O ex-presidente da Cohab Bauru, Gasparini Jr (foto), foi condenado pelo juiz da 4. Vara Criminal de Bauru, Fábio Bonini, a pena de 18 anos, seis meses e 13 dias de prisão, em regime fechado, no caso dos desvios na boca do caixa da Cohab. Ele presidiu a companhia entre 2003 e 2019 e, conforme a sentença, arquitetou e obteve R$ 54,8 milhões, ao longo de 13 anos de operação do esquema. A denúncia do Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado (GAECO) de Bauru por crimes de peculato e organização criminosa foi confirmada na sentença em primeira instância.
O ex-diretor financeiro e administrativo da Cohab, Paulo Gobbi, e a ex-chefe do setor de controle do FGTS, Miriam Renata Navarro, foram sentenciados também ao regime fechado por 10 anos, sete meses e três dias cada um, em relação às mesmas denúncias. Foram absolvidos das denúncias, por ausência de comprovação de dolo (intenção), o ex-contador Marcelo Alba e a então chefe do financeiro da Cohab, Thayna Salcedo,
Da sentença, cabem recursos tanto pelo Ministério Público quanto pelas defesas dos condenados. Contatamos os envolvidos. Apenas a defesa de Gasparini enviou nota (abaixo).
O esquema de desvios na boca do caixa da Cohab durante a gestão Gasparini Júnior foi montado, conforme a decisão criminal, sob o falso argumento de que os saques semanais eram para pagar parcelas de acordo de dívida de seguro habitacional. Não havia (e nunca houve) recibos desses pagamentos. A denúncia veio em apuração derivada iniciada pelo MP, após instauração de procedimento para investigar acordos da companhia com construtoras (casos arquivados).
O caso deflagrou a Operação João de Barro, em dezembro de 2019, com apreensão de bens, computadores, telefones celulares e a quantia em dinheiro de R$ 1,6 milhão na casa onde morava Gasparini Jr. Mais tarde, ainda sob o ambiente da denúncia, Gasparini Jr. confessou a funcionários da Cohab (conforme testemunhas ouvidas pelo Judiciário) os desfalques.
A extensa sentença de um dos casos mais emblemáticos e mais longevo de corrupção no Município, por quase 13 anos, descreve condutas, provas documentais e testemunhais que levaram à condenação em primeira instância. O caso sobe, certamente, para recursos no Tribunal de Justiça. Os sentenciados podem aguardar o desfecho do processo em liberdade.
Do caso Cohab, está em andamento em terceira instância recurso da defesa de Gasparini – que sustenta competência da Justiça Federal para o processo. Derivado desta apuração, também estão em andamentos duas ações judiciais: uma de improbidade administrativa e outra de lavagem de dinheiro, contra Gasparini e familiares. Ainda do caso, o ex-vereador Fábio Manfrinato responde por crime de peculato (por viagens que segundo a denúncia foram financiadas através de Gasparini Jr).
Leia, a seguir, as principais partes da sentença do juiz criminal Fábio Bonini e as descrições relativas a cada um dos denunciados, inclusive as absolvições:
SENTENÇA
Durante os trabalhos de investigação nesse procedimento, os Promotores de Justiça ouviram funcionários da Cohab, os quais foram enfáticos no sentido de que os réus efetuaram, durante longo período, saques mensais de grandes quantias junto às contas bancárias da companhia, em dinheiro vivo, a pretexto de efetuar pagamento, à Caixa Econômica Federal, dos repasses relativos ao seguro habitacional das unidades residenciais financiadas pela Cohab do período de julho de 1998 a outubro de 2010.
Ocorre que, segundo o que foi informado pela própria Caixa Econômica Federal, não há o registro de qualquer pagamento que tenha sido feito pela Cohab a esse título. Ainda de acordo com os referidos testemunhos, embora tenha o réu Edison Gasparini recebido os valores sacados por funcionários da companhia, alegando que se encarregaria de efetuar os repasses à CEF, nunca se recebeu, na Cohab, qualquer documento que comprovasse o efetivo repasse do dinheiro à Caixa.
