Os mistérios do galpão incendiado da Ceagesp e da instalação do Atacadão em área do Municipio

O Município de Bauru tem enormes problemas de gestão e controle de seus imóveis. No emaranhado, a Cidade Sem Limites tem deficiências com arquivo de processos, plantas, projetos e dificuldade com fiscalização e controle sobre os próprios bens da comunidade. Na reportagem de hoje da Série ESQUELETOS URBANOS vamos indagar a respeito do não uso do galpão incendiado da Ceagesp, desde 23 de junho de 2020. E, ainda, sobre as controvérsias a respeito da titularidade e exploração de aluguel de uma área nobre, de milhares de metros quadrados, também pela Ceagesp, em relação ao hipermercado Atacadão, que construiu em uma parte do terreno do Município desde 2011.

Vamos começar pelo incêndio. O vereador Marcelo Afonso conta esta semana foi procurado por produtores rurais de Bauru com um questionamento necessário. Por que o galpão 3, totalmente destruído em 23 de junho de 2020, está com a obra de reconstrução pronta e ainda não está sendo utilizado?

Para quem não se recorda, um incêndio de grandes proporções em um dos galpões destruiu tudo, a partir de acidente que teria se iniciado em uma câmara fria, na ocasião. A Ceagesp, desde então, correu atrás de projeto, seguro, reinvestimento, para voltar a utilizar o local de forma plena. O Entreposto que integra a estatal federal Ceagesp funciona há muito tempo em uma área de cerca de 100 mil metros quadrados de terreno, com mais de 7.466 m2 de construção, em galpões.

Em 2022, para se ter ideia, a Ceagesp contabilizou 70.555 toneladas comercializadas nas instalações do Município, onde tem posse desde 1978. E  incêndio? Conforme o vereador Marcelo Afonso apurou, de fato todo o galpão incendiado foi reconstruído. Há meses está apto para voltar a operar. Mas faltaria liberação junto ao Corpo de Bombeiros (Auto de Vistoria – AVCB)…

Obra do galpão foi realizada em agosto de 2022 e foi concluída em março de 2023.

Continua sem uso.

Por quê? …

O incêndio de 2020 destruiu o galpão 3 do Ceasa (divulgação)
MISTÉRIO DO ATACADÃO

Enquanto se apura a viabilização do uso do Galpão 3, a mesma área que envolve todo o complexo da Ceagesp é tema de uma enorme controvérsia – jurídica e econômica, inclusive. Ao pesquisar sobre a origem das instalações, desde os anos 70, localizamos inúmeros processos (do tempo do papel – ainda) que geram uma pendência de milhões de Reais, entre a estatal federal e o Município.

Direto ao ponto: o Ministério Público (MP) tem procedimento aberto em função de manifestação da Procuradoria do Patrimônio Imobiliário Municipal (PPI) ainda de 2019 dando conta de que a Ceagesp estaria irregularmente explorando o recebimento de aluguel das instalações do hipermercado Atacadão, no mesmo complexo onde estão os galpões de hortifrutigranjeiros, no Núcleo Geisel.

Há uma “salada” de processos tratando da posse, instalação da Ceagesp e destinação de uma parte da área para o hipermercado. A Procuradoria Municipal levou ao MP que “houve desvio de finalidade na desapropriação da área com posse para a Ceagesp (o que não é titularidade), com aluguel para o Atacadão que construiu 14.718,09 m2 na antiga gleba”.

Ocorre que, conforme o Município, a posse (antiga) até hoje foi realizada mediante transmissão de duas áreas sem lei autorizativa. Ainda assim, o Ceagesp se declarou proprietário do terreno, em 2011, permitindo a construção do hipermercado.

A Procuradoria Jurídica levanta que, do fato, foi firmado contrato de aluguel em favor da Ceagesp (e não do Município – que seria o dono). O valor mensal nesta fase é de R$ 117,829,30. Ou seja, foi levada à Promotoria a discussão sobre a exploração econômica tida como ilegal (por parte da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais do Estado de São Paulo, vinculada ao Ministério da Agricultura), em razão de cessão (considerada irregular pela PPI), direta, contrariando a então lei de contratos (8.666/93).

