Mais Creche naufraga com 1 escola particular com oferta de 10 vagas

Edital traz até 1.141 vagas para contratar pela Sec. Educação

 

Por Gabriel Rezende

Apenas uma escola se apresentou para o edital da Secretaria Municipal de Educação com inscrição encerrada no dia 6 de fevereiro. Somente a empresa Pequeninos do Reino, da região da Vila Independência e Jd. Terra Branca, se inscreveu, com oferta de 10 vagas.
O processo, lançado em 14 de janeiro deste ano, visava credenciar escolas privadas para oferecer vagas de período integral para crianças com idade de 0 a 3 anos (11 meses e 29 dias) que aguardam por uma vaga da rede pública municipal.
É a segunda tentativa frustrada do governo municipal para o problema. Preço abaixo do mercado ofertado por vaga e falta de disponibilidade de creches particulares nas bordas da cidade são dois dos principais motivos citados para o novo insucesso. O mesmo aconteceu no governo Gazzetta.
Criado a partir da Lei Municipal nº 7621/22, de autoria da prefeita Suéllen Rosim (PSD), o programa previa a aquisição de até 1.141 vagas, durante um ano, em caráter emergencial. O preço estabelecido pela Secretaria, por vaga, foi R$ 857,52 mensais. O valor, segundo o governo, é composto pela soma do valor pago pela Prefeitura às instituições sem fins lucrativos conveniadas (R$ 502,29) e a estimativa levantada pela Educação para o custo com alimentação (R$ 300,00) e material escolar (R$ 55,23).

Mas as 1.141 vagas pretendidas pelo edital estão defasadas. Elas correspondem à fila de espera à época da criação da Lei nº 7621/22, em outubro passado. Com a entrada de alunos no Ensino Fundamental, a desistência de pais que optaram por escolas privadas e o novo período natural de solicitação por vagas, ocorrido em dezembro último, esse número despencou para 495 (em 14/02).
Aliás a fila sempre é dinâmica. Durante a Reunião Pública ocorrida em 11 de janeiro, na Câmara Municipal, o secretário de Educação, Nilson Ghirardello, já alertava que a tendência era de que a fila aumentasse ao longo de 2023, à medida que mais crianças nascessem no município. E a cidade também recebe novos moradores, por exemplo.
Em 2015, a Prefeitura assinou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), com o Ministério Público Estadual, visando zerar a fila de vagas em 90 dias, acordo não cumprido desde então.

NÃO PAGA
Na mesma Reunião Pública do dia 11, o vereador Coronel Meira (União Brasil), que presidiu o evento, disse que uma consulta com unidades privadas feita por ele e outros colegas parlamentares apontara que o preço médio de uma vaga de período integral nas escolas da cidade ultrapassaria a quantia de R$ 1.400,00. De acordo com o parlamentar, as vagas de meio período custariam cerca de R$ 700,00 ao mês.
Em entrevista à reportagem no dia 26 de janeiro, Ghirardello disse que “o valor oferecido [pelo Mais Creche] é bastante razoável”. Perguntado se haveria, no edital, outros elementos que pudessem atrair as escolas privadas, o secretário diz:“acreditamos no espírito público dos gestores das escolas privadas”.

FALTAM ESCOLAS PARTICULARES NA PERIFERIA

Além da oferta para contratar vaga de creche a preço inferior ao mercado, o edital da Prefeitura novamente enfrenta outro obstáculo: a falta de creches na periferia, onde está a demanda.
E foi este um ponto indagado pela presidente do Conselho Municipal de Educação (CME), Maria Masé. Documento, assinado por ela, traz como base o levantamento da Secretaria Municipal de Educação de 11 de julho de 2022, que identificou 930 crianças, distribuídas em 48 bairros, na fila por vagas nas creches da rede pública do município.
Na análise, a professora avalia que a Secretaria “não trabalha com índices e planejamento”, tendo em vista que o levantamento da pasta “não indica quantas crianças, das 930, têm em cada um dos 48 bairros”, bem como “não indica quantas escolas públicas de Educação Infantil e particulares existem em cada um desses bairros”.

Mazé revela que a maioria dos bairros identificados pela pesquisa da Secretaria se encontra em regiões periféricas, enquanto a maior disponibilidade de escolas particulares estaria no Centro da cidade. O texto do edital determina a família como a responsável pelo transporte da criança até a unidade escolar e não estabelece parâmetros logísticos para alocação dos alunos nas instituições de ensino credenciadas.

De outro lado, Nilson Ghirardello afirmou ser necessário considerar que “muitas mães preferem creches próximas ao trabalho (por vezes em regiões centrais ou nobres), do que nas cercanias de suas residências”.

Quando perguntado sobre quais são os critérios adotados pela sua pasta para determinar as escolas destinada a cada uma das crianças eventualmente contempladas pelo programa, o secretário disse que “o edital é uma tentativa para reduzir a demanda de vagas. Há um TAC com o Ministério Público, desde 2015, que aponta para que seja zerada a demanda. Dessa forma, entendemos que o edital é mais um dos instrumentos para reduzirmos a fila, não o único”.