Esses saques eram feitos, como já dito, em contas bancárias da Cohab, mediante cheques sacados pela companhia, de modo que o único patrimônio lesado por essa conduta foi o da própria Cohab. É simples: embora o pretexto invocado para os saques fosse o de realizar os repasses, o desvio atingia, na realidade, os cofres da própria companhia, não obstante tenham as defesas empreendido enorme contorcionismo argumentativo para tentar fazer crer que a conduta atingira patrimônio da Caixa Econômica Federal.
GASPARINI JR
Antes da sentença, em si, o juiz destaca o episódio onde o ex-presidente da Cohab alega nulidade por ter identificado a instalação de rastreador em um de seus carros, no curso da apuração.
Do rastreador e nulidade
Não se vislumbra qualquer vício que possa resultar em invalidade das investigações, não havendo, via de consequência, o que possa ter contaminado a ação penal. Em primeiro lugar, é importante registrar que absolutamente nenhuma das provas dos autos derivou da instalação de rastreador tida como ilegal. E pelo que se viu dos autos, a instalação desse rastreador não teve qualquer utilidade para as investigações, por ter sido o dispositivo logo descoberto por Edison Gasparini.
A propósito, é preciso lembrar, como já se expôs na decisão proferida nos autos da exceção de suspeição que a defesa de Edison opôs em relação aos Promotores de Justiça (autos n. 0007047-89.2021.8.26.0071, em apenso), as diligências investigatórias empreendidas pelo Ministério Público foram realizadas mediante autorização judicial, ou não necessitavam de chancela do juízo para sua produção válida, cuidando-se, nesse último caso, de medidas que não desbordaram da atividade normal de um órgão de investigação criminal.
A propósito, exigir autorização judicial para a realização dos mais corriqueiros e banais atos de investigação, como as clássicas campanas que, via de regra, não acarretam violação à intimidade do investigado seria inviabilizar, por completo, qualquer tipo de investigação.
CRIME PECULATO
Em relação ao réu Edison Bastos Gasparini Junior, a pretensão punitiva deve ser integralmente acolhida, pois ficaram sobejamente comprovadas a autoria e a materialidade dos crimes de peculato que lhe foram imputados.
Com efeito, as provas dos autos evidenciam que Edison Gasparini, na condição de diretor-presidente da Cohab-Bauru, promoveu, durante longo período, saques mensais de grandes quantias junto às contas bancárias da companhia, em dinheiro vivo, a pretexto de efetuar o pagamento, à Caixa Econômica Federal, dos repasses relativos ao seguro habitacional das unidades residenciais financiadas pela companhia, conforme acordo verbal que ele afirmava ter entabulado com a CEF.
Ocorre que, segundo o que foi informado pela própria Caixa Econômica Federal, não há o registro de qualquer pagamento que tenha sido feito pela Cohab a esse título (fls. 1.062). Ainda de acordo com as provas dos autos, embora tenha Gasparini recebido os valores sacados por funcionários da Companhia, alegando que se encarregaria de efetuar os repasses à CEF, nunca se recebeu, na Cohab, qualquer documento que comprovasse o efetivo repasse do dinheiro à Caixa.
A prova oral produzida sob o contraditório jogou luz sobre o mecanismo criminoso empregado por Edison Gasparini e seus comparsas. Na condição de diretor-presidente da Cohab, ele ordenava os saques de dinheiro, escrevendo em um pedaço de papel o valor que desejava para cada saque, entregando-o ao chefe do setor financeiro da companhia.
O chefe do financeiro cuidava, então, de programar e executar os saques em diversas contas bancárias da entidade, providenciando o provisionamento do dinheiro junto aos bancos e preenchendo os cheques usados para aquele fim, que eram assinados por Edison Gasparini e por um outro diretor da Cohab, o corréu Paulo Sergio Gobbi.
