Perícia judicial detalha falhas, omissões e erros na obra inacabada da ETE do Distrito Industrial

ETE DISTRITO: obra parada há exatos 3 anos. (imagens Miguel Filho)

O laudo pericial relativo às obras inacabadas da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) do Distrito Industrial, apresentado ao Judiciário pelo Instituto para o Desenvolvimento de Engenharia Aplicada e Controvérsias (IDEAC), é um compilado de erros, falhas, omissões e mau gerenciamento da aplicação do dinheiro público na maior obra de saneamento do Interior do País. O esqueleto urbano de mais de R$ 100 milhões exposto em Bauru.

Para quem esperava diferente, o relatório assinado por 9 engenheiros do instituto traz defeito para todo lado: de gestão, de projeto, de execução, de fiscalização, de acompanhamento… Uma série de problemas que envolvem gestores públicos desde a origem, em 2015, quando o projeto executivo incompleto, ruim, foi aceito por servidores técnicos do DAE Bauru (sem qualquer questionamento), até a paralisação dos serviços, há exatos 3 anos.

COM Engenharia, Prefeitura, projetista Arcadis Logos (antiga ETEP), terão longo embate pela frente. Cada parte, agora, vai rebater, encaminhar dúvidas sobre o laudo, até que o Judiciário decida quem deve ressarcir quem (pelos evidentes prejuízos milionários que toda obra pública parada e com defeitos de execução trazem).

Mas para desânimo da já combalida auto estima do bauruense, que paga por uma obra extremamente necessária desde meados de 2006 (criação do Fundo de Esgoto), a perícia apresentada no último dia 6 de setembro pelo Instituto ao Judiciário traz novas preocupações. Os engenheiros apontam deformidades, problemas estruturais, materiais com qualidade discutível e de durabilidade questionável, que podem ou contestar a efetividade da ETE (como está) ou apontar para baixa durabilidade (tempo de vida útil) em sua operação – se for concluída.

O cenário, dada a longa espera pelo tratamento de esgoto, é um ‘balde de ácido’ na população. Pagamos por esgoto tratado e àgua. Um não temos. O outro serviço não chega a 140 mil bauruenses.

Mas e a perícia?

Em si, o que os engenheiros do IDEAC apontam é que, com tantas frentes a reparar, a retomada e conclusão da obra da ETE do Distrito Industrial exige recontratação com inúmeras readequações. Trocando em miúdos: quem pegar (se pegar), vai ter de refazer ou corrigir “muita coisa”. E o custo final ficará ainda mais caro!

OBRA E CONTRATO

A COM ENGENHARIA firmou, em 12.03.2015, o Contrato de n.º 7621/2015 com a Prefeitura de Bauru para a execução da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Vargem Limpa.

 – Valor contratado da obra: R$ 129.229.676,07, com prazo de execução de 18 meses a partir de 22/04/2015

 – Com 12 aditivos, incluindo serviços e obras e ampliando prazo, o valor final do contrato foi a R$ 150.356.590,00.

 – Em 12.09.2021 ocorreu a rescisão formal do Contrato entre a COM e a Prefeitura de Bauru.

CONCLUSÃO

O texto do laudo é, claro, de natureza técnica, de engenharia. A seguir, detalhamos os principais pontos, com linguagem mais adequada à compreensão geral. Para os especialistas, engenheiros, o CONTRAPONTO insere, em seguida, texto eminentemente técnico do laudo.

Veja a conclusão:

Na visão do IDEAC, o Contrato de implantação da ETE apresentou uma série de falhas técnicas que impactaram significativamente a execução dos trabalhos. A primeira delas diz respeito à documentação incipiente e incompleta que embasou a licitação. Para a equipe pericial, não resta dúvida de que o Projeto Executivo, de responsabilidade da empresa projetista, pode ser considerado falho.

A segunda falha diz respeito à ausência de definição clara dos responsáveis por determinadas tarefas, o que tecnicamente seria atribuição da contratante. Numa obra de infraestrutura desse porte, o IDEAC considera que seria essencial, do ponto de vista técnico e gerencial, a presença permanente de equipe de gerenciadora com plena capacitação de Acompanhamento Técnico de Obra (ATO), com competência e conhecimentos para resolver pendências de projeto e obra, somada à presença, também permanente, de equipe da projetista para resolver em conjunto problemas pontuais do projeto, o que não ocorreu.

No que diz respeito à execução, conforme o Laudo Pericial de Engenharia, em determinados momentos a construtora COM realizou os serviços de forma a não atender a Normas e boas práticas, incorrendo em não conformidades registradas na documentação e deixando vícios construtivos. Quando não solucionados, o IDEAC considera que, do ponto de vista técnico, a construtora é a responsável por tais falhas.

