Silêncio, a cultura dorme!

O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais

(Artigo 215 da Constituição Federal).

 

O Manifesto dos Artistas, Trabalhadores e Entidades da Cultura em Bauru ganhou as ruas, não por acaso, em um 14 de julho de 2021, Dia Mundial pela Liberdade e data, de 1866, em que em Paris, na França, foi publicada a primeira lei tratando sobre direitos autorais. Não é somente um ato simbólico, mas um grito contra a dormência e a hibernação das políticas públicas junto à Secretaria Municipal de Bauru…

POLÍTICA CULTURAL PARA O MUNICÍPIO
O desenvolvimento de uma política cultural para o município deve incluir, minimamente, os itens:
a) restauração e conservação do patrimônio cultural;
b) provimento da infraestrutura indispensável para a manifestação cultural;
c) fomento à formação e produção artística e de recursos humanos para a difusão da cultura;
d) divulgação dos bens culturais;
e) criação e manutenção de um clima de liberdade democrática para tornar possível todas as manifestações culturais.

O que se testemunha, atualmente, em nossa cidade, Bauru, é a completa inoperância da Prefeitura e da Secretaria
Municipal de Cultura no sentido da implementação de qualquer política cultural organizada com a
definição de programas e políticas públicas para a área, que atingem não somente a sobrevivência dos artistas e
trabalhadores da área, mas também nega o acesso à população à bens e serviços culturais.
Em suma, eis o resumo, item por item, espelhando os primeiros sete meses da atual administração:
a) Patrimônio cultural
Nenhuma ação concreta aconteceu neste período.
• A Casa do Pioneiro continua em situação de abandono e modernização da lei e tombamento, ação que não
demanda investimento financeiro, nem entrou na pauta de discussões.
• A restauração/reforma da Estação Ferroviária Central continua uma incógnita. As entidades culturais que
ocupavam aquele espaço, ainda que de forma precária, foram desalojadas sem qualquer explicação dos
próximos passos. A administração anterior deixou um projeto encaminhado, que parece ter sido ignorado
completamente em sua totalidade pela atual administração. Nenhuma manifestação da pasta da cultura
sobre o tema.
O passado de Bauru está abandonado… E o presente e o futuro não vão continuar de mãos atadas, não nos movimentos e atores da difusão cultural! 

b) Provimento da infraestrutura indispensável para a manifestação cultural
• Além da possibilidade de desalojamento da banda e da orquestra sinfônica da sua atual sede, as bibliotecas
ramais apresentam-se desestruturadas e abandonadas. Algumas já deixaram de existir.
• A Gibiteca, que leva o nome do grande e saudoso Aucione Torres Agostinho, foi atacada por cupins e não
há nenhuma ação no sentido da recuperação de seu acervo e atualmente, agoniza.
• Agora se cogita na reforma do Teatro Municipal, com o conserto, necessário, do ar-condicionado. Após
oito meses, nada foi planejado apenas indica-se a possibilidade de lançamento de um edital de licitação para
isso.

Sendo otimistas (a agilidade da pasta da Cultura não contribui para isso), tal edital será lançado em
setembro. Fazendo contas simples em relação a prazos: três meses para a conclusão do processo licitatório,
mais um ou dois meses para a contratação da empresa vencedora do certame, mais uns três meses para a
execução do serviço. Tudo leva a crer que o Teatro deva voltar a funcionar somente no segundo semestre de 2022, impedindo artistas locais de difundir seus trabalhos (o que deixa de gerar ganhos de bilheteria, prejudicando coletivos, grupos teatrais e musicais), comprometendo a circulação, por Bauru, de grupos de fora da cidade e não garantindo à população o acesso a momentos de entretenimento e lazer cultural, momentos esses, essenciais para o ser humano, ainda mais após o enfrentamento de uma pandemia com longo período de isolamento social.
c) Fomento à formação e produção artística e de recursos humanos para a difusão da cultura
É preciso deixar claro: a Secretaria de Cultura não produz cultura.
• Quem produz cultura são os artistas, coletivos, técnicos. E estes precisam de fomento para isso, para garantir à população o acesso, previsto na Constituição, à cultura, obrigação do Estado em suas três esferas (federal, estadual e municipal). Artistas têm famílias, pagam boletos, contas de luz e água e, pasmem, precisam
se alimentar!