BOCA DO CAIXA
Uma vez efetuados os saques, o dinheiro, transportado por funcionários da companhia em sacolas, era entregue nas mãos de Gasparini. Vale destacar que as assinaturas que lançou nos inúmeros cheques usados para os saques são prova cabal de que Edison Gasparini determinou a realização dos saques, não se podendo perder de vista que ele não negou ter sido o responsável pelo levantamento do dinheiro junto aos bancos.
Então, tendo sido comprovado que os saques foram realizados a mando de Gasparini; que ele recebeu em mãos o dinheiro sacado, alegando que o utilizaria para o pagamento das dívidas do seguro habitacional; e que não houve quaisquer pagamentos dessa dívida, fica claro que o dinheiro sacado foi desviado pelo próprio Edison Bastos Gasparini Junior, que não cuidou de provar ter havido a correta destinação do dinheiro por ele invocada.
BURLAR COAF
Além disso, havia determinação de Edison para que os saques fossem feitos em valores que não despertassem a atenção dos órgãos de controle de movimentações financeiras, como o COAF.
Sobre esse ponto, é preciso não perder de vista que, na vigência da Circular n. 3.461 do Banco Central do Brasil, de 24 de julho de 2009, os saques eram sempre realizados em valores próximos a R$ 100 mil, já que, se o saque atingisse esse valor, o banco deveria, nos termos da referida norma, comunicar a sua realização ao COAF.
Mas é sintomático que, após a publicação da Circular n. 3.849 do Bacen, de 30 de julho de 2017, que modificou a norma anterior, reduzindo para R$ 50 mil o valor-limite para a obrigatoriedade da comunicação dos saques ao COAF, as retiradas nas contas da Cohab passaram a ser feitas em valores que não atingissem esse novo limite.
CONFISSÃO
O juiz destaca, ainda, confissão por escrito de Gasparini, à Caixa, em ofício em 6 de novembro de 2019.
Edison Gasparini, então, na condição de diretor-presidente da companhia, subscreveu contranotificação endereçada à CEF, em que confessa não ter efetuado pagamento algum àquele título. Nessa contranotificação, ele afirma que não efetuaria pagamento algum, porque a dívida era inexigível.
Edison Gasparini voltou a confessar a autoria dos desvios de dinheiro da Cohab. Pelo que se colhe a prova testemunhal produzida em juízo, ele foi à sede administrativa da Cohab em 13 de março de 2020, onde fez contato com funcionários da companhia. Dizendo-se arrependido, ele admitiu ter cometido os desfalques. Foram nesse sentido os depoimentos das testemunhas Renato Bueno de Mello, Karen Vieira Machado, João Tiago de Toledo Ferraz Silveira, Benedito Roberto Meira e Nelson Gonçalves, assim como o interrogatório da corré Thayná Maximiano Salcedo.
PAULO GOBBI
Paulo Sérgio Gobbi (foto), ex-diretor financeiro e administrativo da Cohab e contador, é pessoa que teve fundamental atuação no esquema criminoso destinado ao desvio de dinheiro da Cohab de Bauru, traz a decisão.
Isso porque, de acordo com a disposição do art. 20, II, “d”, do Estatuto da Cohab de Bauru, era indispensável que os cheques emitidos pela companhia fossem assinados por seu presidente e por pelo menos mais um dos integrantes da sua diretoria. Não foi por outro motivo que ele foi estrategicamente nomeado por Edison Bastos Gasparini Junior para o cargo de diretor administrativo financeiro da companhia, no qual foi mantido no longo período de doze anos pelo qual perduraram os desvios.
Nesse período, alinhado com os objetivos criminosos desse seu superior hierárquico, ele assinou nada menos que 465 usados para desviar recursos da entidade. Além disso, é inegável que Paulo Sérgio tinha ciência de que, ao assinar aqueles cheques, estava contribuindo para o desvio de dinheiro pertencente à Cohab. Ora, ele era pessoa que tinha muita experiência no ramo contábil, de modo que sabia que os saques daquele volume colossal de dinheiro em espécie, sem prova do seu efetivo emprego em finalidade lícita, só podia mesmo servir ao propósito ilícito apontado pelo Ministério Público.
