
A Prefeitura de Bauru acaba de obter duas decisões judiciais que mantêm valores cobrados como imposto por compra e venda de imóveis, o ITBI. As recentes decisões judiciais envolvendo o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) no Município de Bauru trazem importantes esclarecimentos sobre a aplicação do Tema 1.113 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – que trata do assunto.
As decisões judiciais, que analisam casos de contestação à base de cálculo do imposto, indicam que o sistema de avaliação da Prefeitura de Bauru se alinha aos preceitos do STJ, ao mesmo tempo em que sublinham a natureza relativa da presunção de veracidade do valor declarado pelos contribuintes em transações imobiliárias. Ou seja, não é apenas o registro do valor da venda que define a base para cobrar ITBI.
A controvérsia central nos processos girava em torno da base de cálculo do ITBI. Enquanto contribuintes argumentavam que o imposto deveria incidir sobre o valor declarado na transação, a Prefeitura de Bauru sustentava a validade de seu método de arbitramento, que considera o valor venal de mercado apurado por uma comissão especializada, especialmente em casos de grandes discrepâncias.
A) O Modelo de cobrança
O cerne da discussão judicial reside na interpretação e aplicação do Tema 1.113 do STJ, que estabeleceu três teses importantes para o cálculo do ITBI:
• A base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não se vinculando à base de cálculo do IPTU.
• O valor da transação declarado pelo contribuinte goza de presunção de que é condizente com o valor de mercado, mas essa presunção pode ser afastada pelo fisco mediante regular processo administrativo (art. 148 do CTN).
• O Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com base em valor de referência estabelecido unilateralmente.
A Prefeitura de Bauru defende em ações (uma avalanche chega ao Judiciário) que seu sistema não se enquadra na vedação de arbitramento unilateral. Conforme apontado nos autos do processo 1000752-33.2023.8.26.0071, a defesa do município destacou que o valor venal de mercado em Bauru não é estabelecido de forma arbitrária, mas sim por uma “Comissão Permanente de Avaliação e Estudos para atualização da Planta Genérica de Valores Imobiliários”.
A cobrança foi questionada por João Parreira de Miranda e se refere a mais de 80 lotes, no processo.
Conforme o governo, a comissão para apontar o valor é multidisciplinar, composta por profissionais de diversos segmentos, como corretores (indicados pelo CRECI), engenheiros (CREA), contadores (CRC) e servidores municipais. Tal composição confere legitimidade e um caráter técnico à apuração dos valores, distanciando-se da “arbitragem unilateral” condenada pelo STJ, posicionou o Município.
Além disso, a legislação municipal de Bauru prevê a instauração de processo administrativo para verificação do valor de mercado quando há dúvidas sobre a fidedignidade da declaração do contribuinte, em conformidade com o Artigo 148 do Código Tributário Nacional (CTN). Esse processo permite ao fisco arbitrar o valor do imposto mediante um “processo regular”, garantindo o contraditório ao contribuinte.
A sentença do processo 1000752-33.2023.8.26.0071, por exemplo, reconheceu o “distinguishing” alegado pelo Município ao Tema 1113 STJ, afastando a condenação e validando o método de Bauru, por considerar que a municipalidade “logrou êxito em demonstrar a incidência do distinguishing, afastando as condutas vedadas pelo Tema 1.113, ao provar que a sua sistemática de cobrança e arbitramento não se enquadra na ilegalidade combatida pelo precedente vinculante”.
B) A Relatividade da Presunção de Veracidade do Valor Declarado
Enquanto o STJ confere ao valor da transação declarado pelo contribuinte uma “presunção de veracidade”, as decisões em Bauru reforçam que essa presunção é relativa.
Ou seja, não é absoluta e pode ser derrubada pelo fisco caso haja indícios de incompatibilidade com o valor real de mercado. Para isso, o município deve instaurar um processo administrativo, conforme prevê o Artigo 148 do CTN, onde o contribuinte terá a oportunidade de apresentar suas justificativas e provas.
Desvalorização Não Comprovada
Já no processo 1020050-45.2022.8.26.0071, a empresa Teruel Brothers Administradora de Bens Ltda. adquiriu dois imóveis por R$ 1.380.000,00. Contudo, o valor venal dos imóveis, conforme a Prefeitura de Bauru, era de R$ 3.392.211,95, gerando um ITBI de R$ 76.324,77. A empresa pleiteou a restituição de R$ 45.274,77, alegando que o valor da transação era inferior devido ao “péssimo estado de conservação dos imóveis”.
A diferença entre o valor declarado e o valor venal era significativa: R$ 2.012.211,95, o que representa aproximadamente 59,33% a menos do que o valor de referência do município. A Prefeitura argumentou que a empresa não comprovou o alegado estado precário dos imóveis que justificasse tamanha redução no valor.