Diferenças entre os perfis das escolas e o modelo proposto pelo edital

Há outras razões para a baixa procura pelo edital da Prefeitura.

A família da vereadora Chiara Ranieri (União Brasil), presidente da Comissão de Educação da Câmara Municipal, possui uma escola de ensino infantil e fundamental I, na região Sul da cidade. Os serviços oferecidos pela sua escola se diferem das condições estabelecidas pelo Programa Mais Creche. Na unidade, por exemplo, não é disponibilizada refeição e materiais escolares, tal como determina o edital.

A parlamentar chama atenção para a diversidade de perfis mesmo entre as escolas privadas. Segundo ela, “a maioria das escolas particulares não trabalha com ensino integral”. Mesmo entre as instituições que possuem vagas de período integral, Chiara afirma que há unidades que não oferecem refeições.

 

Programa Especial e o Mais Creche

O projeto Mais Creche não foi a primeira tentativa da Prefeitura de zerar a lista de espera da Educação Infantil através da compra de vagas em escolas privadas. Em 2018, a gestão do ex-prefeito Clodoaldo Gazzetta criou o Programa Especial através da Lei nº 7082/18. A matéria estabeleceu que as escolas interessadas poderiam se credenciar desde que fornecessem uniforme, alimentação e material escolar aos alunos. A quantidade de crianças aguardando por vagas, à época, era de 923.

Durante a Reunião Pública do dia 11 de janeiro, quase cinco anos depois da criação da Lei, a representante do Conselho Municipal de Educação (CME), Iara Costa, fez um retrospecto do Programa Especial, quando o comparava com o projeto Mais Creche. ”Ele estava no seu terceiro ano de mandato [Clodoaldo Gazzeta] quando propôs algo semelhante [ao Mais Creche] e não deu certo. Naquela época, eu já estava no Conselho Municipal de Educação, e nós fizemos uma análise e apenas dezesseis crianças foram beneficiadas com aquele projeto [Programa Especial]”, lembra.

Ao avaliar a proposta da prefeita Suéllen Rosim de compra de vagas em escolas privadas, Chiara Ranieri também sugere que a iniciativa do ex-prefeito Gazzetta não atingiu os resultados esperados pela gestão anterior. “O governo passado já tentou contratar. No governo do Gazeta, foi feita uma experiência. Também foi baseada nos valores que eram repassados para as conveniadas. Essa foi quase que deserto”, refere-se a parlamentar à pouca adesão ao edital do Programa Especial.

Ranieri considera que o objetivo do governo Suéllen, com o Mais Creche, é oferecer uma resposta ao Ministério Público, devido ao TAC. O lançamento do projeto “é mais uma tentativa de dizer ‘estamos fazendo algo’, do que realmente uma medida que resolva a situação de demanda de vagas”. Observando os dois anos de mandato da atual chefe do Executivo, a parlamentar não identificou “projeto de ampliação de vagas que seja de iniciativa da Secretaria de Educação”. “Pela demanda que existe, era para estar fazendo”, conclui.

COMO RESOLVER?
Sobre o Mais Creche, a professora Maria Masé sugere que o Ministério Público acompanhe a execução do programa e exija da Prefeitura um plano de ampliação gradual de vagas, que leve em conta a identificação dos bairros de maior demanda e o mapeamento das escolas da rede municipal.
“Em agosto de 2022, nós [CME] demos a sugestão de mapear a crianças por bairro, mapear quantas escolas de educação infantil públicas existem, verificar em quantas escolas há espaço de ampliação, sendo uma ou duas salas. Ou seja, ampliação de vagas na escola do bairro”, relembra Mazé da proposta do CME contida no parecer técnico que analisou a Lei que criou o projeto Mais Creche.

Questionado se a Secretaria teria um plano de ampliação de vagas em 2023 para além do edital lançado no dia 14, Ghirardello disse que a Prefeita pretende “abrir mais duas novas creches”. Na resposta encaminhada à reportagem, o secretário, no entanto, não informou os bairros contemplados e nem a quantidade de vagas que devem ser geradas com a possível abertura das novas unidades.

PLANO B?
Enquanto o edital com apenas 1 escola interessada tramita na administração, a reportagem apurou que o governo realizou reunião com representantes das unidades conveniadas.
A sondagem foi pela necessidade de ampliação da contratação de vagas dentro dos convênios já firmados. A questão é que, com o calendário escolar iniciado, muitas entidades teriam dificuldades logísticas, de estrutura operacional e de mão de obra, para conseguir ofertar mais vagas.
E mais: o principal item sem resolução: o valor per capita (por aluno) pago pela Prefeitura de Bauru para os contratos existentes é ainda mais baixo do que o apresentado no edital…
E as conveniadas estão com dificuldades em manter os atuais serviços.

1 comentário em “Mais Creche naufraga com 1 escola particular com oferta de 10 vagas”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

error: Conteúdo protegido!
Rolar para cima