A propósito, é necessário não perder de vista que Paulo Sérgio assinava, a cada mês, pelo menos dois cheques no valor de R$ 95.000,00 , chegando a haver a emissão de três cheques nesse valor em três dias consecutivos. Só nesse valor (R$ 95.000,00) foram, ao todo, 190 cheques, sem contar os de valores menores, todos assinados sem que houvesse qualquer comprovação documental da aplicação lícita do dinheiro sacado.
Então, ele certamente não ignorava que estava a colaborar para que todo o dinheiro fosse desviado. Disso se conclui que, em função da sua larga experiência contábil e administrativa, Paulo Sérgio Gobbi não poderia receber com normalidade os saques daqueles volumes gigantescos de dinheiro, ainda mais porque, na condição de diretor administrativo financeiro da Cohab, ele não desconhecia a calamitosa situação financeira da companhia, a contraindicar aquela movimentação de dinheiro realizada, repita-se, sem prova do seu emprego em finalidade lícita da entidade.
Vale ressaltar que, embora tenha afirmado, em seu interrogatório judicial, que todos os cheques foram assinados com lastro em documentos comprobatórios da licitude das despesas correspondentes, nenhum desses documentos foi trazido aos autos.
Além disso, é igualmente certo que, na condição de diretor administrativo financeiro da Cohab, Paulo Sérgio tinha perfeita ciência do fluxo de caixa da companhia, de modo que ele sabia que a dívida com o seguro habitacional não estava sendo amortizada, ao contrário do que ele mesmo fazia constar dos relatórios anuais de administração da companhia.
Mas não é só. No desempenho de sua profissão de contabilista, Paulo Sérgio se encarregava da contabilidade pessoal de Edison Bastos Gasparini Júnior e de pessoas de seu grupo familiar restrito, elaborando as declarações anuais de renda deste, de sua esposa e de sua filha à Receita Federal. A apreensão de documentos relativos a essas declarações, encontrados na posse de Paulo Sérgio, evidencia isso.
Então, ele tinha conhecimento da situação patrimonial de Edison Gasparini, sabendo, portanto, que esse corréu experimentou, durante o período dos desvios, um enriquecimento exponencial incompatível com os rendimentos lícitos do seu grupo familiar, o que permite concluir que Paulo Sérgio sabia que Edison estava embolsando dinheiro dos cofres da Cohab.
Por fim, é preciso lembrar que o afastamento dos sigilos bancário e fiscal de Paulo Sérgio revelaram que, durante o período dos desvios (de 2007 a 2019), ele apresentou patrimônio a descoberto (crescimento patrimonial superior às receitas declaradas) nos anos de 2008, 2009, 2014, 2015 e 2016, o que indica que ele também se beneficiou dos desvios criminosos de dinheiro da Cohab.
Diante desse panorama, é inegável que Paulo Sérgio Gobbi onscientemente aderiu ao objetivo criminoso de Edison Bastos Gasparini Júnior, de modo que os seus comportamentos, repetidos ao longo de doze anos, configuram crimes de peculato, conforme a moldura típica do art. 312, caput, do Código Penal.
RENATA NAVARRO
Miriam Renata Navarro (foto) era funcionária da Cohab em quem Edison Gasparini depositava irrestrita confiança. Tanto isso é verdadeiro que, durante o período em que ele exerceu a presidência da companhia, ela chegou a exercer, simultaneamente, três cargos de chefia na estrutura administrativa da Cohab, além de ser frequentemente convocada para realizar, em companhia dele, várias viagens a São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, para participar de reuniões e tratar de assuntos de interesse da Cohab, relativos à dívida do seguro habitacional. É nesse contexto que se deu a atuação de Miriam Renata em auxílio à manutenção do esquema criminoso, como se verá adiante.
