Por Carlos Braga
O Ministro Alexandre de Moraes, relator da ADI 7236 (de 2022), em decisão monocrática proferida no último dia 23 de setembro de 2025, suspendeu a eficácia da expressão “pela metade do prazo previsto no caput deste artigo” contida no artigo 23, §5º, da Lei de Improbidade Administrativa que trata especificamente da prescrição intercorrente.
O Ministro não abordou com profundidade os aspectos inconstitucionais do dispositivo, mas acolheu os argumentos dos autores da ação, especialmente quanto à dificuldade do Ministério Público e do Poder Judiciário em concluir o julgamento dessas ações em apenas quatro anos. Dados apresentados pelos Ministérios Públicos estaduais demonstraram que o tempo médio para julgamento dessas ações supera o prazo legal, o que poderia resultar na extinção prematura de milhares de processos relevantes.
A decisão ressalta que a redução do prazo prescricional comprometeria a efetividade do combate à improbidade administrativa, fragilizando o sistema de responsabilização e contrariando compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no enfrentamento à corrupção. O Ministro destacou que a demora processual raramente pode ser atribuída ao autor da ação, sendo resultado da complexidade dos casos e das garantias processuais necessárias
Importante frisar que, em 2022, o próprio relator já havia, em caráter cautelar, considerado inconstitucional a prescrição intercorrente de quatro anos, mas sem suspender os efeitos do texto legal. Agora, com a nova decisão, os efeitos do artigo ficam suspensos até o julgamento definitivo pelo plenário do STF da decisão monocrática e de todo o mérito da ADI que trata de diversos artigos da lei.
A suspensão da prescrição intercorrente representa um alívio temporário para o Ministério Público e para o Judiciário, que enfrentam o desafio de julgar milhares de ações de improbidade administrativa. Por outro lado, a medida reacende o debate sobre a necessidade de reformas estruturais para garantir maior eficiência e celeridade no julgamento desses processos, sem renunciar à proteção ao patrimônio público e da responsabilização dos agentes ímprobos.
A improbidade administrativa sempre foi um dos temas mais sensíveis para a sociedade brasileira. Afinal, trata-se de combater desvios de conduta de agentes públicos que prejudicam o patrimônio coletivo e a confiança nas instituições. Por muitos anos, ações judiciais contra atos de improbidade se arrastaram por décadas, sem uma solução definitiva, alimentando a sensação de impunidade e descrédito no sistema de justiça.
Em 2021, a promulgação da Lei nº 14.230 trouxe mudanças profundas nesse cenário. Entre as principais novidades, está a chamada “prescrição intercorrente”, prevista no artigo 23, §5º, da Lei nº 8.429/1992. Mas, afinal, o que isso significa na prática? E por que tantos processos estão prestes a serem extintos neste ano?
A prescrição intercorrente é um mecanismo que limita o tempo de duração dos processos judiciais de improbidade administrativa. Antes da reforma, não havia um prazo claro para que essas ações fossem julgadas, o que permitia que muitos casos se arrastassem indefinidamente. Agora, com a nova lei, se o processo ficar parado por quatro anos em qualquer instância sem decisão, ele será extinto por prescrição intercorrente (situação suspensa por liminar).
Esse prazo começa a contar a partir de marcos específicos: o ajuizamento da ação, a publicação da sentença, ou a decisão dos tribunais superiores. Ou seja, a cada etapa do processo, há um novo prazo de quatro anos para que o julgamento aconteça. Se não houver movimentação, o processo é encerrado, e o Estado perde o direito de punir o agente público envolvido.
O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Tema 1.199 da repercussão geral, ao tratar da retroatividade ou não da lei, definiu que a prescrição intercorrente tem aplicação imediata para todos os processos em andamento, a partir da entrada em vigor da Lei nº 14.230/2021, em 26 de outubro de 2021. Isso significa que, neste ano, em 26 de outubro de 2025, milhares de ações de improbidade administrativa que estavam paradas há anos poderiam ser extintas, caso não tenham sido julgadas até lá.
Estima-se que mais de 20 mil processos estejam nessa situação, o que representa um verdadeiro desafio para o Judiciário. Tribunais de todo o país correram contra o tempo para evitar que casos importantes fossem perdidos por falta de julgamento, o que ocorreria em 26 de outubro de 2025. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabeleceu metas para que juízes priorizem essas ações, mas a tarefa é considerada praticamente impossível diante do volume e da lentidão histórica do sistema.
A prescrição foi criada para garantir maior eficiência e segurança jurídica, evitando que processos se eternizem e que cidadãos e agentes públicos fiquem indefinidamente sob suspeita, em respeito ao “princípio da duração razoável do processo”. Por outro lado, há críticas de que a medida pode (e certamente irá) favorecer a impunidade, especialmente em casos complexos, nos quais o próprio Estado contribui para a demora do julgamento.
Se declarada a inconstitucionalidade da prescrição intercorrente do § 5º do artigo 23, ficará mantida ainda a prescrição geral de 8 anos contados da data do ato improbo. Na verdade, precisamos de uma mudança de postura institucional para que muitos culpados não saiam ilesos, não por falta de provas, mas pela morosidade do sistema. O Ministério Público e órgãos de controle precisam agir com máxima diligência para evitar que a prescrição se torne um “presente” para maus gestores. Mas também, devem assumir a responsabilidade pela falta do agir processual diligente que muitas vezes marcou sua atuação.
O desafio está lançado: garantir que a justiça seja feita dentro do prazo, sem renunciar à qualidade das decisões e da proteção ao patrimônio público.
O autor
Carlos Eduardo Faraco Braga, advogado e consultor em São Paulo. Ex-professor de direito financeiro da Faculdade de Direito da USP e da Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – FADISP. Ex-deputado Estadual.