Resposta aos tempos

 

Prof. Dr. Adalberto da Silva Retto Júnior, Unesp Bauru

Ao meu cunhado/irmão Fernando

Se o aniversário e o bolo com velas são invenção de Johan W. Goethe, quando o famoso escritor comemorou seus cinquenta e três anos em 1802, e a trilha Happy Birthday to you foi criada em 1924 pelas irmãs Mildred e Patty Hill, professoras de jardim de infância de Kentucky, conforme registra vasta literatura, resta-nos pensar qual o sentido dessa comemoração em um momento em que, de um lado, vemos o retorno faustoso e ostensivo de celebrações de quinze anos e, de outro, a ridicularização do acesso tardio à universidade, como registra o texto de Maria Ribeiro do dia 14/03/2023 no site UOL: “Será que as três garotas de Bauru já ouviram falar em Simone de Beauvoir?”.
É fato que a organização do tempo, do qual o aniversário faz parte, é uma estrutura que permite dar certa ordem mental às coisas. Essa percepção não é puramente imediata; é estratificada em cada cultura com base em fatores socioculturais. Em outras palavras, as pessoas aderem simultaneamente a uma percepção do tempo que é social e individual. O tempo, como o espaço, é uma categoria a priori, mas não por isso sem significados e representações que variam conforme cada cultura.
O tempo (e, portanto, seu transcorrer) é a categoria mais imediatamente perceptível e a menos arbitrária de dados simbólicos. O sol nasce e se põe todos os dias e, há séculos, a obra da humanidade é marcada por esses dois momentos e pela sucessão das estações. Nascimento, crescimento, declínio estão intimamente ligados à antiquíssima concepção de ciclos, na qual se baseavam as religiões mediterrâneas pré-indo-europeias.
A complexa noção do tempo exerce um fascínio irresistível: de fato, o tempo recorda, por associação imediata, o conceito de duração e, com ele, o da inevitabilidade da morte. Filósofos, historiadores vários, da ciência e das religiões, arqueólogos e antropólogos, físicos, poetas e homens de letras foram, muitas vezes, chamados a examinar os vários aspectos da passagem do tempo; mas enfrentar uma viagem pelos diferentes significados do tempo é como encarar o horizonte: as possibilidades são infinitas.

O tempo é caracterizado por sua indefinição intrínseca e por sua presença onívora e ubíqua.
A observação subjetiva-objetiva dos ritmos naturais (crescimento-desenvolvimento-morte) sobre si mesmo, sobre os semelhantes, no reino animal e vegetal, a alternância rítmica da luz e da escuridão, as variações climáticas sazonais, a observação da sucessão das fases lunares e o desaparecimento e reaparecimento periódico das constelações (um movimento circular, cíclico sempre igual a si mesmo)…tudo isso gerou no homem, desde sempre, a consciência do tempo e de sua passagem. Quer se trate de uma ideia, portanto, preexistente ao próprio homem que a pensa, como argumenta Platão, quer se trate de uma criação da mente do homem, do seu “raciocínio discursivo”, a psyché, capaz de altas taxa de multiplicidade, como sustenta Plotino nas Enéadas, quando afirma que a alma é o princípio da vida e origem das várias coisas do mundo, de modo que o tempo surge com ela.
Portanto, o problema do tempo percorre toda a história humana e representa um fio condutor em todas as latitudes. Consciente ou não, todos nós experimentamos a passagem do tempo: quando esperamos o sinal verde de um semáforo, quando ouvimos uma conversa, quando caminhamos e essa percepção determina profundamente nossa maneira de agir.
Entretanto, a moda do aniversário – a celebração da passagem do tempo – foi, em grande medida, difundida pela literatura. Nas obras-primas como Afinidades Eletivas, do próprio Goethe, aniversários aparecem como tema recorrente. Mas certamente foi a versão sexy cantada por Marilyn Monroe em 19 de maio de 1962, no Madison Square Garden em Nova York, somada a um bolo tão alto quanto um arranha-céu, feito para comemorar os quarenta e cinco anos do presidente John F. Kennedy, que se tornou a referência maior para os nossos dias. Naquela noite, mais do que as velas, foi o vestido de Marilyn que brilhou e algumas notas, fáceis de lembrar, tornaram-se um jingle global.
Mas neste mês de março, envolto nos acontecimentos enunciados que envolvem etarismo, sexismo etc., ouvi “batidas na porta da frente. Era o tempo”. Como na música “Resposta ao Tempo” de Cristóvão Bastos e Aldir Blanc, na interpretação magistral de Nana Caymmi, lançada em 1998, não tive um argumento inicial, acabado. Mas, com certeza, a primeira sensação não foi assustadora, como é frequente acontecer por pressões externas às pessoas rotuladas como balzaquianas – referindo-se à obra do escritor francês Honoré de Balzac –, ou que possuem a idade próxima à daquela em que Goethe comemorou seu aniversário. A necessidade de reflexão emergiu de forma análoga àquilo que representa a poesia para o nosso grande poeta Mário Quintana: como a necessidade de “aprofundar a realidade e não para fugir dela”.