Inicialmente, a primeira instância deu ganho de causa ao contribuinte. No entanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo, em decisão de 14 de novembro de 2025, deu provimento ao recurso municipal. O Desembargador Relator, Silva Russo, enfatizou que o Tema 1.113 do STJ estabelece uma presunção relativa de validade para o valor declarado, mas ressalva a aplicação do Artigo 148 do CTN.
“Portanto, o Tema 1113 do STJ traz, apenas, presunção relativa de validade, do valor básico do negócio jurídico, como base imponível do imposto, ressalvada a aplicação do art. 148 do CTN, daí a necessidade de demonstração, pela autora, da inferioridade do valor venal do imóvel — valor de venda, em condições normais de mercado — ao tempo do fato gerador, relativamente ao então considerado pelo fisco, a teor do Art. 373-I do CPC, assim comprovando a cogitada ocorrência do alegado indébito em seu desfavor, ante eventual desfalque patrimonial ilegítimo, o que não ocorreu, na espécie, ante a ausência de prova nos autos, a esse respeito, tudo levando à improcedência da ação, com o acolhimento do apelo municipal…”
A decisão aponta que, para reverter a cobrança municipal, o contribuinte deve “demonstrar a inferioridade do valor venal do imóvel” com provas concretas que justifiquem a desvalorização em relação às condições normais de mercado. A ausência de tal prova levou à improcedência da ação do contribuinte.
Falta de Provas
No processo 1000752-33.2023.8.26.0071, a João Parreira Negócios Imobiliários Ltda. buscou a restituição de ITBI pago em 93 transações, alegando que a Prefeitura utilizou valores venais unilateralmente, resultando em um pagamento a maior de R$ 26.931,02. A empresa apresentou tabelas detalhando os valores que considerava corretos para as transações e os valores venais que foram utilizados pela municipalidade.
Somando os valores de aquisição das 93 propriedades, o contribuinte declarou um valor total de transação de R$ 2.875.620,00. Em contrapartida, o valor venal total dos mesmos imóveis, conforme apurado pela Prefeitura de Bauru, foi de R$ 4.170.930,00. Esta diferença significativa de 31,06% a menos, ou de R$ 1,2 milhão, foi um ponto crucial na argumentação do município.
Para ilustrar a disparidade em casos individuais, o contribuinte alegou, por exemplo, que em uma transação de matrícula 43.792, o valor da transação foi de R$ 25.000,00, enquanto o valor venal utilizado pela prefeitura era de R$ 41.600,00, gerando um ITBI pago de R$ 936,00 contra um suposto valor correto de R$ 562,50, resultando em uma diferença de R$ 373,50.
Em outro exemplo, para a matrícula 19.430, o valor da transação declarado foi de R$ 180.000,00, enquanto o valor venal foi de R$ 297.833,16, com uma diferença alegada de R$ 2.021,25.
<span;>A tabela apresentada na petição inicial do contribuinte demonstra essa diferença para as 93 propriedades. Para a totalidade das transações, o valor total de ITBI pago, baseado no valor venal do Município, foi de R$ 68.618,36, enquanto o contribuinte defendeu que o valor correto a ser pago, com base em seus valores de transação, seria de R$ 41.687,34. A diferença total apurada pelo contribuinte foi de R$ 26.931,02.
A Prefeitura de Bauru, em sua contestação, argumentou que o valor declarado pelo contribuinte para a aquisição de 93 imóveis em uma única operação (“compra em quantidade e a preço de custo”) gerou “grandes diferenças de valores” que fizeram com que as declarações “não merecessem fé”. O município destacou que o contribuinte não apresentou “extratos bancários idôneos para comprovar o efetivo valor pago nas transações imobiliárias, ônus que lhe cabia (Art. 373, I, CPC)”.
“Frise-se ainda que não houve juntada de extratos bancários para comprovação efetiva dos valores pagos, bem como indicação pelo contribuinte de que o imóvel teria de fato algum fator de redução (desvalorização), justificando assim um valor menor do que a base de cálculo atribuída pela Fazenda Pública, conforme critérios citados acima.”
A juíza Fernanda Lopes dos Santos, em sua sentença de 28 de outubro de 2025, julgou a ação improcedente, favorecendo a Prefeitura de Bauru. A decisão foi categórica ao afirmar que a autora “não se desincumbiu do ônus de provar que o montante efetivamente pago nos negócios imobiliários era aquele menor, ensejador da repetição do indébito”.
“Dessa forma, prevalece não a ilegalidade sistêmica combatida pelo Tema 1.113 do STJ, mas sim a legalidade do arbitramento do Fisco Municipal, respaldado nos critérios de mercado e no Art. 148 do CTN, que permitiu o afastamento da presunção de veracidade do valor declarado pela contribuinte, dada a ausência de fé da declaração em vista das grandes diferenças de valor e da natureza da operação (aquisição em atacado)”, traz a decisão.