Isso representa, sem atualização, faturamento acumulado de R$ 21,2 milhões pela Ceagesp somente com o aluguel. A Procuradoria Jurídica, ainda em 4 de fevereiro de 2019, através de Marina Lopes Miranda, se manifesta pela necessidade de retomada das áreas pelo Município.

PROCESSOS

A pesquisa da ocupação, cessão e uso da Ceagesp é uma teia de processos em Bauru. Aliás, ao pesquisar casos de posse, titularidade e uso encontramos muitos “desencontros” e falhas no controle e gerenciamento de imóveis pelo Município. Entre os levantados, chama atenção, pela cifra e pendência, como o Município tem dificuldade em cumprir normas e defender o patrimônio. A pendência depurada a seguir vem desde 1978 e tem fato apontado como grave em 2019, com discussão sobre pagamento de aluguel que soma R$ 21 milhões – cifra igual ao da contrapartida (sem pagamento até aqui) da Faculdade Uninove relativo a aprovação do curso de medicina em Bauru).

Vamos ao caso Ceagesp e Atacadão.

A área relacionada ao Ceagesp está discutida em pelo menos seis processos. Outros tratam de ações paralelas ao tema. A origem está em dois decretos (de posse e não de doação) lá de 1978. Para se ter ideia do longo percurso do caso, apenas em 2016 saiu uma sentença (judicial) relativa a desapropriação de uma área. O total das glebas envolvia 139.100 m2 na origem.

A princípio, a Ceagesp se instalou, na época baseado em legítima posse. A questão é a autorização, como se dono fosse, para o hipermercado entrar em mis de 15 mil metros quadrados, entre construção e estacionamento, ao lado. Os processos 12.307/79 e 9.680/88, por exemplo, tratam da construção de 32.2828m2 para entrepostos. O primeiro foi aprovado, na avenida Nações Unidas 50-98. O segundo parou por falta de verbas.

O curioso é que os processos 6.764/2012 e 18.880/2013 contam com Termo assinado entre o Atacadão e o Município, sem assinatura da ciência da Ceagesp. Já o processo 60.986/2011 traz, ainda em 23/04/2012, apontamento de que a Secretaria dos Negócios Jurídicos do Município foi alertada para a análise da titularidade e “uso” do local. O último processo citado (60.986) se “entrelaça” com os 11.007/2012 e 6.767/2012, onde, então, o Ceagesp pede a emissão de diretrizes (obrigações) pelo Município para o Atacadão construir seu hipermercado (o que como se sabe de fato aconteceu).

Já o processo 16.968/2012 (não vá se perder com tantos dados) pede esclarecimento sobre  construção comercial (hipermercado) sem aprovação do projeto. A Procuradoria Jurídica do Município pede para juntar a lei de doação ao Ceagesp (inexistente). Consta, neste procedimento, apenas os dois decretos (de posse) – números 2.568 de 8/8/1977 e 2.589 de 12/9/1977.

O processo 11.007/2012 já citado trata da aprovação da drenagem no local onde está a Ceagesp. Mas, o conteúdo, na verdade, é sobre a obra do Atacadão! Do lado. E o Município deu “ok” a instalação (em si), sem esclarecer a questão da posse em confronto com a regular titularidade (ausência de lei de doação, etc.).

Tem mais. O processo 26.865/2012 discute o projeto viário do Atacadão. Até o DAE emite posição favorável a construção do hipermercado (também sem adentrar na questão da regularização do direito sobre o imóvel em relação ao Ceagesp e seu uso em parte por terceiros – Atacadão).

A discussão, ainda pendente, traz que permanece a receita mensal em favor da Ceagesp pelo pagamento e aluguel pelo Atacadão, sendo que o Município efetuou a transmissão da posse. O Ceagesp, em mais de um procedimento, se autodeclara proprietário do local.

 

Assim que conseguirmos retorno sobre o imbróglio junto ao entreposto, o hipermercado, a Advocacia Geral da União e o Ministério Público, atualizamos mais um mistério na Série Esqueletos Urbanos.

 

3 comentários em “Os mistérios do galpão incendiado da Ceagesp e da instalação do Atacadão em área do Municipio”

  1. A ponta de um imenso iceberg de inúmeros esqueletos, seja por má gestão (administrativa e jurídica) ou má intenção (existe outros nomes para isso).

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