Especificamente com relação à fissuração verificada nos elementos de concretos de diversas frentes, o IDEAC entende que esse quadro foi motivado por uma combinação de fatores. Por parte da projetista, destaca-se o descumprimento no memorial de cálculo de exigências normativas para verificação de abertura de fissuras e especificações técnicas equivocadas ou incompletas para a execução.

Por parte da construtora, o IDEAC entende que falhas como a ausência de controle de temperatura na concretagem e a realização da cura úmida de forma inadequada contribuíram para agravamento da fissuração.
O IDEAC acrescenta que a condução contratual geral do empreendimento, de responsabilidade da Prefeitura de Bauru, não se deu da forma desejável, sofrendo com processos decisórios morosos para alterações contratuais e para renegociações de prazos quantidades e preços unitários, acarretando uma cadeia de eventos como paralisações, descumprimento de cronogramas e aumento de custos previstos.

Por fim, cabe salientar que esse contexto, adicionado à perspectiva de superação do limite legal de 25% de custos adicionais em relação ao valor original, impossibilitou a conclusão de todas as frentes de serviço.

VEJA APONTAMENTOS DETALHADOS

POR 9 ENGENHEIROS QUE ASSINAM A PERÍCIA DO IDEAC

 

Problemas com estacas

Desde a origem das obras, estacas foram problema no canteiro de obras da ETE. Na ocasião, o governo municipal teve de redimensionar a quantidade e aplicação do dispositivo. O Instituto aponta para subdimensionamento das fundações no projeto aceito pelo DAE (no governo Rodrigo Agostinho).

No laudo pericial, o item estaca também é destaque:

O critério de projeto e a consequente avaliação da capacidade de carga útil das estacas assim dimensionadas induzem a uma superavaliação de capacidade de carga de trabalho nominal das estacas (carga útil em tf). Isso ocorre porque não está descontada na carga útil a carga que deve ser suportada por essas estacas em decorrência do atrito negativo provocado pelos recalques do aterro, fazendo com que o atrito aterro/estaca atue nos fustes das estacas, reduzindo assim sua capacidade útil de carga aplicável no topo das estacas, sendo maiores quanto mais espessas e profundas forem as estacas cravadas.
Tal condição se aplica a todos os tipos de estacas e a todas as áreas das plataformas. Como consequências dessas constatações, quando da entrada em operação da ETE, podem ocorrer:
• Recalques diferenciais nos blocos de apoio das estruturas de fundação induzindo fissuras e
consequente risco de vazamento nos tanques;
• Desnivelamento entre blocos de ancoragem de tubulações;
• Desnivelamento em conexões de tubulação.

Sistema de drenagem falho na obra

O laudo também aponta falhas de drenagem na obra, processo que se agrava com o canteiro parado há exatos 3 anos, sem intervenção. Veja o que diz o laudo:

Em decorrência da ausência do sistema de drenagem superficial, observa-se, tanto nos taludes em corte quanto nos taludes em aterro, uma ação erosiva das águas superficiais com escavações localizados nos taludes em corte e forte erosão em alguns pontos da área em aterro de plataforma, chegando a expor o bloco de coroamento das estacas de fundação em um dos tanques, conforme registrado no Relatório de Vistoria (Anexo P.02).
A ausência do sistema de drenagem superficial provisório também contribuiu para um excessivo ravinamento (erosão superficial) dos taludes em corte, cujo material erodido, carreado pelas águas pluviais, encontra-se sedimentado nas áreas da plataforma no entorno das estruturas já implantadas e junto às bases dos taludes, não havendo qualquer dispositivo implantado de canalização das águas pluviais para lançamento nos corpos hídricos do entorno.

A situação também já compromete a instalação do “coração da ETE”, onde serão instalados os filtros (UASB):

Em decorrência da inexistência de adequada proteção contra a ação das águas superficiais, houve erosão do aterro junto à estrutura do UASB, inclusive com comprometimento da estabilidade do talude, conforme constatado in loco.

Mantas e proteção

A impermeabilização das estruturas onde atuam os módulos (grandes) é essencial para a segurança de operação da ETE. A perícia traz que o projeto adotou sistema incomum e que o projeto também falhou (sem informações) neste item.

