, estamos na última década de seu incremento e possibilidade de corrigir erros nas cidades. Mas as cidades estão parecendo um “queijo suíço”, cheia de buracos e vazios de construções e de eixos subutilizados. Em Bauru, que só deverá ter incremento de cerca de 15 mil pessoas, temos mais de 49 mil lotes vazios, 8500 edificações ociosas no centro e centro expandido, cerca de metade da área urbana são de em glebas vazias após a absurda expansão especulativa de 2018.

Vazios que são verdadeira tragédia especulativa, constituída na “segunda fase da cidade sem limites” e feita em aliança entre gestores e o mercado especulativo, sem ouvir e ter propostas de qualificação da cidade. Expandiu-se a cidade sem racionalidade, nem visão de economia urbana, nem de justiça social, sem sustentabilidade e sem humanização dos bairros para os mais pobres. As decisões foram e continuam sendo tomadas em gabinetes e por aqueles que se acham donos do poder, com pouco debate técnico sério, sem uso de ciência urbanística e sem participação efetiva.

Mesmo que isso quando reclamado na justiça, garanta os direitos dos reclamantes e traga reveses contra a segurança urbanística, processos de improbidades contra gestores etc. Mas isto não é dramático só em Bauru. Precisamos avançar na garantia dos direitos urbanos.
O mercado especulativo, particularmente de “enclaustros fortificados”, vem induzindo que populações de classe média migrem de bairros tradicionais infraestruturados, abandonando os miolos de bairros por um viver isolado. Essa indução vem acompanhada de propostas da administração municipal de indução de mudanças de LUOS e PDP que induzem a deterioração ambiental dos miolos de bairros residenciais infraestruturados, causando uma desvalorização do patrimônio social, privado e público já instalado, num movimento de autodestruição da qualidade do centro e de bairros tradicionais. “Autofagia urbana”, como denominei em outro artigo, causada pela ânsia especulativa. Este fenômeno econômico especulativo, de oportunismo imediato, ampliará sobremaneira a oferta de áreas vazias sem demanda de população, e deverá causar consequências ainda não conhecidas para todos, de bolhas imobiliárias, não recuperação de valores investidos em lotes e construções deixadas para trás, além de desvalorização de unidades centrais.

Fora a ampliação dos custos públicos de manutenção das infraestruturas urbanas, de longos corredores murados, redes de energia e drenagens, saneamento básico, transporte para o deslocamento dos trabalhadores dos bairros distantes, para alcançar seus locais de trabalho, tudo por conta de numa cidade ainda mais espalhada e fragmentada, contra toda a ciência de racionalidade sobre a sustentabilidade econômica de cidades que deveriam ser mais compactas.

É preciso usar a ciência e fazer modelagens urbanísticas para as tomadas de decisões de planejamento para termos “Cidades Econômicas e Humanizadas” (*CBL) e regrar o crescimento urbano, doa a quem doer.
Não é possível mais, ver a história da cidade, seu patrimônio cultural urbanístico e arquitetônico abandonado. Ele está se deteriorando a cada administração. Há um potencial enorme de investimentos e revitalização de edificações históricas de cada período de construção da cidade. Uma necessidade de inserir atividades culturais e artísticas, educacionais, de saúde, administrativas, de lazer e esporte em conjunto com a preservação ambiental em dezenas de edificações ociosas e abandonadas, aproveitando todo esse patrimônio para roteiros da economia criativa e do turismo, localizadas em regiões centrais.

Mas sequer os instrumentos urbanísticos de indução, parcerias público e privado, e os de incentivos aos investidores foram ainda debatidos e regulamentados. Há uma omissão legislativa e do executivo sobre nossos direitos ao patrimônio cultural desde quando os planos diretores participativos foram aprovados em suas diretrizes.
A cidade se estende e esparrama com asfalto impermeável e construções sem critérios, sobre áreas de recargas de rios e córregos urbanos, sobre áreas de mananciais e matas ciliares, sobre fragmentos de matas, como no cerrado de Bauru, ou destruindo espécimes raras em lotes urbanos, sem qualquer maior atenção aos instrumentos reguladores possíveis.