Ao mesmo tempo em que possuía a dívida do seguro habitacional, a Cohab tinha um crédito junto ao Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), um fundo público administrado pela Caixa Seguros, destinado à cobertura securitária de eventuais saldos devedores dos mutuários após a extinção dos contratos de financiamento habitacional. A Cohab buscava, assim, compensar esse crédito com aquela dívida.
Então, Edison Gasparini criou, na Cohab, a Divisão de Batimento Cadastral, voltada à revisão dos contratos da companhia com os mutuários, com o objetivo de apurar o valor da dívida do seguro habitacional, de forma a viabilizar a compensação.
A servidora Solange Sevilha Martins foi nomeada para a chefia dessa divisão e realizou trabalho que se mostrou produtivo, já que, em apenas cinco meses, o setor analisou 32.969 contratos, de um total de pouco mais de 41.000 que deveriam ser analisados. Contudo, essa divisão foi abruptamente extinta por Edison Gasparini, que entregou a Miriam Renata a incumbência de realizar, a partir de então, os trabalhos de revisão.
Ocorre que, sob Miriam Renata, os trabalhos ficaram paralisados. Ela assumiu a atribuição de revisar os contratos em março de 2010, mas os trabalhos permaneceram sem progresso significativo até novembro de 2018, quando foram interrompidos sem conclusão.
Vale destacar, a propósito, que a testemunha Cássia Aparecida Soares Castilho Aversa, que era funcionária da Cohab, afirmou em juízo que Edison Gasparini não apresentou qualquer explicação razoável para a extinção da Divisão de Batimento Cadastral, não apresentando motivo plausível para isso, e que, sob a batuta de Miriam Renata, o processo de revisão não avançou.
É importante não perder de vista ter Miriam Renata permanecido à frente dos trabalhos de revisão por nada menos que oito anos e seis meses, sem que tivesse, nesse longo tempo, concluído a tarefa. No entanto, a necessidade de se realizar a revisão dos contratos era sempre invocada por Edison Gasparini e Paulo Sérgio Gobbi como motivo para se adiar a negociação da compensação.
É o que se observa dos relatórios anuais de gestão da Cohab que foram expedidos por esses dois acusados, ano após ano, entre 2012 e 2018, em que eles afirmam que a negociação dependia da conclusão das revisões. Essa situação permite concluir que os trabalhos de revisão dos contratos foram intencionalmente atrasados por Miriam Renata com um objetivo central, qual seja, o de justificar a insistente postergação da negociação para a quitação da dívida do seguro habitacional.
Isso porque não era interessante, para o esquema criminoso, o término desses trabalhos, já que a negociação, uma vez sacramentada, definiria valor da dívida, bem como forma e prazos certos para os pagamentos, acabando com aquelas amortizações parciais que o grupo delinquente invocava como pretexto para justificar os saques nas contas da Cohab.
Miriam Renata, portanto, prestou-se a emperrar o trabalho de revisão, atendendo aos propósitos criminosos de Edison Gasparini e Paulo Sérgio. Mas não é só isso. Há outros fatores que indicam ter Miriam Renata auxiliado, conscientemente, a atuação criminosa de Edison Gasparini e Paulo Sérgio Gobbi nos desvios de dinheiro.
Em meio ao desenvolvimento da atividade criminosa destinada aos desvios de recursos da Cohab, Miriam Renata foi conduzida por Gasparini à chefia da Divisão do Seguro Habitacional da companhia, o que, naturalmente, a levou a aproximar-se e inteirar-se da questão relacionada à dívida com o seguro habitacional. Tanto isso é verdadeiro que, de acordo com a prova documental existente nos autos, ela passou a demonstrar maior interesse pela questão, tendo solicitado, com insistência, informações a respeito da evolução da dívida, tanto ao setor de contabilidade da Cohab quanto à Caixa Seguros, recebendo, com frequência, números da dívida fornecidos por um e por outro desses órgãos.