“Um dos pontos que motivou diversas discussões entre a construtora COM, a projetista ARCADIS e a Prefeitura de Bauru diz respeito à concepção dos reatores UASBs e dos Tanques de Aeração como estruturas mistas, ou seja, com uso de paredes de concreto armado e fundo em manta PEAD.
Embora a obra tenha sido licitada a partir dessa concepção, o Projeto Executivo e as especificações técnicas de 2010 não continham informações importantes para a implantação da manta.

Para a equipe pericial, é um desafio não somente ancorar a manta PEAD, assim como mantê-la durante o longo período operacional. Tanto nas plantas quanto nas especificações técnicas, precisaria ficar explícito que os difusores de ar nos Tanques de Aeração seriam presos por meio de cabos de sustentação, e não ancorados no fundo.
De qualquer forma, essas questões precisariam contar com a gerenciadora e com o ATO (Acompanhamento Técnico da Obra), para que fossem resolvidas durante a obra e o processo de aquisição de equipamentos, o que evitaria a paralisação de uma obra tão importante para a população de Bauru, traz o relatório do IDEAC.

Mas acredite, contrataram uma obra desse tamanho sem ATO no princípio, por muito tempo.

Fissuras e trincas

A inspeção confirma muitas (centenas) de fissuras e trincas na obra. As chamadas patologias.

As principais manifestações patológicas observadas na vistoria de 8 e 9 de maio deste 2024 foram fissuras e trincas, especialmente em estruturas como o Decantador Lamelar, Tanque de Equalização, Tanques de Aeração e reatores UASBs.
O IDEAC explica que “fissuras são descontinuidades com largura ou abertura máxima de 0,5 mm, enquanto trincas possuem largura ou abertura acima de 0,5 mm. São pontos de atenção em quaisquer obras, pois representam caminhos abertos para a entrada de agentes agressivos ao interior do concreto.

E com um detalhe, importante para engenheiros observarem no caso da ETE: “as fissuras observadas nos elementos da ETE surgiram antes mesmo do carregamento final das estruturas, isto é, com os tanques vazios e, em alguns casos, ainda inacabados”. E depois que estiver funcionando, com todo o peso dos dejetos no sistema?

A perícia detalha inúmeras outras informações absolutamente técnicas, mas que identificação uma variação de falhas e problemas na obra. Como este:

“Para o Tanque de Equalização, o IDEAC verificou que no memorial de cálculo da Integral:
Não há determinação da armadura mínima de tração sob deformações impostas;
• Não há verificação de ELS-w para as idades iniciais do concreto, após moldagem;
• Não há verificação de ELS-w para deformações impostas extrínsecas;
• Não foi considerado o efeito da temperatura nas ações”.

Os mesmos apontamentos acima, preocupantes, valem para a checagem dos reatores UASBs (filtros do ‘coração’ da ETE).

“Essas análises demonstram que os memoriais de cálculo emitidos pela Integral (empresa dos cálculos) não cumpriram todas as exigências requeridas pela norma”, cita o laudo. Assim, como o “Projeto Executivo sequer previu o uso de sistemas de impermeabilização, na visão do IDEAC, deveriam ter sido adotados pela projetista limites menores para a abertura de fissuras.

5 comentários em “Perícia judicial detalha falhas, omissões e erros na obra inacabada da ETE do Distrito Industrial”

  1. Parabéns pela matéria.
    Com clareza e objetividade, trouxe a informação técnica e de difícil entendimento, de forma simples e acessíveis aos leigos no assunto.
    Agora resta saber quem assumirá uma obra nessas condições?
    Se assumir, fará as correções necessárias? A que preço e prazo?
    Enquanto isso, continuaremos pagando pelo que não temos, além de todo prejuízo ambiental que acarreta.

  2. Tem um ditado antigo que não falha. “O que começa errado, termina errado”, só que neste caso não sabemos se irá terminar. Um completo descaso para com o nosso dinheiro, pago a décadas por algo importantíssimo, mas que foi utilizado politicamente e deu no que deu. Onde está o sr. Rodrigo Agostinho? Calado na frente do Ibama, mas que deveria prestar contas aos Bauruenses.

  3. Coaracy Antonio Domingues

    Amigo Nelson, TUDO que começa ERRADO (PROJETO BÁSICO), continua ERRADO (PROJETO EXECUTIVO), só pode dar ERRADO….
    Obra, que se for concluída, não existe a MÍNIMA garantia de EFICIÊNCIA (que as etapas do tratamento sejam cumpridas), e, muito MENOS de EFICÁCIA (que os parâmetros mínimos de qualidade do efluente sejam atendidos).
    Como diria o Jornalista Célio Gonçalves: “OREMOS !”
    INFELIZMENTE, para nós bauruenses, EU estava CERTO, desde SEMPRE !

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