Caso Cohab: o duelo – defesa contesta lavagem de dinheiro e organização criminosa e desvincula Izabel de Gasparini

Operação João de Barro acusa Gasparini Júnior e familiares de cometerem crimes para lavagem do equivalente a R$ 54,8 milhões desviados da Cohab entre 2007 e 2019

A ação penal com denúncia de 7 casos de lavagem de dinheiro e organização criminosa contra cinco pessoas, em torno do núcleo familiar do ex-presidente Édison Gasparini Júnior, entra na primeira fase do duelo jurídico na 4ª Vara Criminal do Fórum de Bauru. O CONTRAPONTO teve acesso a parte da denúncia e à resposta à acusação por Izabel Cristina Gonçalves Dias Gasparini, esposa do ex-presidente da Cohab-Bauru, mãe de Mariana Gonçalves Dias Gasparini e filha de Maria Luzia Giacometo Dias, que integram os denunciados. O ex-diretor administrativo-financeiro da Cohab e contador Paulo Gobbi também está neste processo.

Este é o segundo ciclo das denúncias originárias da Operação João de Barro, deflagrada por promotores estaduais do Grupo de Atuação e Repressão contra o Crime Organizado (GAECO). A primeira ação, já na fase final de ouvir testemunhas, trata da acusação de que Gasparini Júnior comandou esquema de desvio do equivalente ao total de R$ 54,8 milhões, entre 2007 e dezembro de 20119, com retiradas mensais na “boca do caixa” da companhia.

A segunda ação, de lavagem e organização criminosa, levanta que o ex-presidente teria agido, junto com o núcleo familiar, para ocultar, no tempo, os valores obtidos indevidamente do caixa da companhia. O MP aponta a evolução patrimonial como sendo incompatível com os ganhos regulares declarados por Gasparini, esposa, filha e sogra. O MP estabelece, nesta ação penal, que foram adquiridos pelo menos 10 propriedades rurais, com o pagamento de altos valores em “dinheiro vivo”, com participação direta de Gasparini, Izabel, para ocultar os valores irrigados a partir dos desvios no caixa da Cohab Bauru.

A denúncia ainda elenca a aquisição, no período, de 20 imóveis urbanos, além de outros bens e gastos vultosos com viagens ao exterior, como outra frente de utilização dos recursos obtidos de forma ilícita.

R$ 1,6 milhão em dinheiro foi apreendido na casa da família Gasparini no início da operação

RESPOSTA À ACUSAÇÃO 

Para a defesa de Izabel Gasparini as acusações não se sustentam. O advogado Leonardo Magalhães Avelar responde que não há confusão patrimonial entre os bens de Izabel e do marido. Ele descreve que Izabel trabalha desde os 18 anos, sendo a partir de certo período também como advogada, e que a evolução de bens em seu nome são produto de duas situações.

A primeira, segundo a defesa, é de herança do pai. Elenca que ela recebeu uma padaria e veículo picape, além de R$ 200 mil de economias do pai. No princípio, responde à acusação, comprou 30 ou 40 cabeças de gado (a R$ 400,00 cada) e “em menos de 1 ano já tinha 100 cabeças”. Izabel também se associou, em um período, a um cunhado e passou a ter êxito na operação de comprar “boi barato e vender bem”. 

O CONTRAPONTO revelou, logo no primeiro dia da Operação João de Barro, fala de Gasparini Júnior onde sua posição foi de que as aquisições e apreensão de R$ 1,6 milhão em dinheiro vivo em sua residência, em dezembro de 2019, seriam fruto dos “lucros obtidos com gado”. Esta é a tese principal da defesa.

O Ministério Público levanta passo a passo a construção do esquema de desvios na companhia, em dinheiro vivo. Esta é a primeira ação. E nela, um dos trunfos do MP é associar farta documentação e demonstração, no tempo, do modus operandi para os saques na boca do caixa da Cohab, combinados com fraude na contabilidade da companhia e alegação falsa de pagamento de seguro habitacional.

Outro ponto principal desta batalha jurídica é que o MP obteve depoimentos de funcionários afirmando que o ex-presidente confessou ter realizado os desvios.

