Professores reagem contra discriminação e racismo em conteúdo do Palavra Cantada para alunos de 10 anos

Na linha 10 do cordel (acima)

Professores da rede municipal de ensino fundamental de Bauru reagem a conteúdo do kit Palavra Cantada para o caderno de alunos de 10 anos. Nas redes, o magistério aponta racismo e discriminação em páginas do material para o quinto ano. Veja abaixo a posição do governo.

Conforme o Coletivo Educação e um grupo de professoras adjuntas, o conteúdo de cordel (para abordar o uso de rimas e sobre o folclore) foi localizado no volume destinado a alunos de 10 anos. A compra foi sem licitação (inexigibilidade), por R$ 5,295 milhões, em 2022.

A Editora Movimenta posiciona, porém, através de sua assessoria, que “não tem ingerência sobre o material e detém apenas os direitos de comercialização”.

De fato, o conteúdo integra material dos autores. Em nota, a Palavra Cantada diz que “repudia qualquer conteúdo de cunho racista e informa que, em agosto deste ano, foi realizada a exclusão dos versos citados da canção “Eu Nunca Posso Perder” – de autoria e interpretação dos repentistas mirins do Rio Grande do Norte Frank e Nazah, na época com 11 e 14 anos. A faixa integra a coletânea “Canções do Brasil”, produzida em 2000, que reúne o canto infantil regional de todo o país. A Palavra Cantada agradece a percepção dos professores e pede desculpas pela grave desatenção”, encerra. Ou seja, este conteúdo ficou no volume para o quinto ano enviado a Bauru no início do ano.

O Coletivo Educação informou que vai solicitar a Promotoria Estadual a retirada do material das escolas municipais.

A abordagem com reclamação de racismo e discriminação nas páginas 45 a 47 está sendo encaminhada à coordenação pedagógica das escolas pelos reclamantes.

Professores também questionam que, no todo, o material não é adequado para as turmas de ensino fundamental, que compõem 16 escolas em Bauru. Mesmo assim foi distribuído a todas as unidades e alunos.

Professores informaram que ainda não tinham identificado o conteúdo denunciado porque o kit para o quinto ano distribuído no início do ano quase não é utilizado. Todo o material está na rede desde o início do ano, cada kit com volume de sua faixa etária. Diante da identificação do conteúdo questionado, professores disseram que vão revisar todo o conteúdo para ver se há outras ocorrências.

As Comissões de Educação e de Fiscalização do Legislativo receberam hoje a denúncia. Acionamos o secretário Nilson Ghirardello e assessoria de imprensa sobre o tema. Abaixo, posição na íntegra da Secretaria de Educação.

 

Secretaria de Educação se posiciona contra teor racista e adverte para contexto do conteúdo

 

Em nota enviada ao Contraponto, o Município se posiciona. Na íntegra, veja:

A Secretaria da Educação de Bauru, assim como a Administração Municipal, se coloca contra qualquer manifestação de cunho racista, ou preconceituosa.
A autoria do material do Palavra Cantada é de responsabilidade da editora.
Por mais que o cordel publicado possa ter uma eventual interpretação regionalista, o tom racista e o evidente preconceito não devem, nem podem, ser aceitos.

Contudo, é preciso esclarecer que a música “Eu nunca posso perder”, uma canção tradicional do Rio Grande do Norte, faz parte do repertório cultural nordestino do Brasil. Esta canção, rica em tradição e significado, tem um potencial pedagógico valioso e também nos instiga a refletir sobre questões de preconceito. A música está no CD Canções do Brasil do Grupo Palavra Cantada. Os produtores Sandra Peres e Paulo Tatit percorreram todos os Estados do Brasil, recolhendo a canção infantil mais ligada a cada lugar. Dentre tantos ritmos característicos, no CD e no DVD, estão presentes o maracatu de Pernambuco, o samba do Rio de Janeiro, o bumba-meu-boi do Maranhão, o olodum da Bahia, a congada de Minas Gerais e o rap de São Paulo. “Canções do Brasil” é um retrato da profusão musical do nosso país, com a voz de crianças de todas as regiões.

CONTEÚDO

A primeira versão, em CD, é acompanhada de um livro de 116 páginas, com diário de viagem e textos dos pesquisadores Paulo Dias e André Bueno. O DVD foi gravado no Sesc Pompeia, em São Paulo, e recebeu o Prêmio Caras de Melhor CD Infantil e Melhor Projeto Gráfico.

No que diz respeito aos aspectos pedagógicos, a música é uma excelente ferramenta para ensinar conceitos musicais, como ritmo, harmonia, melodia e notação musical. Ela permite que os alunos explorem a sonoridade dos instrumentos tradicionais do Nordeste, como o violão, a sanfona e o zabumba.
Também faz parte da rica tradição cultural do Rio Grande do Norte e do Nordeste brasileiro. Ela pode ser usada para ensinar aos alunos sobre a história e a cultura da região, incluindo suas tradições, costumes e influências musicais.