Então, ela se defrontou com o posicionamento da dívida repassado pelo setor contábil da Cohab, que contabilizava, como amortizações do débito, os valores sacados das contas bancárias da companhia; e da Caixa Seguros, que não considerava tais amortizações, mesmo porque pagamento algum havia sido efetuado. Esse descompasso entre as informações do valor da dívida não poderia passar despercebido por Miriam Renata, dado aquele seu grande interesse pela dívida do seguro habitacional, que a levou a acompanhar a questão muito de perto.
Diante disso, e também por conta da proximidade dela para com Edison Gasparini, que nela depositava estrita confiança, e que sempre se fazia acompanhar dela em inúmeras reuniões e viagens para tratar de assuntos do interesse da Cohab, é certo que o assunto relativo aos saques não lhe era estranho, o que permite afirmar que ela sabia que esses saques vinham sendo realizados, sem o subsequente repasse do dinheiro ao credor da dívida do seguro habitacional.
Vale registrar, a respeito disso, que a testemunha Walmir da Rocha Melges, profissional que se encarregou de uma auditoria independente na Cohab, afirmou em juízo ter se reunido com Miriam Renata, que deu a entender ter ciência do alegado acordo verbal para a quitação da dívida, e disse ainda saber dos alegados pagamentos parciais que Edison Gasparini afirmava estar realizando.
De tudo se conclui que Miriam Renata, ciente de que dinheiro da Cohab estava sendo desviado, e ocupando postos-chave dentro da companhia, contribuiu conscientemente para a continuidade dessa atividade criminosa, de modo que sua conduta se amolda ao tipo penal do art. 312, em combinação com o art. 29, caput, ambos do Código Penal.
Por fim, não se pode aceitar o argumento da ausência de lastro fático-probatório para a denúncia, já que a farta documentação que acompanhou a peça acusatória, acrescida do conteúdo dos depoimentos que foram colhidos na fase de investigação, consubstanciam indícios suficientes de autoria dos crimes que foram imputados a essa ré.
ABSOLVIDOS
Como bem ressaltou o Ministério Público em suas razões finais, não se comprovou, em relação aos acusados Marcelo Alba e Thayna Salcedo o dolo (intenção), sem o qual não se configura o crime do art. 312, caput, do Código Penal.
Marcelo Nascimento Alba assumiu a chefia da Divisão Contábil da Cohab somente em agosto de 2014, após a morte de Rosangela Vallino. Nessa época, o esquema criminoso já se encontrava implantado há sete anos. De acordo com a prova testemunhal que foi produzida em juízo, Marcelo não tinha nenhum vínculo subjetivo com o grupo delinquente, o que indica que não aderiu ao intento criminoso de Edison Gasparini, Paulo Sergio Gobbi, Miriam Renata e Rosangela Vallino.
Guindado ao cargo de chefia por critérios de competência, apenas deu sequência aos procedimentos que Rosangela havia implementado, reproduzindo-os de forma maquinal, em obediência às determinações de Edison Gasparini, cujo estilo severo, autoritário e centralizador não permitia qualquer tipo de contestação. E além de exigir estrita observância à suas ordens, Gasparini era, para Marcelo, pessoa insuspeita.
Ademais, Marcelo certamente não colheu nenhum benefício resultante da ação do grupo criminoso.
A situação de Thayná Maximiano Salcedo é muito semelhante à de Marcelo. Ela assumiu o cargo de chefe do setor financeiro da Cohab somente dez anos após a implementação do esquema criminoso, e a exemplo de Marcelo, limitou-se a atuar em conformidade com procedimentos que já se encontravam enraizados na rotina administrativa da companhia.
E assim como Marcelo, ela seguiu as determinações exaradas por Edison Gasparini que, como já visto, não admitia questionamentos de seus subordinados. Vale considerar que os pagamentos fictícios da dívida do seguro habitacional vinham sendo normalmente contabilizados pela Cohab, e Thayná desconhecia tratar-se de contabilidade fraudada, o que serve para reforçar a possibilidade de que ela não imaginasse estar colaborando para um mecanismo criminoso.