Nas cidades, nos períodos de secas, rios como o Rio Bauru tornam-se “reguinhos d`água”, afinal com a morte das áreas de mananciais não há água armazenada nos morros para abastecê-los. Nos períodos de chuvas, as consequências óbvias da impermeabilização à montante são as enormes enxurradas e alagamentos urbanos das áreas mais baixas da cidade, provocam catástrofes de verdadeiras corredeiras a empurrar carros, causarem estragos nas casas e mortes. Tudo fruto de ações humanas, acumuladas sem os devidos cuidados e sem planejamento no tempo.

É preciso adotar os instrumentos de controle ambiental, de escambos de potenciais construtivos que permitem manter as áreas de recargas, os fragmentos, os parques urbanos etc. de forma sustentável e com compensações em potencial construtivo para os proprietários em zonas definidas para maiores densidades urbanas. E que o Poder Público e gestores sejam inteligentes em não gastarem com desapropriações milionárias que esvaziam os cofres municipais e deixam enormes “esqueletos pendurados nos armários”.

 

É possível um novo projeto urbano, racional, econômico e humanizado para nossas cidades. Um olhar cidadão e de inclusão aos benefícios da cidade para todos, um olhar para a cidade que terá mais de 1/3 de idosos e que carece de acessibilidade universal, de inclusão à cidadania e vida ativa e humanizada às gerações de crianças e idosos.
O exercício aprofundado em vários planos diretores participativos, integrando o conhecimento científico sobre os instrumentos urbanísticos, as tendências sobre as cidades, e a busca incessante de legitimar os direitos urbanísticos, demonstram na prática de entender e propor sobre os territórios urbanos, excelentes alternativas de desenho urbano mais justo, sustentável, resiliente, saudável, criativo e inteligente.

É preciso eleger prioridades para onde a cidade futura deve se desenvolver, e dentre elas a necessidade de ocupação racional de vazios urbanos em todas as regiões. Deve-se criar polos ou eixos de distribuição do desenvolvimento urbano e do emprego, através de operações urbanas equilibradas entre usos, formas de morar, classes sociais, mas que gere coesão e não segregação urbana. Que aproxime moradia do trabalho com mobilidades ativas, sem, contudo, destruir os miolos de viver e morar mais exclusivos e mais saudáveis.

Que se priorize a atenção e participação popular com as práticas metodológicas de planos populares de bairros, onde a quantidade e localização dos espaços públicos sejam prioridade para criar centralidades de usos coletivos. É preciso um olhar urbanístico para os eixos históricos subaproveitados e que devidamente infraestruturados melhoraria a qualidade de vida de todos, são eixos como os eixos ferroviários de Bauru e avenidas mal adensadas como toda a extensão da Nações Unidas do zoológico à rodovia Bauru/Marília, que se potencializadas adequadamente como fez Curitiba PR, poderiam racionalizar transporte e mobilidade ativas e passivas, e de quebra como contrapartidas à maior exploração e lucratividade imobiliária pela verticalização poderiam gerar Outorgas Onerosas acima do Coeficiente de Aproveitamento Básico, histórico e científico da cidade, para corrigir várias carências sociais, como fazer um plano de moradias subsidiadas, de passagem, de aluguel social, ou investir em melhorar os espaços públicos da periferia e das ZEIS, fazer melhores infraestruturas e mesmo restaurar edificações históricas.

Mais que análises, é tempo de inovar e dar soluções para nossas cidades, com economia, criatividade, respeito aos direitos urbanos e humanização.
Participem das Oficinas de Direitos Urbanos. Toda quinta, das 19-21h, na APEOESP. Rua Gerson França 9-23. de Março e Abril.

 

O autor

é professor, doutor, arquiteto e urbanista 

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