No que diz respeito ao ensino da língua escrita, a letra da música oferece um terreno fértil para o ensino de vocabulário, gramática e interpretação de texto. Os alunos podem analisar a letra, identificar metáforas e expressões regionais, e discutir o significado do texto, bem como é uma porta de entrada para discutir questões culturais mais amplas, como a diversidade cultural, a preservação das tradições locais e a importância da música na identidade cultural.

Os professores podem incorporar a música em projetos interdisciplinares que abordem tópicos relacionados à história, geografia, cultura e música, demonstrando como diferentes disciplinas estão interconectadas.

No entanto, a música em questão nos lembra que a cultura também carrega consigo elementos do passado, incluindo preconceitos raciais e capacitistas. A análise crítica é essencial. O conteúdo da música deve ser examinado à luz dos valores de igualdade e inclusão que defendemos na sociedade contemporânea.

A contextualização histórica é fundamental, mostrando que muitas músicas tradicionais têm raízes em épocas em que o racismo e o capacitismo eram prevalentes. Devemos abordar questões sensíveis, como estereótipos e linguagem ofensiva, promovendo discussões abertas e respeitosas sobre o impacto do preconceito.

O poder da música está em sua capacidade de criar consciência e promover a mudança. Encorajamos a reflexão e a criação de alternativas que promovam a inclusão e a igualdade. Além disso, incentivamos a exploração de músicas alternativas que celebram a diversidade e combatem o preconceito.

A música “Eu nunca posso perder” do Rio Grande do Norte é uma parte importante de nosso patrimônio cultural. Ao usá-la como uma ferramenta pedagógica e uma lente para discutir questões de preconceito, podemos enriquecer nossa compreensão da música e da sociedade em que vivemos.

Porém, mais uma vez nos manifestamos contrários a qualquer tipo de preconceito e discriminação, repudiando qualquer ato ou prática que venha a diminuir ou estereotipar, independente de suas condições sociais, raciais, religiosos ou outros.
É importante ainda esclarecer que teoria histórico-cultural, uma perspectiva teórica adotada pela Secretaria Municipal de Educação (SME) em seu currículo, não preconiza o apagamento, mas sim a requalificação das situações problemáticas.

Na abordagem da Teoria Histórico-Cultural (THC), cunhada por Lev Vigotski, é enfatizado o papel central do professor como o autor das proposições didáticas. Nesse contexto, não se trata de eliminar ou descartar o que pode ser considerado superado, mas sim de reconhecer o valor da história e sua influência na educação contemporânea. Questões prementes como o racismo e o capacitismo não são problemas do passado, e é fundamental que educadores promovam discussões consistentes sobre esses temas.

Para a THC, o desenvolvimento humano é um processo social e histórico, no qual a cultura desempenha um papel fundamental. Portanto, é essencial refletir sobre como o contexto cultural e histórico afeta a criação e a percepção de obras antigas que abordam o racismo e demais preconceitos. Em vez de apagar essas obras, devemos usá-las como oportunidades para explorar o passado, compreender como as atitudes e ideias evoluíram e promover discussões críticas com os alunos.

A Secretaria da Educação reforça constantemente a importância de os professores orientarem seus alunos a examinar obras antigas por meio de materiais didáticos. Isso permite que os estudantes desenvolvam habilidades críticas de análise e compreendam o contexto histórico por trás das representações culturais do passado. A ênfase está na promoção de uma educação que seja sensível às questões contemporâneas e que capacite os alunos a se tornarem cidadãos conscientes e críticos.

Assim, em consonância com a Teoria Histórico-Cultural, a Secretaria da Educação incentiva os educadores a adotar uma abordagem reflexiva e contextualizada em relação às obras antigas, reconhecendo o valor dessas obras como fontes de aprendizado e discussão, enquanto também promovem um diálogo contínuo sobre questões cruciais, como o racismo e o capacitismo, na sociedade atual.

A Secretaria da Educação mantém continuamente o diálogo e a reflexão sobre temas tão sensíveis à nossa sociedade, promovendo debates, palestras e cursos que tem por objetivo erradicar tais práticas do ambiente educacional e social”, conclui a administração. 

 

1 comentário em “Professores reagem contra discriminação e racismo em conteúdo do Palavra Cantada para alunos de 10 anos”

  1. A exumação do racismo estrutural provoca o racismo febril, biliar e fisiológico, arrancando sensações extremamente importantes para a conscientização.
    A intolerância impregnou o primeiro quarto do século XXI.

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