Esse conjunto de circunstâncias não confere a necessária certeza quanto a terem Marcelo e Thayná aderido, de maneira intencional, à atuação criminosa dos demais réus. É importante considerar que nem mesmo a título de culpa esses dois acusados podem ser responsabilizados. Pelas circunstâncias de serem os desvios de dinheiro sido perpetrados por pessoa que se mostrava austera e insuspeita, não é possível afirmar que Marcelo e Thayná infringiram o dever de cuidado objetivo que é inerente aos crimes culposos.
Diante desse quadro, é inviável o acolhimento da imputação por crimes de peculato que foi dirigida contra Marcelo Nascimento Alba e Thayná Maximiano Salcedo.
ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
A pretensão punitiva também precisa ser acolhida no tocante à imputação por crime de pertencimento a organização criminosa, em relação aos réus Edison Bastos Gasparini Junior, Paulo Sergio Gobbi e Miriam Renata de Castro Navarro.
De acordo com o art. 2º, caput, da Lei n. 12.850/2013, caracteriza o referido crime a conduta consistente em promover, constituir, financiar ou integrar organização criminosa, pessoalmente ou por interposta pessoa. Já o § 1º do art. 1º da mesma lei dispõe que se entende por organização criminosa a associação de pelo menos quatro pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional.
OS DESVIOS
No período compreendido entre julho de 2007 e dezembro de 2019, na sede da Companhia de Habitação e Urbanismo de Bauru Cohab, situada na Avenida Nações Unidas, 30-31, em Bauru, os sentenciados constituíram e integraram, pessoalmente, uma organização criminosa, voltada à prática de crimes de peculato, valendo-se o grupo criminoso, para o cometimento desses crimes, da condição de funcionários públicos de seus integrantes, cabendo a Edison Bastos Gasparini Júnior exercer o comando da organização;
Entre os dias 11 de julho de 2007 e 16 de dezembro de 2019, no mesmo local, agindo em concurso e contando com a coautoria de Rosangela Terezinha Vallino Dalmassa, pessoa já falecida, desviaram, em proveito próprio e alheio, em inúmeras oportunidades distintas, dinheiro pertencente à Companhia de Habitação e Urbanismo de Bauru Cohab, sociedade de economia mista do Município de Bauru, num total de R$ 54.879.400,00 .
Segundo a acusação, a Cohab – destinada à solução do problema de habitação popular em Bauru e Região – atuava como agente do Sistema Financeiro da Habitação, no financiamento da construção de moradias para a população de baixa renda, recebendo dos mutuários o pagamento das prestações dos financiamentos que contratava.
Os pagamentos efetuados pelos mutuários traziam embutidos valores relativos ao prêmio do seguro habitacional, que deveria ser repassado pela Cohab à seguradora. Ocorre que a Cohab não realizou os repasses, o que gerou uma gigantesca dívida da companhia com o agente segurador. Então, a pretexto de efetuar o pagamento dessa dívida, os condenados passaram a agir para desviar dinheiro dos cofres da Cohab, adotando repetidamente, para esse fim, o seguinte estratagema criminoso:
Edison Bastos Gasparini Júnior, na condição de diretor-presidente da companhia, determinava o saque de dinheiro existente em depósito em contas bancárias da Cohab, mediante a emissão de cheques que eram assinados por ele e pelo réu Paulo Sérgio Gobbi, diretor administrativ o financeiro da entidade, cuja assinatura era necessária para possibilitar os desvios, já que o estatuto da Cohab exigia que os cheques por ela emitidos fossem assinados por, no mínimo, dois de seus diretores.
Esses cheques eram sacados em espécie, na “boca do caixa”, com o dinheiro sacado sendo entregue, em seguida, a Edison Gasparini que, por sua vez, o desviava, não realizando pagamento algum ao agente segurador. Ainda de acordo com a acusação, Rosangela Terezinha Vallino Dalmassa, na condição de chefe do setor contábil e financeiro da Cohab na época em que se iniciaram os desvios, foi a pessoa encarregada de implementar, na área sob sua chefia, toda a operacionalização do mecanismo criminoso, desde a realização dos saques até a entrega do dinheiro a Edison Gasparini.