Fazendo da reflexão, em forma de texto, “um instrumento de reconhecimento do meu mundo, do mundo dos outros e talvez de outros mundos” (Mário Quintana).
Contudo, foi a atitude de um irmão-cunhado, que também aniversaria no mês em que as últimas grandes águas anunciam a mudança de estação, que me fez retomar lembranças adormecidas e pensar em uma possível Resposta ao Tempo.

Afinal, como reforça Arnaldo Antunes/ Marcelo Janeci/ Ortinho na música Envelhecer (2009): … “A coisa mais moderna que existe nessa vida é envelhecer”…
Vale ressaltar que, até o século XIX, era costume comemorar única e exclusivamente o dia do nome, até porque pouquíssimas pessoas sabiam o dia exato de seu nascimento e tampouco era muito importante saber. Apenas a realeza e nobres registravam eventos familiares felizes nos documentos, mas esse era um fato privado, feito para construir árvores genealógicas e identificar eixos hereditários.

Em vez disso, o que importava era o dia do santo cujo nome o indivíduo levava. Isso está registrado nos livros de almas das paróquias. Por exemplo, os que receberam o nome de Alessandro comemoraram no dia 26 de agosto, mulheres batizadas como Mônica no dia seguinte, Agostinho no dia seguinte, depois foi a vez de João Batista. Um nome, um martírio. Em alguns países esse costume ainda está vivo, a ponto de se comemorar tanto o dia do santo do nome quanto o do aniversário.
Em suma, o tempo da vida cristã era circular e andava de mãos dadas com o calendário litúrgico. E, de fato, o dia era contado e comemorado, mas não o ano. Em certo sentido, a idade aparente importava mais do que a real. Algo de que muitos gostariam hoje.
Foi a instituição dos cartórios públicos, no final do século XVIII pelos revolucionários franceses (notoriamente anticlericais), para privar a Igreja de exercer o papel de recenseador das almas e de governar o curso de suas vidas, que causou, progressivamente, o início dos registros populacionais em todos os estados ocidentais.

Assim, a certidão de nascimento tornou–se o primeiro documento oficial de cada indivíduo e o batismo ficou em segundo plano. Tem-se, assim, a passagem do tempo circular da religião para o tempo linear do estado laico. Desta forma, o passar dos anos assume gradualmente um valor tanto pessoal como social. Como resultado, o número de anos já vividos adquire cada vez mais significado e, para contar os aniversários, são usados os números ordinais, que dão o sentido de sucessão, devolvendo-nos ainda mais a sensação da passagem do tempo.
Heidegger sublinha que o homem reflete sobre o fato de que o tempo é sempre tempo de ou para, e nunca uma ideia abstrata, pois a existência humana é “tempo para fazer algo”. O tempo é, portanto, uma daquelas noções com as quais, mais cedo ou mais tarde, teremos de lidar; uma daquelas ideias aparentemente abstratas, mas que, no entanto, se revelam na história com uma concretude dramática.
“A intuição e a representação da modalidade segundo a qual os eventos singulares se sucedem”; “a sucessão dos instantes, susceptíveis de serem subdivididos, medidos e distinguidos”: estas são as definições genéricas do conceito de “tempo” fornecidas pelos dicionários, para os quais parecem existir dois “tempos”: aquele da física (“objetivo” ou “real”) e o da psicologia (“subjetivo” ou “fenomenal”).

