A primeira e maior concessão da história de Bauru, avaliada pelo governo em R$ 3,6 bilhões, tem nesta quinta-feira audiência pública no Legislativo, às 8h30, onde o objetivo é debater as regras de concorrência contestadas pelas principais empreiteiras do País no segmento. No bastidor, a indicação é de que o governo municipal não tem interesse no debate e prefere atuar na rotina administrativa, silenciosa, em relação ao embate que envolve diferentes interesses.
Mas afinal, quais são as regras e forma de classificação (questionadas pelas principais do setor no País) que tornariam a concorrência pública bilionária, por 30 anos, um risco para a meta urgente de concluir e fazer funcionar a Estação de Tratamento de Esgoto do Distrito Industrial (ETE)? Por que o governo Suéllen Rosim resiste em debater as regras consideradas subjetivas pelo mercado, com “envelopes fechados” e um sistema de atribuição de pontos que, conforme as empreiteiras, serão levadas ao Judiciário e Tribunal de Contas do Estado (TCE) por ensejarem risco de “carta marcada”?
Depois de esmiuçar, com exclusividade, criticidade e abrangência, o formato do edital bilionário, o CONTRAPONTO revela a seguir a sistemática de pontos submetida para o processo, a regra para a definição de nota em cada um dos 11 itens (exatamente os considerados técnicos pelas empreiteiras).
São duas tabelas, não debatidas pelo governo publicamente, que vão dar o tom e o poder da canetada que pode, em envelope fechado, definir quem leva um contrato bilionário, por 30 anos, para a missão de tratar o esgoto, operar o sistema e instalar piscinões e resolver o problema de enchentes na parte baixa da Avenida Nações Unidas, do cruzamento com a av. Rodrigues Alves até a av. Nuno de Assis.
TABELAS
Exatamente as duas tabelas a seguir formam o “centro” da definição da concorrência por envelope fechado. O Município estabelece que as interessadas terão de entregar envelopes separados (para técnica) e preço. O primeiro tem peso de 70% sobre a nota final a ser atribuída por uma Comissão de Avaliação. O preço tem peso de 30% na classificação. Cobramos o governo (e a consultoria contratada – Fipe) a publicação dos especialistas que vão dar as notas. A pendência está registrada na ata da única audiência pública realizada pelo Município, em 26 de setembro deste ano, de forma virtual.
Após a publicação do edital da concessão do esgoto, a prefeita publicou o edital da PPP da Iluminação Pública (IP), cuja consulta pública está aberta. Diferente do esgoto, na IP o Município primeiro vai habilitar as empresas. E apenas as que atenderem a todas as exigências de documentação, capacidade técnica e financeira e jurídica é que vão para a disputa pelo menor preço.
A subjetividade reclamada pelas empreiteiras ouvidas pelo CONTRAPONTO e a associação que reúne as maiores do setor (Abcon) – leia matéria ao final – está exatamente nas duas tabelas. A tabela 1, com 11 itens, traz 5 itens sobre a metodologia a ser adotada para cumprir as obras e serviços listados para tratar o esgoto e a drenagem na cidade.
Veja que os 5 tens definem as maiores pontuações. “Metodologia de Execução dos Investimentos”, se “atendeu plenamente” o edital a nota é 10, se “atendeu parcialmente” leva 5 pontos e “não atendeu” 0. Um item referente a metodologias tem pontuação menor (veja tabela).
Da mesma forma, notas serão atribuídas pela Comissão de Avaliação, em três possibilidades, para o método de “Operação do Sistema de Esgoto, Drenagem, Gestão Comercial (medição de consumo de água, cobrança e cortes de fornecimento de água) e Manutenção dos itens a serem instalados (ETE, tubulações, piscinões).
Os demais itens da tabela I dão nota 1 ou zero para temas ainda mais subjetivos, abertos, conforme as empresas. Avaliar o Plano Municipal de Saneamento, Contexto do Município, Quadro Técnico e Diretoria da Concessionária, Rotinas de Administração, Cronograma de Metas e Potencial de Explorar as atividades (gerar receita extra com a concessão). Veja que nesses itens não haveria problemas à competição. O edital estabelece “apresentou” (nota 1) e não apresentou (nota 0).
É evidente que nenhuma empreiteira deixará de apresentar esses itens (A,B,C, I, J e K). A reclamação vai se concentrar nos itens D,E,F,G e H. Dois consultores experientes em editais do segmento fizeram uma analogia com “a cara do freguês” e, o outro, com “envelope de jurado de Carnaval”. A Tabela 1 permite pontuação total de 50.
Esses pontos vão se somar ao que a empresa conseguir na Tabela 2, abaixo, esta sim dedicada a definir o grau de experiência em implantação de sistema de esgoto, manutenção de sistemas de esgoto, operação e manutenção de piscinões (reservatórios contra cheias) e experiência em destinar o produto final do esgoto tratado (o lodo).
Aqui, a tabela permite 30 pontos para empresas (ou consórcios) maiores do ramo (capacidade demonstrada acima de 1.420 litros por segundo) e a metade para quem estiver abaixo disso (o mínimo é 710 l/s).
Veja que no segundo item as notas são maiores (a partir de 30) para quem tiver mais tempo atuando no setor – 8 anos ou mais – e, na sequência, 15, 7,5 ou nenhum ponto para menor tempo de experiência. As mesmas grandezas valem para notas para quem atua com reservatórios e sistema de combate a enchente. Na Tabela 2 a nota máxima possível é 150.
O total máximo de pontos para as duas tabelas é 200. E esta pontuação responde por 70% da classificação final. Em outro envelope, as empresas vão ter o preço (maior desconto percentual sobre a tarifa de esgoto máxima – fixada em 90% do valor cobrado do consumo de água pelo DAE).
Esse sistema de notas é que pretende definir quem ficará com um contrato avaliado em R$ 3,6 bilhões, por 30 anos, em Bauru.
LEIA A CONTESTAÇÃO DE ESPECIALISTAS E EMPREITEIRAS AO EDITAL