Após o falecimento de Rosangela, ocorrido aos 26 de julho de 2014, o setor financeiro e contábil da Cohab foi assumido por Marcelo Nascimento Alba,
que teria dado continuidade ao esquema de sua antecessora, passando a receber diretamente de Edison Gasparini as determinações para os saques, cuidando do planejamento dessas operações, preparando os cheques e colhendo as assinaturas dos títulos.
Por fim, ele ainda providenciaria os contatos com as agências bancárias para o provisionamento dos saques, encarregando-se do recebimento dos valores e
da sua entrega a Edison. Posteriormente, o setor financeiro e contábil foi desmembrado, tendo Marcelo permanecido à frente do setor contábil. O setor financeiro foi, então, assumido por Thayná Maximiano Salcedo, repetiu sua continuidade, recebendo de Edison Gasparini instruções sobre os valores a serem sacados, conferindo o produto dos saques e entregando-o a Edison.
ALEGAÇÕES DEFESA
A defesa de Edison Gasparini levantou incompetência absoluta da Justiça Estadual; nulidade por violação ao princípio do promotor natural; nulidade da busca e apreensão da qual resultou a investigação; nulidade por medidas praticadas pelo Ministério Público ao longo da investigação; nulidade por acesso ilegal a dados sigilosos sem autorização judicial;
Sobre a decisão, o advogado Leonardo Magalhães Avelar menciona que “a defesa técnica recebe a sentença com indignação por estar em completo descompasso com a prova produzida na instrução criminal. Ao mesmo tempo, tem plena convicção de que a sentença será reformada nos Tribunais, assim como ocorreu nos outros seis procedimentos criminais em que Edison Gasparini já foi inocentado”.
Na ação, em alegações, a defesa de Paulo Sérgio Gobbi posicionou inépcia da denúncia e incompetência absoluta da Justiça Estadual para julgar o caso. A defesa de Miriam Renata alegou nulidade por violação ao princípio do promotor natural.
A defesa de Marcelo Nascimento Alba, por sua vez, alegou que o acusado não sabia que o dinheiro sacado, que entregava nas mãos de Edison Gasparini, estava sendo desviado, acreditando que estivesse sendo utilizado para pagamento da dívida da Cohab com o seguro habitacional; diz que não integrou qualquer esquema criminoso, tendo apenas dado sequência a um procedimento de pagamentos que já existia na época em que assumiu a chefia das divisões de contabilidade e de finanças da Cohab, que não lhe parecia irregular; que, assim, não aderiu intencionalmente a nenhuma organização delinquente, mesmo porque não aferiu qualquer vantagem patrimonial decorrente da sua alegada participação nos crimes.
A defesa de Thayná Maximiano Salcedo aduziu não ter ficado demonstrado que ela tenha concorrido dolosa ou culposamente para as infrações penais, pois acreditava estar apenas atuando de acordo com a rotina administrativa da Cohab, crendo ainda que o dinheiro sacado estivesse sendo efetivamente usado para o pagamento da dívida com o seguro habitacional, mesmo porque aqueles pagamentos estavam sendo contabilizados pela companhia; alegou ela que só agiu sob ordens superiores, emanadas de Rosangela Vallino, de Marcelo Alba e, principalmente, de Edison Gasparini, que não admitia contestações de seus subordinados; que não auferiu qualquer vantagem patrimonial derivada dos crimes, tendo sido apenas enganada e usada para os propósitos criminosos de terceiros.
Tantos anos sangrando a Cohab, fraudabdo, furtando, enriquecendo e sendo nomeado e renomeado ao cargo de presidente, por tantas governos. Estranho né..
JUSTIÇA!!!!!
Espero que a segunda instância não ignore o trabalho perfeito do Ministério Público (GAECO) e a fundamentada decisão do Juiz.