Denúncia detalha saques na boca do caixa para irrigar esquema

PECUARISTA DE SUCESSO

Para tentar desconstruir a acusação de que estes desvios alimentaram lavagem de dinheiro, ao longo de 13 anos do esquema, a defesa responde que Izabel não utilizou bens do marido e teve êxito com “ações altamente lucrativas nos negócios agropecuários”. A defesa cita que, pouco tempo depois de iniciar nesta atividade, Izabel já teria 1.700 cabeças. “A R$ 320,00 a arroba na ocasião isso equivalia a R$ 8 milhões“.

Na lista de ações no setor também é descrito que a esposa Izabel adquiriu uma fazenda de café, já em 2017, de uma viúva a valor barato. A ponto de que “com a renda do café pagava as parcelas da fazenda”.

A acusação traz que Izabel operava diretamente no esquema de lavagem, junto com o marido e filha (para quem foram registradas empresas). Apuramos que documentos em cartório e depoimentos foram levantados para apontar pagamentos em altas quantias, sempre em “dinheiro vivo” nas compras de imóveis ou gado. Há descrições de negócios individualizados, como em sítios em Garça, Arealva, além de outras operações.

Mas a defesa combate que a denúncia do MP faz alegações sem descrever os delitos da lavagem de dinheiro por Izabel. A aposta é convencer o juiz Fábio Bonini, na ação, de que não haveria como provar que o aumento substancial do patrimônio dos denunciados veio dos crimes alegados.

Izabel também critica, por meio de seus advogados, que não há ocultação dos bens, condição apontada como necessária para o enquadramento penal. Para a defesa, o MP também tem de provar a vontade (dolo) de mascarar os bens informados na denúncia.

SEM O MARIDO

A resposta da acusação no processo de organização criminosa tenta desvincular os ganhos de Izabel do marido e argumentar de que a evolução patrimonial vem do fato de que ela é “pecuarista de sucesso”. Outro ponto combatido é o de que cabe ao denunciante provar a alegação de que Izabel participou o chefiou a organização ao lado do marido.

O MP trabalhou na construção das operações de compra de imóveis, descrevendo pagamentos em dinheiro vivo com apontamento de ação direta de Izabel para blindar o marido, ou dar destino a ocultação dos valores desviados da Cohab. Para a defesa, a denúncia incluiu a filha Mariana, o marido, e a sogra do ex-presidente (Maria Luiza – com imóvel rural a ela atribuída) para “formar o número de 4 pessoas exigidas pela lei para imputar organização criminosa”. 

O embate com a acusação põe que “mesmo o suposto uso de dinheiro originário de crime para compra de bens não é lavagem de dinheiro”. Izabel ainda menciona que, em outra hipótese, os casos citados não configurariam continuidade na prática de delitos, mas um eventual “crime único”.

Esta alegação tenta derrubar a denúncia em torno de documentos e depoimentos para a ocorrência de 7 casos de lavagem de dinheiro. Aqui a denúncia trata do apontamento de ação efetiva de Izabel nas ações de ocultação dos valores desviados. E a defesa cita os negócios pecuários, de um lado, e falta atribuição da divisão de tarefas, de outro, como condição para provar a ocorrência do crime alegado.

A repetição conta (muito) no processo penal, para efeito de possível condenação. A linha de apontar na direção, em último caso, de “crime único” é caminho buscado pela defesa para tentar sustentar, na fase inicial desta ação, de que a cliente (Izabel) poderia ser prejudicada com o direito ao acesso a eventual Acordo de Não Persecução Penal (ANPP).

A defesa de Izabel elenca 32 testemunhas a serem ouvidos, entre pecuaristas, sitiantes, comerciantes do ramo pecuário to e outros, em cidades como Bauru, Duartina, Garça, Arealva, Lins e Ibitinga. Mas pede ao juiz, antes, a rejeição da denúncia por lavagem de dinheiro e organização criminosa e o afastamento da ocorrência de 7 casos.

 

Ação 4. Vara Criminal Bauru 101.7774-41.2022.8.26.0071

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

error: Conteúdo protegido!
Rolar para cima