O que se viu até esse momento foi a total inoperância da Prefeitura e Secretaria em prover ou
planejar qualquer ação nesse sentido também. Ainda mais num momento pandêmico onde as atividades do
setor foram as primeiras a serem paralisadas e serão as últimas a voltarem à normalidade.
• O que tem garantido uma sobrevivência do setor foram os recursos da Lei Aldir Blanc (oriundos do Fundo
Nacional de Cultura), distribuídos através de editais no ano passado e programa como o PROAC, do Estado
de São Paulo, que contemplou alguns grupos e coletivos locais.
• Para piorar, dezenas de programas e ações que integravam a programação de atividades culturais não
tiveram continuidade ao longo dos anos: Comic Fan Fest, Escola Vai ao Teatro, Feira do Livro Infantil, AnimaBru,
Teatro aos Domingos, Festival de Corais, Festival de Inverno (de verdade e não esse arremedo que
tivemos nesse ano), Semana Rodrigues de Abreu, Semana Arte sem Barreiras, só para citar alguns.
Ahh…e até agora nada se falou sobre o Carnaval.

 

No começo do ano, a primeira notícia a respeito foi o cancelamento do edital de 2019 do Programa de Estímulo à Cultura – PEC (isso, 2019!), já na fase de contratação, o que prejudicou cerca de 200 profissionais (mal remunerados, por sinal).
• Em 2020 não houve o edital por conta da pandemia e em 2021 a pasta da Cultura sinaliza com o edital com valores globais de 200 mil reais, que está sem reajuste desde 2004, ano de criação do Programa. Importante: o aumento desse valor foi promessa de campanha da atual ocupante do executivo.
A constante alegação sobre falta de dinheiro não procede. A arrecadação, no primeiro semestre, da Prefeitura
Municipal, teve um acréscimo significativo.
d) Criação e manutenção de um clima de liberdade democrática para tornar possível tudo o que foi dito.
Nada a comentar. Nada feito.

A Secretária limita-se a uma live mensal que vem tendo a audiência média de cerca de dez pessoas (na maioria funcionários) quando apresenta pura contação de histórias (especialidade da secretária).
Sobre o clima de democracia: além e silenciar grupos, criados pela própria secretaria, não há indícios de
retomada na já anunciada intenção da realização de uma Conferência de Cultura.
E o pior: o Conselho Municipal de Políticas Culturais permanece sem gestão desde o final de janeiro. A nova eleição, após uma série de trapalhadas, que seriam cômicas se não fossem trágicas, aconteceu no final de junho. Até o momento, mais de um mês depois, não há previsão para sua posse (de novo na falta de agilidade, sempre justificada com problemas na Secretaria de Negócios Jurídicos). Enfim…nada funciona.
Estimativa, feita em 2010, apontava que os setores culturais brasileiros representavam cerca de 4% do PIB anual
do país. A “não contabilização” dessa dimensão econômica da cultura leva todos e principalmente o próprio
governo a não dar a devida importância ao segmento. Investir em cultura não é “gastar” ou “jogar dinheiro
fora” é investimento que gera renda também para outras categorias.
Para encerrar, alguns números sobre o orçamento da pasta da cultura em nossa cidade.
O orçamento para este ano é de quase R$ 13.400.000,00. Desse valor, cerca de 85% é destinado ao custeio da máquina administrativa (folha de pagamento, manutenção de equipamentos e estrutura), sobrando 15% para investimento.

O orçamento já é menor em 9,01% em relação ao ano passado (herança da administração anterior). Além dessa redução orçamentária, houve contingenciamento (corte), pela administração Suellen Rosim de mais R$ 1, 4 milhão. Ou seja, de quase a totalidade de recursos para investimento. Isso apesar da ampliação da arrecadação do município, que acumula, de janeiro a julho deste 2021 surpreendente superávit, com mais de R$ 83 milhões acima do Orçamento previsto.
Assim, a Cultura em Bauru perdeu 20,35% de seu orçamento em relação a anos anteriores.
A pasta que menos tinha, agora tem menos ainda.

Bauru, já notabilizada pelos buracos em suas ruas, agora também vem se especializando em criar verdadeiras
crateras nas mentes de sua população, privando-a, em sua maioria, do acesso à cultura.
Será pura incompetência ou ação premeditada? Ou os dois?
Basta! Pela retomada de projetos e programas já!

 

O autor

Movimento de Artistas, Entidades e Trabalhadores da Cultura em Bauru, em todas as linguagens

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