Geralmente, assume-se que apenas o tempo da física é real e que o tempo subjetivo é um “rascunho” do tempo objetivo. Alguns consideram o tempo um fato da natureza, sendo o sujeito imóvel, um espectador de um devir externo real; outros o consideram um fato do espírito, por meio do qual o sujeito explora um mundo substancialmente imóvel.
No entanto, há fatores que o progresso tende a ignorar justamente por focar em outros indicadores de avanço. Em comparação com o passado, o homem perdeu muitas habilidades. Hoje, a tecnologia atrofia nossa mente, cada vez menos acostumada a cálculos mentais, memorização e até à capacidade de concentração. O mal desta nossa era anda de mãos dadas com a introdução generalizada dos smartphones que acabam privando as novas gerações das habilidades básicas de raciocínio e reflexão. A velocidade com que a sociedade se move, o desenvolvimento da internet, das redes sociais e de todo o mundo virtual estão aumentando visivelmente o número dos chamados analfabetos funcionais.

Os dados são realmente desanimadores. Segundo recente estudo norueguês, foi possível constatar uma queda acentuada do QI nos últimos 50 anos. Isso significa que a inteligência média de um indivíduo há 40 anos era maior do que é hoje. Assim muitos tendem a evitar a leitura de um livro inteiro por ser chato, senão cansativo, o que acaba tornando as novas gerações incapazes de formular um pensamento complexo, justamente pela ausência de todos os fatores básicos da inteligência: capacidade de concentração, comprometimento, análise, memorização de fatos, conceitos e assim por diante…
É necessário dizer o quanto a visão ocidental atual mostra claros limites de compreensão das próprias sociedades e sua atual desintegração.

Por outro lado, parece paradoxal tratar das sociedades que, hoje, definimos como mais atrasadas, aquelas em que há uma maior sedução pelos celulares e pela televisão. Nesses países existem também dificuldades higiênico-sanitárias, ausência de infraestrutura e baixa renda de vastos bolsões da população.
Talvez a descrição da história deva ser avaliada com um olhar menos parcial, de modo a incluir muitos aspectos que nosso ser ocidental tende a excluir. Mas também é verdade que mesmo a aceitação parcial de uma interpretação cíclica do tempo exigiria um substrato cultural que incorporasse fatores de responsabilidade individual que são um pouco difíceis de aceitar. É preciso dizer que, afinal, as sociedades humanas são permeadas por uma marca indelével da consciência coletiva que insere as escolhas individuais no contexto geral de seu próprio ambiente cultural.
Somente através de um processo de crescimento interior pode-se adquirir uma real autonomia de pensamento e avaliar, com base em elementos mais objetivos, todos aqueles fatores que constituem as razões da atualidade histórica. Avaliar eventos entre um tempo linear ou cíclico, ou talvez integrar parte de ambas as visões, pode nos ajudar a escapar das limitações que a classificação cultural nos impõe.

Mas isso exigiria um papel ativo do indivíduo, então tudo inevitavelmente retorna à questão inicial: a uma percepção exclusivamente linear do tempo que permite pensar que todos e todas entrariam na mesma idade na universidade, e a uma autoabsolvição do próprio papel individual no destino no mundo.
Talvez aí, pudéssemos festejar nossos aniversários em comunidade, como na escola levando o bolo feito pela mãe, celebrando mais o encontro do que o espetáculo. E talvez aí esteja o sentido da celebração e do compartilhamento, abrir-se ao encontro: uma cidade da proximidade. Talvez isso nos leve a pensar a construir uma comunidade acolhedora, que só é possível se houver envolvimento com várias iniciativas de sensibilização e eventos dedicados à cidadania.
Concluímos enfatizando como, em torno da categoria do tempo e seus múltiplos significados (de natureza histórica, filosófica ou astronômica), acumularam-se lugares-comuns e obviedades cruas: estereótipos que proliferam sem interrupção e que muitos de nós usamos habitual e maquinalmente, e talvez inadvertidamente, banalizando e vulgarizando, como em muitos outros casos, um conceito tão nobre e complexo.